“Sentia-me muito depressiva em casa. Às vezes sem vontade de andar, de sair. Agora sinto-me muito bem e todos os dias tenho uma ocupação. Sou uma pessoa diferente.’’ A confissão de Amélia, reformada de 80 anos, repete-se entre aqueles que, uma vez por semana, se encontram na Junta de Freguesia de Quarteira para uma sessão de estimulação cognitiva.

Tudo graças a um projeto de prescrição social ainda raro entre nós. Num país com grandes disparidades territoriais, com uma população cada vez mais envelhecida e isolada, e em que a baixa literacia em saúde condiciona a qualidade de vida dos cidadãos, é importante apostar em iniciativas de promoção da saúde, em especial da saúde mental, junto destas comunidades mais vulneráveis.

Perante a escassez de recursos humanos em saúde e de respostas sociais, esta necessidade ganha outra dimensão, principalmente nos territórios socioeconomicamente mais desfavorecidos.

E é aqui que entra a prescrição social. Uma resposta inovadora e integrada que permite aos profissionais de saúde identificar problemas associados a fatores sociais ou necessidades emocionais e/ou relacionadas com o estilo de vida de cada cidadão, sendo depois este referenciado para uma rede local de recursos na comunidade, coordenada por um profissional que elabora, em conjunto com cada pessoa, uma “prescrição não-clínica” capaz de promover benefícios à sua saúde e bem-estar físico e mental.

Com o intuito de melhorar a saúde mental e combater o isolamento social dos mais idosos, Faro, Loulé e Olhão integraram o projeto Saúde Mental 360º Algarve, através do qual, durante ano e meio, 274 idosos, como a dona Amélia, tiveram a oportunidade de participar num conjunto de atividades de capacitação individual e promoção do envelhecimento ativo e saudável, desde estimulação cognitiva, workshops de nutrição, aulas de ioga, sessões de atividade física, entre outras. O foco é a saúde mental da pessoa idosa e a promoção da literacia em saúde e o autocuidado.

No final, os ganhos na qualidade de vida e no bem-estar mental foram significativos. A avaliação de impacto realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa mostrou um aumento médio de 9,6% nos níveis de bem-estar mental e um aumento mediano na perceção da qualidade de vida no domínio físico de 6,9%.

Já nas entrevistas qualitativas realizadas, os idosos davam conta de um aumento do seu bem-estar emocional, físico e social, uma maior autorregulação emocional, referindo ainda o alívio das dores físicas e o combate ao isolamento social entre os principais benefícios do programa.

A evidência vem, assim, demonstrar-nos a importância de uma abordagem integrada, multidisciplinar e intersectorial para uma promoção efetiva da qualidade de vida e do bem-estar mental das comunidades idosas, em particular das mais vulneráveis.

Portugal, apesar de ser um dos países com maior esperança de vida na Europa, encabeça a lista dos países com menos anos de vida saudável, impondo-se, por isso, uma aposta forte na promoção da saúde, em especial da saúde mental, junto de idosos vulneráveis.

E os benefícios da prescrição social são bastante evidentes, em particular na promoção da autonomia dos cidadãos, da saúde e do bem-estar mental, e na diminuição da solidão e isolamento social. Além disso, há ainda benefícios para o sistema de saúde, associados a uma melhor utilização dos cuidados de saúde, o que se traduz numa maior sustentabilidade para o sistema. A maior proximidade e diálogo entre os diversos setores, potencia a criação de redes colaborativas, otimiza os recursos da comunidade, e reforça o sentido de pertença e de coesão social e territorial.


Ainda estamos numa fase embrionária da implementação deste modelo. Porém, a evidência recolhida, bem como a sensibilização e a formação dos profissionais para o tema são fundamentais para o reconhecimento e expansão deste modelo a todo o território, e para a sua inclusão numa estratégia política que permita aos profissionais prescrever medidas não farmacológicas, contribuindo para uma melhor saúde e bem-estar das comunidades!