O risco de pobreza recuou ligeiramente entre os trabalhadores, passando de 10% para 9,2% em 2023, mas ainda assim continua bastante elevado. O que significam estes números?
Quer dizer que cerca de uma em cada 10 pessoas que trabalham têm um rendimento que está abaixo do limiar de pobreza. Ou seja, os salários em Portugal são baixos e não chegam para proteger os trabalhadores da vulnerabilidade ao risco de pobreza.
Será que esta realidade portuguesa é transversal com outros países?
A realidade portuguesa é particularmente preocupante. Nos últimos 20 anos, Portugal tem sido um dos países europeus com uma taxa de pobreza no trabalho mais elevada, registando sempre valores acima da média da União Europeia.
No último ano (2023), Portugal (10%) situa-se 1,7 pontos percentuais acima da média europeia (8,3%), sendo superado por um conjunto pequeno de países: Roménia, Luxemburgo, Bulgária, Espanha e Estónia.
O que é o limiar de pobreza?
Primeiro, é fundamental entender o que é o limiar de pobreza. Se colocarmos todas as pessoas que vivem em Portugal, ordenadas da que tem menos rendimento para a que tem mais rendimento, olhamos para a que está no meio. Este valor corresponde a um pouco mais de metade (60%) do rendimento. É assim que definimos o limiar de risco de pobreza.
Depois desta definição esclarecida, o que podemos mais dizer?
De acordo com os dados mais recentes, relativos a 2023, uma pessoa (ou uma família) é considerada em risco de pobreza quando o seu rendimento mensal se situa abaixo de 632 euros – este é designado o limiar do risco de pobreza ou linha de pobreza.
Como é que se estabelece este valor?
O limiar de pobreza corresponde a 60% da mediana do rendimento por adulto equivalente, após transferências sociais.
O que nos mostra o gráfico é que, consecutivamente desde 2009, a linha de pobreza se tem situado sempre abaixo do valor do salário mínimo, que é atualmente de 820 euros. Isto demonstra a maior capacidade de proteção do salário mínimo contra o risco de pobreza e, por outro lado, revela a perda relativa de valor das prestações sociais relativamente ao salário mínimo.
Entre as pessoas que vivem abaixo do limiar de pobreza, umas estão em pior situação que outras?
Precisamente. E esta análise é muito importante para compreendermos o fenómeno da pobreza. É que não basta sabermos quantas pessoas estão abaixo da linha de pobreza, precisamos também de conhecer quão expressiva é a sua insuficiência de rendimentos, ou seja, quão pobres estão os pobres.
Entre as pessoas em situação de pobreza há umas que estão mais perto desta linha e outras que estão mais longe e são, por isso mesmo, mais pobres.
Em 2023, a taxa de intensidade da pobreza foi de 25,7%, uma subida ténue de 0,1 p.p. em relação ao ano anterior (25,6%), mas que significa que os que vivem com rendimentos abaixo do limiar da pobreza persistem incapazes de atenuar as suas carências.
Em termos globais, esta realidade de pobreza está a crescer ou a descer?
Há boas e más notícias relativamente à evolução do risco de pobreza.
Numa perspetiva de longo prazo, nos últimos 20 anos, assistimos a um decréscimo gradual do risco de pobreza da população residente. Existiram algumas exceções nesta evolução, como o período da crise financeira, mas globalmente registou-se uma atenuação dos níveis de pobreza: em 2003 a taxa era de 20,4% e em 2023 os valores situaram-se nos 16,6%.
De 2022 para 2023 deu-se uma descida de 0,4 pp, o que é uma boa notícia, mas este decréscimo ainda não foi suficiente para compensar o agravamento que se sentiu durante o período da pandemia. Não regressámos ainda aos valores registados na pré-pandemia - 16,2%, em 2019.
O agravamento da pobreza na pandemia da covid-19 explica-se com a perda de rendimentos dos trabalhadores independentes (entre os mais afetados e com menos apoios), mas também pelo impacto sentido nos setores mais afetados (como turismo/serviços), onde se registam salários mais baixos e onde as medidas de apoio não abrangeram todos os trabalhadores.
Neste contexto, é uma percentagem muito significativa da população portuguesa.
Os 16,6% da população residente em situação de risco de pobreza correspondem a 1 milhão e 800 mil pessoas. Por outras palavras, uma em cada seis pessoas viveram com rendimentos abaixo dos 632 euros mensais, em 2023.
Muito do efeito de redução de pobreza acontece através das pensões. Mas quando excluímos o efeito destas, Portugal é um dos países da Europa onde as transferências sociais menos protegem os indivíduos do risco de pobreza.
A condição de pobreza vai para além dos baixos rendimentos
Para percebermos a verdadeira dimensão e a natureza do fenómeno da pobreza em Portugal temos também de olhar para as condições de vida da população em geral.
A privação material avalia a incapacidade de acesso a um conjunto de 13 itens considerados básicos (por exemplo: refeição de carne ou peixe a cada dois dias, ter dois pares de sapatos de tamanho adequado, lidar com despesas inesperadas).
Encontra-se em situação de privação quem não tem rendimentos suficientes para aceder a pelos menos cinco destes itens.
Em 2024, 11% da população residente encontra-se em privação material – que é um valor alinhado com a tendência decrescente dos últimos cinco anos. Privação que afeta várias áreas.
Alguns valores continuam a ser preocupantes, com uma percentagem significativa da população a não ter capacidade financeira para enfrentar alguns consumos que deveriam ser básicos.
Quais são os grupos mais vulneráveis?
O risco de pobreza não afeta toda a população de forma igual: que grupos se apresentam como mais suscetíveis/vulneráveis a esta condição?
Efetivamente a pobreza não afeta toda a população de forma igual, existindo fatores e grupos sociais onde esta condição é mais prevalente.
As mulheres são tipicamente mais afetadas pela pobreza do que os homens, registando um risco de pobreza (igual a 17,6%) superior ao da população em geral.
Este desequilíbrio pode ser explicado por vários fatores, mas dois deles estão bastante bem identificados: a desigualdade salarial, mas também a monoparentalidade, mais incidente nas mulheres do que nos homens.
Perante o trabalho, há também diferença?
A situação perante o trabalho é também um fator de enorme distinção face à pobreza: já referimos no início a vulnerabilidade dos trabalhadores face à pobreza. Ainda assim, estar integrado no mercado de trabalho reduz a probabilidade de pobreza dos indivíduos. De facto, e apesar de um recuo, não deixa de ser chocante que cerca de metade da população desempregada (44%) se encontre em situação de pobreza.
Se olharmos para a pobreza do ponto de vista da composição familiar, temos boas e más notícias.
Continua a ser preocupante a persistência dos níveis de pobreza entre os idosos (65+ anos), que se agravou de forma significativa em 2023, com um aumento de 5,5 pp.
Este agravamento pode ser explicado, em parte, pelo aumento do limiar de pobreza (de 591 euros para 632 euros) que passou assim a abranger mais idosos, que anteriormente não estavam contabilizados como estando em risco de pobreza. Quais são as boas notícias?
Há uma boa notícia, que se prende com a descida (em 2,5 pp) da taxa de risco de pobreza das famílias com crianças dependentes. Esta descida é muito relevante: coloca pela primeira vez as famílias com crianças dependentes com uma taxa de pobreza ligeiramente inferior à das famílias sem crianças dependentes.
Porque é tão relevante esta diminuição da pobreza entre as famílias com crianças?
Porque sabemos que a vulnerabilidade de crianças e jovens a situações de pobreza potencia a sua transmissão intergeracional. Pessoas que experienciaram situações de pobreza na infância registam maior risco de pobreza em adultos do que aqueles que não experienciaram.
Temos vários desafios pela frente que devem ser enfrentados como um problema coletivo, de todos. A pobreza é uma questão de dignidade humana e de justiça social, que põe em causa o desenvolvimento económico e a coesão social. Deve por isso ser encarada como um desígnio nacional de todos: do Estado, das autarquias, das empresas, das organizações de solidariedade social, e dos cidadãos comuns.