
Em entrevista à Lusa, seis mulheres explicam a "união feminina como há muito não se via" para enfrentar a machosfera, uma teia 'online' de ódio ao sexo feminino que doutrina adolescentes, tem ligações à extrema-direita e deixou a 'dark web' para se instalar nas redes sociais, nomeadamente no 'Tik Tok', onde o vídeo de uma alegada violação em Loures foi visto 32 mil vezes sem que alguém o tenha denunciado.
"As situações são tão violentas e graves que as mulheres estão a implodir e a perder o medo. É uma assembleia de mulheres, um exército... Mexeu com uma, mexeu com todas. No século XXI, em vez de haver uma maior consciencialização para a igualdade, uma parte dos homens quer retaliar. Temos de nos unir", resume Rita Oliveira, de 27 anos, assessora técnica e autora do perfil (A)gente Púrpura no Instagram.
Francisca Barros, de 35 anos, ativista dos direitos das mulheres e crianças, usa a rede social Instagram para denunciar machismo, agressões, violência doméstica, insultos ou humilhações, porque "quando uma não denuncia, outra é violada".
"As mulheres estão à mercê de agressores, violadores, predadores. E ainda temos uns personagens a invadir as redes sociais com ódio às mulheres, a dizer que não podemos sair à noite ou vestir de determinada forma. Quase validam que, se acontecer alguma coisa, a culpa é delas. Isto é absurdo", justifica a primeira subscritora da Petição contra a Violência sobre as Mulheres, que na quarta-feira somava mais de 167 mil assinaturas.
Paula Cosme Pinto, de 40 anos, ativista pela igualdade de género, fala numa "bomba relógio" de "grupos organizados 'online' de homens que ofendem, ameaçam, se organizam e passam muitas vezes para a vida real no que toca a atos de violência".
"Isto não é de todo legal e tem de ser combatido", reclama, lamentando a "normalização do discurso de ódio contra as mulheres", que cresce a par com os avanços da extrema-direita e os insultos camuflados "pela ideia de que é só liberdade de expressão".
Para Inês Marinho, fundadora da Associação Não Partilhes, "proibir uma mulher de ser livre, de vestir e publicar o que quer ou sair com as amigas, é incitar outros homens para comportamentos tóxicos e violentos, de castração e controle".
A jovem de 27 anos expõe 'online' os alegados perpetradores de vários tipos de agressões a mulheres, numa ação "de vigilância", uma "tentativa de resistência" para "avisar as pessoas".
"Sempre funcionei muito neste sentido. Considero que se não tens vergonha de me dizer uma coisa machista ou de ameaçar uma mulher a dizer que vais partilhar 'nudes' dela, então não tens vergonha que toda a gente saiba", conta.
Para Inês, "a justiça não está a funcionar, principalmente nos crimes de violência sexual com base em imagem, e a justiça social muitas vezes funciona".
Estes crimes "proliferam no silêncio", num "jogo de poder em que eles sabem que podem passar impunes porque a pessoa está cheia de vergonha e ansiedade e nunca vai falar publicamente sobre aquilo".
Mas "os homens têm de parar e as mulheres têm que ser livres", sublinha.
Lúcia Vicente, de 45 anos, escritora e ativista feminista, tem mergulhado neste universo digital e mostra-se preocupada com a comunidade de homens 'red pill' (movimento anti-feminista online), com ligações à extrema-direita e "um potencial 13 vezes mais perigoso" do que os 'incels' retratados na série Adolescência da Netflix.
"Consideram que as vítimas da sociedade são os homens, porque lhes estão a ser negados direitos. Têm uma opinião sobre as mulheres muito depreciativa, da mulher que serve para ter filhos, ser submissa, estar em casa. Devem mimá-la, mas não ser-lhe fiel", descreve.
Muitas vezes, crianças e jovens entram nesta retórica através de influenciadores com "mensagens quase encapotadas" de mentoria sobre "saúde física e mental ou culto do corpo", que, olhando com atenção, vão transmitindo essa visão patriarcal.
"Isto pode bater a qualquer porta, é transversal a qualquer classe. É um problema estrutural e alguma coisa tem de ser feita", pede.
A artista Rita Dias, de 35 anos, censura "as agressões a mulheres exibidas como troféu" e diz que é preciso "parar de perpetuar estas brincadeiras de grupo", nomeadamente a "sedução mascarada de trabalho, como acontece em alguns castings de teatro ou cinema".
"Estamos a chegar a um nível distópico, em que as pessoas não só violam e maltratam, mas também acham fixe filmar e postar", reprova, questionando se estes comportamentos serão "uma afronta com a emancipação da mulher ou medo de os homens perderem estatuto".
As mulheres apenas querem ser "entendidas, sem se pôr em causa se são histéricas, se estão com o período, se estão cansadas porque são mães".
"Que parem estas comparações e estas perguntas que não são feitas aos homens", reclama, sublinhando estarem em causa "direitos humanos".
Sem saber "quanto tempo de voz" resta às mulheres ou "que tempos aí vêm com a extrema-direita", Rita considera que "não faz sentido não olhar para o lado, achar que está tudo bem e alguém que resolva".
"Faço aquilo que posso. E o que posso é escrever, dar a voz, falar. Não está tudo bem", insiste a cantora e compositora que, a propósito desta reportagem e das celebrações do 25 de Abril, escreveu a Canção Sem Medo, uma versão portuguesa da mexicana Canción Sin Medo, gravada com o guitarrista André Santos, onde se ouve "Que ressoe forte: queremos estar vivas! / Que caia pela força o femicida [...] / Se um dia alguém apagar os teus olhos / Já calei de mais, já aguentei de sobra / Se tocarem numa, respondemos todas".
Redação, 11 mai 2025 (Lusa) -- Contra a misoginia organizada 'online', o neomachismo e toda a violência sobre as mulheres, elas recusam o silêncio, usam as redes sociais para expor agressores e formaram um exército de resistência feminina: "Se tocam numa, respondemos todas".
Em entrevista à Lusa, seis mulheres explicam a "união feminina como há muito não se via" para enfrentar a machosfera, uma teia 'online' de ódio ao sexo feminino que doutrina adolescentes, tem ligações à extrema-direita e deixou a 'dark web' para se instalar nas redes sociais, nomeadamente no 'Tik Tok', onde o vídeo de uma alegada violação em Loures foi visto 32 mil vezes sem que alguém o tenha denunciado.
"As situações são tão violentas e graves que as mulheres estão a implodir e a perder o medo. É uma assembleia de mulheres, um exército... Mexeu com uma, mexeu com todas. No século XXI, em vez de haver uma maior consciencialização para a igualdade, uma parte dos homens quer retaliar. Temos de nos unir", resume Rita Oliveira, de 27 anos, assessora técnica e autora do perfil (A)gente Púrpura no Instagram.
Francisca Barros, de 35 anos, ativista dos direitos das mulheres e crianças, usa a rede social Instagram para denunciar machismo, agressões, violência doméstica, insultos ou humilhações, porque "quando uma não denuncia, outra é violada".
"As mulheres estão à mercê de agressores, violadores, predadores. E ainda temos uns personagens a invadir as redes sociais com ódio às mulheres, a dizer que não podemos sair à noite ou vestir de determinada forma. Quase validam que, se acontecer alguma coisa, a culpa é delas. Isto é absurdo", justifica a primeira subscritora da Petição contra a Violência sobre as Mulheres, que na quarta-feira somava mais de 167 mil assinaturas.
Paula Cosme Pinto, de 40 anos, ativista pela igualdade de género, fala numa "bomba relógio" de "grupos organizados 'online' de homens que ofendem, ameaçam, se organizam e passam muitas vezes para a vida real no que toca a atos de violência".
"Isto não é de todo legal e tem de ser combatido", reclama, lamentando a "normalização do discurso de ódio contra as mulheres", que cresce a par com os avanços da extrema-direita e os insultos camuflados "pela ideia de que é só liberdade de expressão".
Para Inês Marinho, fundadora da Associação Não Partilhes, "proibir uma mulher de ser livre, de vestir e publicar o que quer ou sair com as amigas, é incitar outros homens para comportamentos tóxicos e violentos, de castração e controle".
A jovem de 27 anos expõe 'online' os alegados perpetradores de vários tipos de agressões a mulheres, numa ação "de vigilância", uma "tentativa de resistência" para "avisar as pessoas".
"Sempre funcionei muito neste sentido. Considero que se não tens vergonha de me dizer uma coisa machista ou de ameaçar uma mulher a dizer que vais partilhar 'nudes' dela, então não tens vergonha que toda a gente saiba", conta.
Para Inês, "a justiça não está a funcionar, principalmente nos crimes de violência sexual com base em imagem, e a justiça social muitas vezes funciona".
Estes crimes "proliferam no silêncio", num "jogo de poder em que eles sabem que podem passar impunes porque a pessoa está cheia de vergonha e ansiedade e nunca vai falar publicamente sobre aquilo".
Mas "os homens têm de parar e as mulheres têm que ser livres", sublinha.
Lúcia Vicente, de 45 anos, escritora e ativista feminista, tem mergulhado neste universo digital e mostra-se preocupada com a comunidade de homens 'red pill' (movimento anti-feminista online), com ligações à extrema-direita e "um potencial 13 vezes mais perigoso" do que os 'incels' retratados na série Adolescência da Netflix.
"Consideram que as vítimas da sociedade são os homens, porque lhes estão a ser negados direitos. Têm uma opinião sobre as mulheres muito depreciativa, da mulher que serve para ter filhos, ser submissa, estar em casa. Devem mimá-la, mas não ser-lhe fiel", descreve.
Muitas vezes, crianças e jovens entram nesta retórica através de influenciadores com "mensagens quase encapotadas" de mentoria sobre "saúde física e mental ou culto do corpo", que, olhando com atenção, vão transmitindo essa visão patriarcal.
"Isto pode bater a qualquer porta, é transversal a qualquer classe. É um problema estrutural e alguma coisa tem de ser feita", pede.
A artista Rita Dias, de 35 anos, censura "as agressões a mulheres exibidas como troféu" e diz que é preciso "parar de perpetuar estas brincadeiras de grupo", nomeadamente a "sedução mascarada de trabalho, como acontece em alguns castings de teatro ou cinema".
"Estamos a chegar a um nível distópico, em que as pessoas não só violam e maltratam, mas também acham fixe filmar e postar", reprova, questionando se estes comportamentos serão "uma afronta com a emancipação da mulher ou medo de os homens perderem estatuto".
As mulheres apenas querem ser "entendidas, sem se pôr em causa se são histéricas, se estão com o período, se estão cansadas porque são mães".
"Que parem estas comparações e estas perguntas que não são feitas aos homens", reclama, sublinhando estarem em causa "direitos humanos".
Sem saber "quanto tempo de voz" resta às mulheres ou "que tempos aí vêm com a extrema-direita", Rita considera que "não faz sentido não olhar para o lado, achar que está tudo bem e alguém que resolva".
"Faço aquilo que posso. E o que posso é escrever, dar a voz, falar. Não está tudo bem", insiste a cantora e compositora que, a propósito desta reportagem e das celebrações do 25 de Abril, escreveu a Canção Sem Medo, uma versão portuguesa da mexicana Canción Sin Medo, gravada com o guitarrista André Santos, onde se ouve "Que ressoe forte: queremos estar vivas! / Que caia pela força o femicida [...] / Se um dia alguém apagar os teus olhos / Já calei de mais, já aguentei de sobra / Se tocarem numa, respondemos todas".
*** Ana Cristina Gomes, da agência Lusa ***
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