O Ministério Público (MP) acusou Mário Ferreira, que detém o grupo Mystic Invest, dono da Douro Azul, de fraude fiscal qualificada, crime alegadamente cometido na venda do navio Atlântida, em 2015, a uma sociedade constituída em Malta.

Em nota publicada esta quarta-feira pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), no âmbito da denominada 'Operação Ferrry', lê-se que o MP deduziu acusação "contra um arguido (pessoa singular) e contra duas sociedades comerciais por aquele representadas, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada".

"Em causa está a venda, no ano de 2015, de um navio [Atlântida], através da interposição de uma estrutura societária constituída em Malta, que teve por objetivo ocultar os reais valores da venda e evitar a sua sujeição a tributação em Portugal", explica o DCIAP, sem mencionar o nome dos arguidos.

Segundo a acusação, "ficou indiciado que a concreta e efetiva transação comercial de compra e venda do navio operacionalizou-se entre uma sociedade portuguesa e uma sociedade norueguesa, tendo a intervenção da estrutura societária constituída em Malta sido meramente instrumental e sem conteúdo comercial".

O MP sustenta que da operação de venda resultou um ganho de mais de 3,7 milhões de euros, "que configura um rendimento de capital, sujeito a retenção na fonte".

"Este montante, porém, não foi atempadamente declarado, o que possibilitou a obtenção de uma vantagem ilegítima, em sede de IRS" superior a 1 milhão e 43 mil euros, diz o DCIAP, acrescentando que "este ganho só posteriormente foi declarado e tributado".

Na acusação, o MP pede, em representação do Estado, uma indemnização civil "no valor correspondente ao dos juros compensatórios que se apurou estarem em falta, no montante" que ascende a 110 mil euros.

Este inquérito, que investigava a alegada prática dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento, levou à realização de buscas no distrito do Porto, na Região Autónoma da Madeira e em Malta, em julho de 2022, no âmbito da 'Operação Ferrry'.

Em comunicado divulgado em 07 de julho de 2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) adiantou que "os factos sob investigação reportavam-se aos anos de 2014 a 2016 e consubstanciam-se numa transação efetuada com recurso a outra jurisdição, de modo a diminuir os lucros tributáveis em Portugal".

Nessa ocasião, fonte judicial explicou à Lusa que em causa estava o negócio de compra, em 2014, do navio Atlântida à comissão liquidatária dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), por 8 milhões e 750 mil euros, e a sua venda, no ano seguinte, a uma empresa norueguesa, por cerca de 17 milhões de euros, através de outra empresa ('offshore') - entretanto extinta - criada, alegadamente, por Mário Ferreira.

Em fevereiro deste ano o MP arquivou o processo que investigava a alegada prática de corrupção e de outros crimes económicos na venda do Atlântida pelo ENVC à Mystic Cruises.

"O arquivamento deste processo não nos surpreende, pois era a única decisão possível. Aliás, recordamos que este é o segundo arquivamento no que respeita à alegada corrupção na compra do navio Atlântida", sublinhavam Rui Patrício e Tiago Félix da Costa, advogados do empresário portuense em reação conjunta enviada à agência Lusa.

A defesa de Mário Ferreira acrescentou ainda que, do conhecimento que tinha, "o único processo que restava ainda não arquivado dizia respeito apenas a temas fiscais", referindo-se à posterior venda do Atlântida a uma sociedade em Malta, alegadamente constituída pelo empresário, atual proprietário do grupo Media Capital, que detém a TVI.

"Também aí as suspeitas são infundadas e esperamos que já estejam esclarecidas, mas o nosso cliente fez questão de voluntariamente pagar impostos que consideramos indevidos. Contra todo o alarde, este poderá ser mais um caso de 'uma montanha a parir um rato' ou, como esperamos, com o final deste último processo fiscal, ficará tudo devidamente esclarecido e encerrado", afirmavam os advogados.