
Olho para os programas eleitorais dos partidos com assento parlamentar e registo uma pena imensa por quase se ter perdido a ambição. Desde 2005 que é assim, uma apagada e vil tristeza que não faz ver mais longe que o dia seguinte.
Mário Soares tinha uma ambição que passava pela consolidação da liberdade e da democracia e pela entrada nas Comunidades Europeias; Sá Carneiro tinha uma ambição, esta passava pela civilização do regime e pela abertura da economia; Cavaco Silva tinha uma ambição, mesmo que infraestrutural e “patobravista”, que passava por modernizar o país através do cimento e por criar uma nova burguesia.
Depois desse período de transformações, que aconteceram nas primeiras duas décadas de democracia, veio Guterres que tinha uma ambição que passava pela qualificação da educação e do trabalho, pela valorização da infância e pelo apoio às terceira e quarta idades. Na década seguinte apareceu o último chefe de Governo com ideias maiores. José Sócrates apostou na ciência, na tecnologia e nas energias alternativas, áreas que permitem que o país seja hoje muito diferente.
Sempre poderão dizer que outros governos tiveram de tratar de assuntos mais urgentes. A política da Troika ou a pandemia da Covid 19 servem para justificar as visões curtas que estiveram na base das políticas seguidas.
Estamos num momento decisivo da nossa vida coletiva. Meio século depois do 25 de Abril, com duas gerações que já nasceram em liberdade e que cresceram a partir do esforço que se desenvolveu na construção de uma escola integradora, precisamos de visionários, de mobilizadores, de líderes que sejam capazes de se colocar à frente da multidão para apontar os caminhos e atrás dos “exércitos” para os levar às conquistas.
Ter-se-ão perdido definitivamente os líderes capazes de nos darem esperança? Teremos de nos bastar com slogans e com promessas ocas?
O país já provou que consegue atingir novos patamares de desenvolvimento quando acredita em si. O que conseguimos nas últimas quatro décadas é singular em igualdade de oportunidades, mas estamos a cristalizar e a transformar a governação num mero exercício de “livro razão” que se limita a distribuir o que se recebe em tributos e a gastar o que advém dos fundos europeus.
Há grandes desígnios que quem pretende governar deveria assumir com os portugueses. O primordial devia ser o exercício do poder com mente aberta, em contacto com todas as forças que decidem e que implicam as políticas. Não são raros os exemplos de se querer meter na cabeça dos cidadãos ideias que eles não querem. Algumas políticas de educação, de habitação e da floresta são exemplos recentes.
Gostava que tivéssemos grandes propósitos de médio prazo com metas, coisa que os partidos deixaram de apresentar. Estão obcecados com os instrumentais cenários macroeconómicos para responderem a jornalistas e comentadores que não dão nem mais um voto.
Deixo aqui 30 grandes objetivos que se impõem neste tempo desafiante e que vão até 2040:
Pessoas
- Chegar a 2035 com todos os alunos no final do ensino básico dispondo de conhecimentos substantivos em programação, em utilização de ferramentas IA e com fluência em inglês a níveis equivalentes à língua materna;
- Chegar a 2035 atingindo a meta de 80% dos alunos que terminem o secundário a frequentarem cursos superiores incluindo nestes os cursos que não concedem grau de licenciatura;
- Chegar a 2030 com a garantia de que todas as crianças com mais de 6 meses iniciarão e continuarão o seu percurso em creche, infantário e seguintes graus de ensino até ao fim do primeiro ciclo do superior, sem que tal obrigue ao pagamento de qualquer propina por parte das famílias;
- Chegar a 2030 com 40% dos ativos certificados em Inteligência Artificial e atingindo-se a percentagem de 60% em 2035;
- Chegar a 2035 com 75% dos doutoramentos e pós-doutoramentos promovidos a partir das empresas e triplicando, até 2040, o número de patentes hoje registadas;
- Chegar a 2035 com um salário médio em Portugal de 80% do de Espanha e a 2040 um equivalente;
- Chegar a 2035 com a pensão mínima igual a 75% do salário mínimo nacional e a 2040 com a mesma pensão mínima igual ao mesmo SMN;
- Chegar a 2030 com a atribuição de médico de família no SNS a todos os portugueses residentes e que não beneficiam de subsistemas públicos ou privados;
- Chegar a 2035 com 50% das pessoas com mais de 65 anos a praticarem desporto regularmente, atingindo-se a meta de 75% em 2040;
Economia - Chegar a 2035 com um peso nas exportações superior ao do turismo por parte da nova economia digital e tecnológica;
- Chegar a 2040 com a disponibilidade de 20 mil hectares de terreno infraestruturado, com capacidade de localização de médias e grandes empresas, situados nas cidades médias do país, com a garantia de formação adequada para os recursos humanos dessas empresas e disponibilidade de habitação para os quadros;
- Chegar a 2040 com 70% do investimento estrangeiro captado a ser concretizado nas cidades médias;
- Chegar a 2030 com uma tributação sobre as empresas igual à verificada em Espanha e a 2035 com a mesma tributação sendo 90% da espanhola;
- Chegar a 2030 com a redução a metade do número de Taxas aplicadas pelas diferentes administrações públicas;
- Chegar a 2040 com um crescimento anual médio do investimento privado superior a 10%;
- Chegar a 2035 com a cobertura das nossa exportações agrícolas pelas importações que não seja inferior a 75% e chegando a 85% em 2040;
Sustentabilidade - Chegar a 2035 com as linhas de TGV concretizadas e em exploração e a 2040 com todas as cidades médias do país ligadas por caminho de ferro;
- Chegar a 2035 com 100 mil casas construídas de modo sustentável pelas autarquias locais;
- Chegar a 2035 com produção de 90% da energia consumida a partir de fontes renováveis e garantindo uma relação de 70% de eletricidade e 30% de gases renováveis;
- Chegar a 2035 com a integração de todas as bacias num sistema de gestão da água unificado e a 2040 com a redução a menos de 15% das perdas de água;
- Chegar a 2040 com uma propriedade média florestal e agrícola não inferior a quinze hectares através de uma política fiscal inteligente;
- Chegar a 2040 com metade da área florestal certificada;
- Chegar a 2040 com a concretização de todas as intervenções essenciais à salvaguarda da costa devidamente concretizadas.
Estado - Chegar a 2035 entre os 15 melhores países no índice da perceção da corrupção e nos primeiros 10 em 2040;
- Chegar a 2030 com a garantia de que 30% dos serviços da Administração Pública e situam nas cidades médias portuguesas e atingido os 50% em 2040;
- Chegar a 2035 com a redução em 50% dos recursos humanos da AP aplicados em funções de suporte e a alocação dos “eximidos”, através de formação ou de substituição, a funções verdadeiramente relevantes;
- Chegar a 2030 com a concretização de um plano que obrigue à admissão de forma descentralizada, para a AP, de licenciados para todas as carreiras “não operárias”;
- Chegar a 2035 com a assunção de todos os gastos públicos correntes a partir do Orçamento do Estado e não a partir dos Fundos Europeus, seguindo orçamentos de base zero;
- Chegar a 2030 com a duplicação dos recursos humanos dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
- Chegar a 2030 com a completa reforma das forças e serviços de segurança que permita mais tecnologia, mais qualificação, mais capacidade de prevenção e mais competência para a investigação e que eliminem as redundâncias, a competição e a dispersão das polícias;
Podem perguntar: como se operacionalizam estes objetivos? Tão só com a determinação do chefe do Governo para que cada ministro apresente, nos primeiros seis meses, um programa e um calendário que, depois de aprovado pelo governo, deve ser contratualizado com os agentes de cada setor.
Teria gostado que o PS tivesse assumido estes desígnios. Para isso seria importante que o líder se tivesse libertado. Se vier a ser chamado a governar, como espero, que relativize as 240 páginas que mandou escrever e se fixe numa ampla visão para Portugal.