Pedro Nuno Santos foi, ao longo das últimas duas décadas, uma esperança para muitos socialistas que se forjaram nas lutas contra a grave invasão do Iraque, contra o (in)sucesso da Terceira Via que consideraram, erradamente sob o ponto de vista histórico, ter cedido aos ímpetos neoliberais e que, com toda a razão, se revoltaram contra a forma como a União Europeia reagiu às crises de 2008/2010.
Esta geração fez muito do caminho “coligada” com os militantes da mesma idade do Bloco e do PCP, ampliou a ideia romântica e eterna das grandes esquerdas unidas que a História apartou ao longo do século XX. O azar do PS nas Legislativas de 2015 permitiu acordos com as outras esquerdas, mesmo que o bom desempenho do primeiro executivo de Costa tivesse sido sempre moderado e, por vezes, muito conservador. Parecia ter chegado o nirvana.
Terminado o consulado de Costa, o PS sabia que Pedro Nuno Santos era o seguinte. Mas também esperava que entre os seus 26 anos e os seus 46 tivesse havido o que sempre acontece – a perda dos “amanhãs que cantam” o encontro com a realidade da vida.
Pedro Nuno foi um excelente governante nos Assuntos Parlamentares, teve o cuidado de entender a realidade quando decidiu grandes questões na pasta das Infraestruturas. Mas o que aconteceu mais?
Desde que foi eleito líder do PS, parece ter desaparecido o homem que queria fazer de Portugal um país moderno, que queria estar entre os melhores, que ambicionava uma economia pujante, aberta e diversificada. Também parece ter desaparecido o político que ambicionava um partido que não fosse o aparelhismo que só cria gerações de agentes inferiores. E não se viu o “chefe” capaz de integrar as várias visões de país que sempre existiram no partido de Mário Soares e de encontrar o tom e as mensagens que o fizessem próximo e amigável.
O ano 2024 não foi um bom ano para o PS nem para o seu líder. Analisei os discursos que este proferiu ao longo dos meses e encontrei pouco mais do que frases despidas de sentimento, de graça e de esperança. Falar de esperança não é, só por si, dar esperança; falar de empatia não é uma implicação direta no ser empático. Decididamente, Pedro Nuno não conseguiu, até agora, ser empático aos olhos dos portugueses que nunca com ele estiveram pessoalmente.
O resumo das coisas menos negativas destes meses limita-se a três elementos: 1) Viabilizar o atual Governo; 2) Ganhar as Europeias, empatando; 3) Garantir um aumento excecional das pensões. Tudo o resto é sofrível, na maior parte das circunstâncias negativo, havendo a ingenuidade de que os eleitores se vão lembrar, quando forem chamados a eleições, de outras pequenas coisas com que se entretiveram os dirigentes e os deputados.
O mais grave de tudo, foi o que aconteceu com o Orçamento do Estado para 2025. O PS sentiu o efeito da ausência de uma estratégia, os avanços e recuos, as frases ditas ao lado, a descoordenação com o Grupo Parlamentar. Em boa verdade, Pedro Nuno Santos demonstrou que não tem, ainda, na sua cabeça um caminho para fazer com que o PS regresse ao poder, que o muito que lhe dizem antigos companheiros de conversas e de noitadas, que nunca foram do PS e não sabem o que sempre foi o PS, lhe cria um problema de foco, de insegurança e, em suma, de futuro.
Mas, mais elucidativo, foi o facto do atual líder do PS não ter feito uma volta pelo país ao longo de um ano inteiro de atividade e ter optado por um caminho de mensagens e de propostas que faz o PS mais à esquerda de sempre, perdendo o centro, e obriga o BE e o PCP a radicalizarem-se impedindo credíveis soluções futuras de governo. Ao dia de hoje, todas as esquerdas não valem 40%, em deputados, nas sondagens.
Em texto anterior falámos da vitória muito provável dos socialistas nas autárquicas do próximo outono. Tal vitória seria muito importante se o PS entendesse o que ela pode representar. Há nas autárquicas muitos PS’s que se somam, muitas linguagens que se exibem, muitas respostas que se devem enquadrar na realidade plural do país.
Quando os PS’s vários se juntaram, foi possível criar movimentos que nos voltaram a permitir governar; quando se afastaram isso foi impossível. A história devia ser bem estudada para poder mostrar as luzes dos novos futuros.
O Orçamento para o próximo ano vai ser tema da campanha autárquica. Os ministros e dirigentes do PPD/PSD vão passar o mês de setembro a “malhar” no PS por este se negar a sentar-se para negociar antes da apresentação da proposta no Parlamento. O PS vai andar todos os dias a justificar as razões dessa indisponibilidade. Neste diálogo importa saber o que os dirigentes do PS vão dizer, até porque o ano transato foi farto em acrobacias discursivas.
O OE 2026 vai ser apresentado e o PS já não tem, olhando para o perfil de liderança de Pedro Nuno, espaço para o viabilizar. O PPD/PSD vai rejeitar qualquer negociação com o Chega e o país entrará em duodécimos até ao final desse ano 2026.
A queda antecipada do Governo será o grande tema da campanha presidencial, dará a Ventura e a Gouveia e Melo espaço de manobra, limitará muito a afirmação do candidato que o PS vier a apoiar e se vier a apoiar. Durante um ano o Governo só fará campanha com os recursos do Estado e com as centenas de comentadores que lhe estão rendidos.
Esse novo tempo, novo na vida política portuguesa mesmo que alguém o queira comparar com os acontecimentos da década de 1980, pode vir a abrir a porta a atrevidos que vão querer que o PS faça uma aliança formal de toda a esquerda, que o PPD/PSD se alie à IL e absorva completamente o eleitorado moderado e, por decorrência disso, o PS se jogue na irrelevância, enquanto partido de poder, por muito tempo.
Como agirá Pedro Nuno perante tais cenários se não foi capaz, até agora, de criar uma direção política de valor reforçado, de dotar o Grupo Parlamentar do saber fazer oposição afirmando uma alternativa, de lançar uma grande mobilização de novos quadros que saibam verdadeiramente o que conta no país e não só em círculos ruidosos da capital?
António Costa “matou” uma geração, a dos 60 anos, que poderia estar a dar ao PS o empoderamento que importa. Deu a meia dúzia de quadros, com valor intelectual inegável mas com pouca vida para além dos gabinetes, a ideia de que não era preciso tarimbar para chegar ao topo, criou o parecer de que a província é desprezível.
No cenário que desenvolvi, propositadamente pesado, falta colocar a disponibilidade para muitos cidadãos poderem colaborar com o PS, mas na sombra. Isso é bom para a formação em serviço de muitos dirigentes (como está a acontecer com Montenegro), mas não concede a crença de que o PS tem um Governo alternativo – ainda não tem!
Ora, nas eleições do final de 2026 o que vai estar também em causa é que tipo de pessoas poderão vir a ser ministros, que equipa poderia ter Pedro Nuno. E não antecipamos, por agora, gente que, aceitando a conhecida forma de agir do líder, possa dar aos portugueses a confiança que importa.
Pedro Nuno rejeitou fazer um Secretariado Nacional que reunisse mesmo, com peso político e com gente que lhe negasse as birras e as certezas. Soares, Guterres e Sócrates fizeram isso e não foram líderes menores; Pedro Nuno rejeitou construir uma direção parlamentar autónoma e que conhecesse o que é o Parlamento e todo o país. Alexandra Leitão é culta e tem imenso potencial, mas carecia de gente com muita experiência parlamentar para além de Pedro Delgado Alves; Pedro Nuno rejeitou a indicação de um porta-voz político que o salvaguardasse e fizesse de polícia mau, coisa que nem o SG nem a líder parlamentar devem ser; Pedro Nuno rejeitou escolher seis ministros sombra, por áreas agregadas, que se afirmassem e se credibilizassem perante o PS e perante o país. E sabendo que há dois ou três possíveis que vieram do executivo de Costa, importava que existissem outros, com passado pessoal, currículo profissional e com traquejo, que se juntassem.
Em suma, Pedro Nuno passou a maior parte do tempo a alimentar a tribo, parecendo não saber que num partido que não é marxista-leninista, o passo seguinte de um Secretário Geral é ser Primeiro Ministro ou ser ex-Secretário Geral.
Quer tudo isto dizer que o meu apoio a Pedro Nuno deixou de existir? Não! Só quer dizer que tudo o que aqui está deverá ser bem analisado, mesmo que interesse pouco para o propósito de muitos, dentro do PS. Eu não quero o insucesso do líder, só quero que ele acorde e cresça.