Ser mulher na ciência é algo que está a ficar "normalizado", pelo menos é assim a experiência de Ana Teresa Gabriel, uma jovem professora e investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT). Sorte ou não, a verdade é que, ao longo destes anos, desde que entrou no mundo da engenharia, sempre se sentiu "bem acolhida", conta em entrevista à SIC Notícias.

Se dissessem à Ana Teresa Gabriel de há uns anos que hoje em dia seria professora e a desenvolver projetos na área de ergonomia e interação pessoa-sistema, talvez não acreditasse.

Mas agora, aos 35 anos, a sua carreira passou ao lado da medicina para integrar a UNIDEMI (Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Mecânica e Industrial) da NOVA FCT, que conta, atualmente, com 49 investigadores - dos quais 17 são mulheres - todos professores do ensino universitário.

"É sempre um (grande) trabalho de equipa"

Desde a participação em projetos de investigação à orientação de mestrados e doutoramentos, há sempre por trás um conjunto de várias pessoas a colaborar, explica a professora.

Atualmente, para além de lecionar, Ana Teresa Gabriel também acompanha projetos de doutoramento, como é o caso da aluna Catarina Santos, que está a estudar o desenvolvimento de um modelo de apoio à análise ergonómica e à definição de requisitos para um exoesqueleto de membros inferiores. Um trabalho de orientação que é partilhado com mais duas professoras: Isabel Nunes e Cláudia Quaresma.


Mas como é que um trabalho tão colaborativo pode, ainda, levantar questões sobre o papel da mulher na ciência?


'Foi mesmo (ela) que venceu o segundo prémio?'

“Quando era aluna de doutoramento, estava a trabalhar num projeto e fomos a uma conferência internacional e, na altura, lembro-me de o meu orientador comentar comigo que alguém tinha perguntado se era mesmo verdade que eu tinha ganho um segundo prémio”, começa por contar a professora, ao recordar que aquilo que deveria ter sido um reconhecimento se transformou, com breves palavras, numa “desvalorização” do trabalho.

Ana Teresa Gabriel no World Congress on Medical Physics and Biomedical Engineering 2015
Ana Teresa Gabriel no World Congress on Medical Physics and Biomedical Engineering 2015 Reprodução// NOVA FCT

Embora não tenha vivido mais nenhum episódio semelhante, quase uma década depois Ana Teresa Gabriel conta que foi “caricato”, mas ao mesmo tempo fê-la sentir-se “bem” por ter conseguido provar que as mulheres “fazem coisas importantes”.

(Des)igualdades entre homens e mulheres na ciência?

Apesar de a engenharia mecânica e industrial ter sido, durante décadas, um ‘território’ predominantemente masculino, a jovem professora e investigadora descreve a sua entrada na área como algo “ natural” e sem barreiras:
“Acredito que pessoas mais velhas, com outra experiência, tenham passado por outras dificuldades, mas pela minha vivência, não senti preconceito" por ser mulher, salienta.

Para Ana Teresa Gabriel, tanto no início da carreira científica, como ao longo do percurso, os obstáculos são semelhantes para homens e mulheres, até porque a principal dificuldade para quem trabalha com ciência e investigação é o financiamento.


E quando a maternidade se torna (também) uma ambição?


A investigação científica exige dedicação e tempo e para mulheres que são mães os desafios podem ser ainda maiores, considera a professora, enquanto vive a maternidade a dobrar, com dois filhos.

"Nunca senti que tive de provar mais por ser mulher, mas senti que tinha de fazer mais por ser mãe. E aí, sim, sinto que existe alguma diferença", aponta Ana Teresa Gabriel, destacando, que ainda assim “é muito difícil falar em desigualdades" entre géneros, porque “nem todas as mulheres na ciência têm a ambição" da maternidade.

Por outro lado, a professora e investigadora refere que os indicadores de desempenho ainda não refletem completamente os desafios que enfrenta uma mãe.

"É verdade que, ao submeter candidaturas a projetos, já nos perguntam se tivemos períodos de licença, mas é preciso compreender que algumas coisas não se cingem só àquele [tempo]. Portanto, houve um processo antes e houve um processo depois, pós-licença. E tudo isso acaba por condicionar a nossa predisposição para pensar nas candidaturas e para insistir", realça.

“Ter tantas mulheres na ciência é motivo de orgulho, mas ainda há passos a dar"

A ciência tem vindo a ganhar novas protagonistas, algo que a jovem professora vê com orgulho:

"Acho que é um grande feito que foi alcançado, especialmente nesta área da engenharia, que há muitos anos era tipicamente para homens", aponta, frisando “que as mulheres têm muito para dar” e, por isso, é necessário “terem oportunidades para mostrar aquilo que, realmente, conseguem fazer".

Na NOVA FCT, onde leciona Ana Teresa Gabriel, essa evolução é visível, com um número de mulheres investigadoras superior ao de homens. A faculdade também já recebeu um total de 21 bolsas do European Research Council (ERC), das quais 13 foram atribuídas a investigadoras.

Mas apesar dos avanços, a professora acredita que ainda há caminho a percorrer, sobretudo pela necessidade “de maior reconhecimento para além dos números de publicações científicas”.