A legislação europeia sobre substâncias químicas, embora fundamental para a proteção da saúde e do ambiente, é regularmente alvo das ONG ambientais, que denunciam a falta de transparência e de sanções dissuasivas contra os fabricantes.
As preocupações sobre a complexidade e a lentidão dos processos motivaram apelos à reforma no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, mas a Comissão Europeia adiou por várias vezes a revisão. De novo na agenda europeia, novas regras para os químicos perigosos são esperadas em 2025.
Como a UE regula as substâncias químicas?
Para proteger a saúde e o ambiente, a União Europeia adoptou em 2006 o regulamento Reach (Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals) que regula o fabrico e a utilização de substâncias químicas na Europa.
Os fabricantes são obrigados a declarar as substâncias que utilizam em quantidades superiores a uma tonelada por ano.
A Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) verifica as declarações e as autoridades de cada país avaliam as substâncias utilizadas.
Para as substâncias mais perigosas para a saúde e para o ambiente que a UE está a tentar eliminar, as empresas devem obter autorização prévia da Comissão Europeia para continuarem a utilizar estes produtos, mas sob condições. Quem não respeitar as regras enfrenta sanções impostas pelas autoridades nacionais.
Quais são as críticas?
A complexidade do procedimento é criticada por todos os intervenientes.
Num relatório divulgado na 9 de dezembro, a ONG ambientalista ClientEarth denuncia a falta de fiscalização e a quase inexistência de sanções. A organização critica a falta de inspeções regulares e a ausência de penalizações para empresas que não cumprem o regulamento REACH.
“ As inspeções são raras (...) O incumprimento raramente é sancionado e as coimas são quase inexistentes . As autoridades europeias não exercem qualquer controlo sobre a aplicação das leis a nível nacional e pouco fazem para saber mais”, acusa esta organização.
A ClientEarth aponta ainda a falta de transparência dos Estados-membros, criticando sobretudo a Alemanha e a Espanha por não terem transmitido dados sobre se as suas empresas industriais estão ou não a cumprir o regulamento Reach.
A Provedora de Justiça Europeia, Emily O'Reilly,também deu o alarme há algumas semanas, denunciando num relatório a lentidão da Comissão Europeia em decidir sobre os pedidos de autorização das empresas que utilizam substâncias perigosas.
Muito longe do prazo legal de três meses, “a Comissão demora em média 14,5 meses a preparar projetos de decisão” e “em alguns casos demora vários anos”, período durante o qual as empresas continuam a utilizar substâncias perigosas na União Europeia.
Apesar das falhas, o regulamento Reach continua a ser essencial. Conseguiu, por exemplo, proibir o polémico bisfenol A (BPA) em certos produtos, como nos biberões.
O que vai fazer a Comissão Europeia?
A Comissão Europeia pretendia rever este regulamento em 2022, para o tornar drasticamente mais rígido e reduzir os riscos ambientais e para a saúde.
Mas o executivo europeu já adiou várias vezes esta revisão, nomeadamente em nome da preservação de “regras justas” entre as empresas europeias e a concorrência internacional.
No início do seu segundo mandato, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, prometeu “simplificar o Reach” e clarificar a legislação sobre os “poluentes eternos”, os famosos PFAS, estas substâncias químicas sintéticas com um longo ciclo de vida, presentes em enorme escala na vida quotidiana.
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O processo foi confiado à sueca Jessika Roswall, Comissária Europeia responsável pelo Ambiente, e ao francês Stéphane Séjourné, vice-presidente responsável pela Estratégia Industrial para apresentarem uma proposta legislativa em 2025.
O que são poluentes ou químicos eternos?
Os poluentes eternos, como os PFAS (substância per- e polifluoroalquiladas), são um grupo de compostos químicos sintéticos caracterizados pela sua extrema persistência no ambiente e no organismo humano.
Estes produtos têm sido identificados numa vasta gama de produtos do quotidiano, como alimentos, roupas e materiais de construção, o que levanta sérias preocupações sobre os seus efeitos na saúde humana e nos ecossistemas. Têm sido associados a vários problemas de saúde, incluindo cancros, disfunções hormonais e no sistema imunitário.
Alguns exemplos de PFAS e compostos relacionados:
- Ácido perfluorooctanoico (PFOA)Usado em produtos como tecidos impermeáveis, antiaderentes e espumas de combate a incêndios.
- Ácido perfluorooctano sulfonico (PFOS)Usado em espumas de combate a incêndios e em produtos de impermeabilização, como carpetes e tecidos.
- Perfluorohexano sulfonato (PFHxS)Encontrado em produtos de impermeabilização, como roupas e tecidos, além de espumas contra incêndios.
- Ácido perfluorobutanoico (PFBA)Usado no fabrico de produtos que resistem à água, óleo e manchas.
- Ácido perfluoropropano sulfonato (PFPS)Utilizado em espumas de combate a incêndios e em produtos de proteção para tecidos.
- Perfluorotridecano (PFTrDA)Usado em produtos que requerem repelência à água e óleo, como roupas impermeáveis.
- Ácido perfluorooctanoic (PFNA)Encontrado em espumas de combate a incêndios e em produtos químicos industriais.
- Perfluorociclohexano (PFCAs)Um grupo de compostos usados em diversos produtos, incluindo antiaderentes e repelentes de manchas.
- GenXSubstituto para o PFOA, utilizado na produção de plásticos e em produtos industriais.
- Perfluorotetradecano (PFTeDA)Usado em revestimentos industriais e produtos de consumo.
- Perfluorohexanoico (PFHxA)Usado em espumas de combate a incêndios e também encontrado em produtos de consumo, como roupas impermeáveis.
Além dos PFAS, existem outras substâncias químicas que também são consideradas altamente persistentes e problemáticas, mas o grupo dos PFAS é o mais amplamente discutido como “químico eterno”.