Neandertais e humanos modernos começaram a cruzar-se há 50.500 anos, um processo que se manteve por 7.000 anos, até a espécie mais primitiva começar a desaparecer, concluiu um estudo divulgado esta semana pela Universidade da Califórnia.

Segundo os cientistas, uma nova análise de ADN de antigos humanos modernos ('Homo sapiens') determinou "com mais precisão do que nunca" o período durante o qual as duas espécies se cruzaram.

"Este cruzamento deixou os euro-asiáticos com muitos genes herdados dos nossos antepassados Neandertais, que constituem hoje entre 1% e 2% dos nossos genomas", lê-se no documento divulgado pela Universidade da Califórnia, Berkeley.

O trabalho traça uma nova linha do tempo para o cruzamento de Neandertais ('Homo neanderthalensis') com humanos modernos, de acordo com a instituição.

As amostras analisadas permitem compreender a interação entre os primeiros 'Homo sapiens' e os Neandertais que encontraram depois de migrarem para fora de África.

"Os genes neandertais sobreviventes no genoma moderno contam uma história de milhares de anos de interações", afirma a universidade em comunicado.

A estimativa baseada no genoma é consistente com provas arqueológicas de que os humanos modernos e os Neandertais viveram lado a lado na Eurásia durante um período de 6.000 a 7.000 anos.

Revelados novos detalhes sobre a migração humana para a Eurásia

A análise, que envolveu genomas humanos atuais, bem como 58 genomas antigos sequenciados a partir de ADN encontrado em ossos humanos modernos de toda a Eurásia, estabeleceu uma data média para o cruzamento entre 'Homo neanderthalensis' e 'Homo sapiens' de cerca de 47.000 anos atrás.

As estimativas anteriores para a época do cruzamento variavam entre 54.000 e 41.000 anos atrás.

As novas datas também implicam que a migração inicial dos humanos modernos de África para a Eurásia tenha terminado basicamente há 43.500 anos, de acordo com a mesma fonte.

"É realmente importante, porque tem implicações diretas na nossa compreensão do momento da migração para fora de África, já que a maioria dos não africanos hoje tem 1% ou 2% de ascendência dos Neandertais", defendeu Priya Moorjani, professora de biologia molecular e celular na Universidade da Califórnia, citada no comunicado.

Para a investigadora e coautora do estudo, a descoberta também tem importância para a compreensão da colonização das regiões fora de África, o que normalmente é feito através da observação de materiais arqueológicos ou fósseis em diferentes regiões do mundo.

Os novos dados podem ajudar a explicar, por exemplo, por que os asiáticos orientais têm cerca de 20% mais genes neandertais do que os europeus e os asiáticos ocidentais.

"Se os humanos modernos se mudassem para leste há cerca de 47.000 anos, como sugerem os sítios arqueológicos, já teriam misturado genes de Neandertais", referiram os investigadores.

A análise do genoma, também liderada por Benjamin Peter, da Universidade de Rochester, em Nova Iorque, e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, Alemanha, vai ser publicada na edição impressa de 13 de dezembro da revista Science.

"Mostramos que o período de mistura foi bastante complexo e pode ter levado muito tempo. Diferentes grupos poderão ter-se separado durante o período de 6.000 a 7.000 anos e alguns grupos podem ter continuado a misturar-se por um longo período de tempo", explicou o investigador, acrescentando que um único período em que houve partilha de genes se ajusta melhor aos dados.

"Uma imagem mais completa do passado"

Os peritos consideram que o trabalho desenvolvido permitiu "uma estimativa precisa" do momento da mistura de espécies, alegando que ninguém havia tentado modelar todas as amostras antigas juntas, o que permitiu agora construir "uma imagem mais completa do passado".

Em 2016, foi testado um método pioneiro para aferir o momento do chamado "fluxo génico" do Neandertal, com base em genomas frequentemente incompletos de indivíduos antigos.

Na altura, estavam somente disponíveis cinco genomas arcaicos de 'Homo sapiens'. No novo estudo, os cientistas usaram uma técnica que envolveu 58 genomas previamente sequenciados de 'Homo sapiens' que viveram na Europa, na Ásia Ocidental e Central nos últimos 45.000 anos e os genomas de 275 humanos contemporâneos em todo o mundo, para fornecer uma visão mais precisa.

A maioria dos genes neandertais mais frequentes no genoma atual estão relacionados com a função imunológica, pigmentação da pele e metabolismo, conforme relatado em alguns estudos anteriores.

Uma variante do gene imunológico herdada dos neandertais confere efeitos protetores do coronavírus que causa a covid-19, por exemplo. Alguns dos genes neandertais envolvidos no sistema imunitário e na pigmentação da pele aumentaram em frequência no 'Homo sapiens' ao longo do tempo, o que significa que podem ter sido vantajosos para a sobrevivência humana.

- Com Lusa