
Shahd Wadi é palestiniana, entre outras possibilidades, e vive em Portugal desde 2006. Quando estava a aterrar em Lisboa pela primeira vez, apercebeu-se de que era a cidade colorida que lhe aparecia sempre nos sonhos. Uma história que ela conta neste podcast.
Filha de mãe egípcia e pai palestiniano, escolheu viver no país do “mais ou menos” ou do “vai-se andando”, por amor, mas o seu coração está na Palestina. O país onde não nasceu porque não lhe foi permitido e que há décadas está ocupado e é massacrado.
E enquanto a Palestina estiver ocupada, Shahd afirma que será voz afiada e um dos corpos da resistência e liberdade do seu povo.
O seu tempo é dividido entre a escrita, curadoria, tradução, investigação e performance.
E, como relata neste episódio, no altar da sua casa em Lisboa, estão dois objetos-relíquia:
O escorredor antigo da sua avó Aisha, e uma pedra trazida recentemente por amigos da vila de onde essa sua avó foi expulsa da Palestina, em 1948, pelo exército de Israel.
Shahd, a mulher árabe que bebe medronho com travo de chá de menta, e que se habituou a ver o seu nome escrito a canela no arroz doce de uma avó portuguesa emprestada, conta como foi o processo de escrita do livro de poesia “Chuva de Jasmim”, escrito originalmente em português, na língua estrangeira com a qual sonha e passou a ter grande intimidade.
Uma obra de imensa qualidade literária, e que deverá ser o primeiro livro palestiniano da poesia portuguesa, ou que caminha na fronteira de tudo isso.
E, através da poesia, Shahd balança entre lugares, memórias, feridas e fendas, debaixo da pele e de uma chuva de cravos e jasmins, que são a esperança e o choro sem fim de quem sofre no exílio.
Com tantos massacres televisionados, e o que parece ser o regresso da banalidade do mal (conceito criado pela filósofa Hannah Arendt), e desumanização do outro, o que pode a poesia? Esta pergunta é-lhe lançada.
Importa dizer que a história de Shahd é atravessada por muitos lugares, como a própria conta neste episódio.
Foi gerada no Líbano durante a invasão das tropas israelitas, lugar onde era suposto nascer.
O pai de Shahd, então investigador no Centro de Estudos Palestinianos numa altura em que ser “palestiniano” era visto como crime, foi aprisionado.
Perante a decisão da sua expulsão de Beirute, a mãe improvisou de súbito uma nova vida, viajando para a cidade de Alexandria 24 horas antes do nascimento de Shahd, no Egipto, a 3 de fevereiro de 1983.
Shahd viveu a maior parte da sua vida na Jordânia, acompanhada pela sua história palestiniana: Visto que décadas antes a sua família foi obrigada ao exílio, em 1948, depois da catástrofe Nakba.
Shahd estudou as mulheres palestinianas para se conhecer melhor a si própria, escrevendo a primeira tese de mestrado em Estudos Feministas feita em Portugal, na Universidade de Coimbra, “Feminismos de corpos ocupados: as mulheres palestinianas entre duas resistências” (2010).
Mais tarde seguiu com um doutoramento com o objetivo a analisar a possibilidade de um ativismo político feminista através da narrativa do corpo no trabalho das artistas palestinianas do exílio. Foi então seleccionada para a plataforma Best Young Researchers (ERD).
A sua tese de doutoramento também foi a primeira no país na área dos Estudos Feministas e serviu de base ao livro “Corpos na Trouxa: histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio (Almedina, 2017).
Atualmente, Shahd é curadora convidada da sexta edição do projeto “Poder da Palavra” no Museu Calouste Gulbenkian com uma exposição intitulada “Folha: uma visita do jardim” (até 18 março de 2025).
É tradutora e intérprete de árabe, trabalha com tribunais, psicólogos e várias organizações locais internacionais, traduzindo especialmente para pessoas imigrantes e refugiadas.
É também cronista na revista Gerador desde 2021, e tem artigos publicados no Público e outros jornais e revistas.
E, além deste seu novo livro-poema “Chuva de Jasmim”, a sua escrita integra, entre outras coletâneas, as antologias “Volta Para Tua Terra: Não Há Abril Sem Imigrantes” (Urutau, 2024) e “Ask the Night for a Dream: Palestinian Writing from the Diaspora Palestine Writes”, 2024).
Shahd afirma que escreve em português com sotaque palestiniano… o sotaque da liberdade.
Esta conversa arranca com um dos seus belíssimos poemas.
A este chamou: “Povo Pássaro!”
“E lá, atrás do muro, há um povo./
Vive nas árvores,
bebe água da chuva,
respira todo o vento.//
Um povo só, ensina o mundo a bater asas./
Ainda não sabe voar, mas já canta,
exatamente como os pássaros.”
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.