Selma Uamusse é uma artista maior, versátil, múltipla, inteira e autêntica que nos faz mexer o corpo e cantar com ela temas belos, autênticos hinos humanistas, que nos aproximam mais uns dos outros, e que nos alertam para o valor do amor, da união, da solidariedade, da paz ou da igualdade entre todas as pessoas.

José Fonseca Fernandes

Os seus predicados não se ficam pelo seu inquestionável talento, pela qualidade artística e poderoso aparelho vocal, mas pela mulher que é, atenta aos outros, aos mais vulneráveis, que canta a visão do mundo em que acredita e sonha e que através da sua voz dá lugar e visibilidade aos que não a têm.

E isso é tão precioso num tempo de tanto egoísmo, individualismo, ódio e trincheiras em que por um lado chegamos ao Japão num só clique - através das redes sociais - mas por outro lado estamos desligados dos outros ao nosso lado ou à nossa frente, e parece haver menos tempo, vontade e capacidade de escutar e de partilhar. Poderá a música salvar-nos desta perdição?


José Fonseca Fernandes

É por aqui que arranca a primeira parte desta conversa em podcast, que segue para os protestos da população e violência policial que se vive atualmente em Moçambique, o país onde nasceu.

“Acredito que esses protestos em Moçambique possam ser a nossa primavera, uma mudança de paradigma em prol do povo moçambicano”, chega a afirmar.


José Fonseca Fernandes

E mais diz: “Os protestos em Moçambique são mais profundos do que o resultado das eleições. São o resultado de uma saturação de muitos anos em que as pessoas não se sentem vistas, tidas ou achadas. Vejo com preocupação o facto de se procurar silenciar as pessoas e que num estado democrático as pessoas não tenham liberdade para se manifestar e dizer que as coisas não estão bem”.

É recordado a dado momento que, antes de cantora, Selma foi engenheira e tinha o sonho de regressar ao seu país, e à sua cidade, Maputo, de onde veio com apenas sete anos, para ajudar a reconstruir a sua terra. Mas através da música anda a reconstruir corações e horizontes para tanta gente.

Selma acredita no poder da arte, para acordar os espíritos mais adormecidos ou alienados, e vive a música como uma missão de vida. Ou, como ela diz, tem costurado a sua fé com a música.

Com um percurso de mais de duas décadas, já cantou com os Gospel Collective, Cacique' 97, ou os Wraygunn até se lançar em nome próprio, reconectando-se com as suas raízes moçambicanas, autora de 2 discos em nome próprio, “Mati” (2018) e “Liwoningo” (2020), aqui revela um pouco sobre o que está a preparar para o próximo disco. Um álbum intimista, sobre a sua vida e que conta com a participação de “A Garota Não”, entre outros artistas.

Entretanto, Selma tem dado também corpo e voz noutros palcos, como no teatro, cinema e nas artes visuais. E agora até na rádio no programa “Cinco à Quinta”, na Antena 1.

Recentemente atuou em nome próprio no espetáculo “Carta Branca a Selma Uamusse”, no grande auditório do CCB.

No ano em que se comemoram 50 anos de Liberdade e de fim da ditadura, em Portugal - e que se celebram os movimentos de libertação dos países africanos de expressão portuguesa - este concerto em forma de carta ao Futuro, propôs exaltar também os jovens, as gerações do pós-guerra, proporcionando-lhes um futuro menos desigual, com oportunidades partilhadas e mais distribuídas.

Uma carta musical ao futuro de um país capaz de reconhecer as injustiças ou as desigualdades que ainda se perpetuam. E que maravilha foi ver Selma a acolher nessa noite a Orquestra Geração, com jovens músicos da Amadora.

E igualmente marcante foi vê-la a cantar naquele sua atitude muito rock n roll - a trepar literalmente as cadeiras do auditório - procurando amor e ligação com aquelas pessoas todas presentes - como se fossemos todos da mesma família ou amigos íntimos - enquanto cantava sobre a sua Àfrica que lhe corre no sangue. Este momento especial foi abordado no podcast.

José Fonseca Fernandes

A cantora não sabe se a música nasceu com ela ou foi ganhando dimensão em si. A sua avó conta que, no dia em que Selma nasceu, teve um sonho. Um anjo apareceu-lhe, avisou-a do nascimento da sua neta e que ela iria ter a missão de ser “sal” e “luz” no mundo através da sua voz!

E Selma é mesmo isso. Bem condimentada de sal, e muito iluminada, com uma luz poderosa, dirigida muitas vezes aos invisíveis, remetidos à sombra, aos bairros do desamor.


José Fonseca Fernandes

E, a dado momento, são abordados os vieses e preconceitos sobre esses territórios tratados de forma desigual pelas autoridades.

Quem é atualmente Selma Uamusse na fila do pão? Ou, até, na fila do trânsito? (Porque bem sabemos como as pessoas se transformam nesses momentos…)

Estas são as primeiras questões lançadas a Selma nesta primeira parte da conversa.

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

José Fonseca Fernandes

A segunda parte deste episódio será lançada na manhã deste sábado. Boas escutas!