Trump Tower, 16 de junho de 2015. Descendo altiva e lentamente uma escada rolante dourada, Donald J. Trump, até então simplesmente um excêntrico multimilionário nova-iorquino, dava início à maior e à mais improvável reconfiguração política da história moderna americana – e, na verdade, a uma nova era. Foi isso que Henry Kissinger intuiu quando, em Julho de 2018, em entrevista ao “Financial Times”, declarou: “I think Trump may be one of those figures in history who appears from time to time to mark the end of an era and to force it to give up its old pretences”.

Quase dez anos após aquela descida na escada rolante, ainda não compreendemos totalmente o significado de Trump, pois permanecemos capturados pelo feitiço hipnótico da sua figura. Para entender as eleições americanas de 5 de Novembro, é essencial “despersonificar” o fenómeno, dividindo-o em três elementos: a Circunstância em Transformação, o Homem Transformacional e a Transformação. É nos momentos, raros mas decisivos, em que a Circunstância em Transformação e o Homem Transformacional se encontram num ponto crítico que a Transformação, muitas vezes imprevista, se materializa no espaço e no tempo e toma posse do leme da História para passar a conduzi-la.

Quando, na famosa carta de Fevereiro de 1818, escrita na sua casa em Quincy, Massachusetts, escreveu: “The Revolution was effected before the War commenced. The Revolution was in the Minds and Hearts of the People”, John Adams demonstrou ter percebido sobre o seu tempo um elemento essencial que insistimos em não perceber ainda no nosso: que as grandes transformações, embora apresentem sempre uma dimensão tecnológica (os mosquetes ou os canhões no século XVIII; os telemóveis ou as redes sociais no século XXI), são sobretudo expressões antropológicas mais profundas, lençóis freáticos culturais e intelectuais que permeiam todos os elementos de uma sociedade, imprimindo-lhe uma dinâmica própria e irreprimível.

Perceber o fenómeno Trump – ou Trump enquanto fenómeno – não é apenas examinar e ordenar uma série de eventos, por mais anómalos que sejam, nem sequer avaliar, muito menos ignorar, uma figura controversa. É reconhecer um movimento mais amplo e mais profundo, uma verdadeira reconfiguração dos alicerces políticos e culturais dos Estados Unidos e, consequentemente, do próprio Ocidente. Trump corporiza essa força histórica, mas não a origina; dá-lhe expressão, mas não lhe dá origem.

Donald Trump, no seu modo disruptivo, expõe justamente uma disrupção, o ponto de cisão em que as velhas pretensões, esperneando as suas derradeiras birras e soberbas, não conseguem já conter a pressão das novas aspirações, que são na verdade fundacionais. Compreender Trump não é compreender um imaginário novo extremismo, mas a América original; não é compreender um multimilionário excêntrico, mas o americano comum; não é compreender a natureza das polarizações, mas a essência das revoluções. Compreender Trump, em suma, não é compreender o fim da Democracia, mas o resgate do soberano – que é a verdadeira essência da Democracia.

A direita popular que Trump encarna é, ao mesmo tempo, uma disrupção e uma reparação, um brado de ruptura e uma promessa de reencontro, um salto em frente e um regresso à origem, uma revolução e uma conservação, uma nave na superfície de Marte e uma oração no cemitério de Gettysburg. No fervor da sua retórica inflamada, incompreendida nas bolhas em que se ajuntam e calcificam as elites do momento ultrapassado, ecoam os valores do patriotismo, das fronteiras seguras, da identidade nacional, enfim, de um povo soberano que se recusa a ser privado da autoria e condução do seu próprio destino.

Ao contemplarmos, atónitos ou maravilhados, a esmagadora vitória e o estrondoso regresso de Donald Trump, é imperativo evitarmos a armadilha simplista de classificá-los como meras aberrações políticas, ou efémeros caprichos históricos, e perceber que, tal como isto é mais do que Trump, isto também é mais do que a América. Justamente por isso, limitarmo-nos a enviar a Donald Trump os nossos “cumprimentos calorosos”, como fizeram Ursula von der Leyen e Roberta Metsola, e seguir em frente como se nada tivesse mudado, é não apenas um gesto vazio, como um erro grotesco. Esta não é uma mera questão de diplomacia, é um apelo a uma renovação profunda e inadiável. A liderança europeia deve entender que o momento pede mais do que a nossa cortesia: o momento pede ser compreendido. Não basta sermos cordiais: temos de ser consequentes.

Os apelos à mudança, que ecoam estrondosamente em vários idiomas e nações, não se satisfazem com a superficialidade efémera das gentilezas diplomáticas – exigem compromisso real e ação corajosa. Exigem que cortemos as linhas vermelhas, que desfaçamos os cordões sanitários e que rompamos com essa densa e emaranhada teia de bloqueios e exclusões que insiste em ostracizar esta direita popular. Compreender a lição americana exige compreender o desejo profundo de mudança que vibra, cada vez de forma mais sonora, no coração de todo o Ocidente.

Não é admissível, enquanto a História muda diante dos nossos olhos e treme debaixo dos nossos pés, continuarmos a aceitar, por exemplo, a segregação contínua dos Patriots for Europe (PfE), a terceira maior força política europeia e aquela que mais cresce hoje - a par e de mãos dadas com o movimento de Trump na América -, nos fóruns, delegações, comissões e bureaus do Parlamento Europeu, onde o futuro da Europa, que também nos pertence, é traçado. Se os atuais líderes da União Europeia desejam realmente mostrar que compreenderam a mensagem americana, que perceberam o desejo profundo de mudança que vibra, cada vez mais de forma sonora, no coração e nas mentes do Ocidente, então derrubem os muros e abram as portas.

A lição americana é também uma lição europeia. Isto não só é maior do que Trump, também é maior do que a América. O futuro da Europa não se faz sem nós e sem os milhões de votos e vozes que representamos: pelo contrário, sem nós e sem esses milhões de votos e vozes a Europa não tem futuro.