Em primeiro lugar, é importante clarificar que não estamos a falar de uma simples “Lei dos Solos”, mas sim de um diploma de alteração ao RJIGT – o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. É crucial entender a diferença, pois muito do que tem sido criticado parte de premissas incorretas ou simplistas. Este diploma não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade para modernizar, desburocratizar e devolver aos municípios a autonomia necessária para decidir sobre os seus próprios territórios. É, acima de tudo, um instrumento que visa corrigir anos de distorções causadas por proibições generalizadas, centralização excessiva e processos que muitas vezes geraram mais problemas do que soluções.

Nas críticas que têm sido levantadas contra este diploma, encontramos uma sucessão de argumentos demagógicos que carecem de fundamento e que é necessário desmontar. Vamos analisar alguns dos mais recorrentes e desfazer os mitos que se criaram em torno deles.

“É o fim do planeamento!” Nada poderia estar mais longe da verdade. O diploma de alteração ao RJIGT representa, na verdade, o retorno do planeamento aos municípios, permitindo-lhes decidir por si mesmos, sem depender de decisões centralizadas ou de restrições impostas por organismos superiores. Em vez de impor camadas de proibições arbitrárias, o diploma oferece um quadro onde o planeamento local pode florescer, garantindo que as decisões são tomadas por quem conhece de perto as necessidades e especificidades de cada território. Isso não é o fim do planeamento; é, pelo contrário, a sua revitalização.

“Não vai haver lugar para semear batatas!” Este é outro argumento que não se sustenta. A RAN (Reserva Agrícola Nacional) mantém-se intocada em áreas de classe A e B, ou seja, nos solos com maior capacidade agrícola. Ninguém está a sugerir que se urbanizem terrenos de elevada aptidão agrícola. Além disso, áreas protegidas como a REN (Reserva Ecológica Nacional) continuam a ter a sua função preservada, embora com a possibilidade de gestão mais eficiente de riscos, como inundações ou incêndios. A ideia não é destruir a capacidade agrícola do país, mas sim gerir os solos de forma mais racional e produtiva.

“É o fim das áreas protegidas!” Este é outro mito que precisa de ser desmentido. As áreas protegidas, como parques naturais e outras zonas de interesse ambiental, permanecem inalteradas. O que está em causa é a abordagem à REN, que atualmente protege “classes de risco” de forma genérica. O diploma de alteração ao RJIGT propõe que, em vez de simplesmente “proteger riscos”, se criem mecanismos para os mitigar e resolver, permitindo uma gestão mais prática e eficaz.

“É o fim dos solos rústicos!” Este argumento é frequentemente baseado numa compreensão errada do que são os solos rústicos. É importante esclarecer que o solo rústico não é uma qualidade intrínseca, mas sim um estado. São terrenos não tratados ou não urbanizados, sem uma aptidão específica definida. Não se trata de acabar com os solos rústicos, mas sim de avaliar a aptidão de cada solo de forma criteriosa, protegendo aqueles que realmente merecem proteção, como os de alto valor agrícola ou ambiental. Não faz sentido proteger indiscriminadamente terrenos sem qualquer aptidão especial, apenas porque estão classificados como rústicos.

“É um convite à corrupção!” Este argumento é particularmente problemático, pois ignora que o regime está assente na transparência do processo decisório. A corrupção surge, frequentemente, em processos opacos e centralizados, onde as regras são vagas ou excessivamente restritivas, levando a negociações de bastidores para ultrapassar barreiras artificiais. Ao trazer a decisão para o nível municipal, com processos claros e transparentes, o diploma de alteração ao RJIGT oferece uma oportunidade para reduzir as práticas corruptas, substituindo-as por decisões fundamentadas e públicas.

“Não é necessário mais solo urbano!” Esta é uma crítica recorrente, mas que não resiste a uma análise mais cuidadosa dos dados do mercado imobiliário. O aumento exponencial dos preços das habitações é um indicador claro da falta de oferta de solo urbano. Países com mercados imobiliários equilibrados respondem a situações de aumento de preços com um aumento controlado da oferta, o que ajuda a estabilizar os preços. Em Portugal, a escassez artificial de solo urbano tem contribuído para a especulação e para a inacessibilidade da habitação.

“É especulativo!” A especulação é, na verdade, um produto direto da escassez artificial. Quando a oferta é limitada de forma rígida, os preços disparam, beneficiando apenas os especuladores. O diploma de alteração ao RJIGT propõe aumentar a oferta de solo urbano de forma controlada e estratégica, criando um contrapeso aos abusos de preços no mercado. Mais oferta significa menos espaço para práticas especulativas e mais oportunidades para quem realmente precisa de habitação.

“Viola cartas municipais de habitação!” Este é outro argumento infundado. As cartas municipais de habitação foram aprovadas pelos próprios municípios, que agora terão mais ferramentas para executar as suas metas. O diploma de alteração ao RJIGT não contradiz essas cartas; pelo contrário, oferece mecanismos para acelerar a sua implementação, promovendo soluções mais eficazes para os desafios habitacionais.

“Vai aumentar os preços!” Este é um equívoco que pode ser facilmente desmontado com uma compreensão básica de economia e estatística. O aumento da oferta de solo urbano, em vez de fazer subir os preços, ajuda a equilibrar o mercado, reduzindo a pressão sobre os preços existentes. A lógica de que mais oferta aumenta os preços não resiste a uma análise séria.

“Existem muitas unidades habitacionais disponíveis fora do mercado!” Este argumento, frequentemente repetido, ignora as lições aprendidas com iniciativas como o programa +Habitação, que tentou mobilizar habitações desocupadas com pouco sucesso. A realidade é que a procura continua a superar a oferta, e é necessário criar novas oportunidades para responder a essa demanda.

O problema central, e talvez a crítica mais grave que se pode fazer ao estado atual do ordenamento do território, é a prevalência de um modelo baseado em proibições. Proibições sobre onde construir, o que construir, como construir. Este modelo sufoca o planeamento municipal, transforma os municípios em meros gestores de restrições impostas por organismos centrais e cria um ambiente jurídico e administrativo insustentável. É esse excesso de proibições que gera corrupção, especulação e ineficiências no sistema.

O diploma de alteração ao RJIGT surge como uma oportunidade para romper com esse ciclo vicioso, devolvendo aos municípios a capacidade de planeamento, promovendo a transparência e criando um quadro mais racional e eficaz para a gestão do território. O desafio agora é implementar esse regime com responsabilidade, garantindo que os seus benefícios sejam efetivamente sentidos por todos os portugueses.