
O criador fez o Homem com memória curta para que pudesse ser feliz, seguir em frente e repelir o que não lhe interessa. Esta realidade é bem sabida pelo PSD.
Desde o momento da rejeição da moção de confiança até hoje, têm sido muitas as figuras do Governo, e do partido que o suporta, a repetir um argumento que poderá entrar facilmente na decisão sobre o voto em maio próximo. Trata-se de fazer esquecer os muitos casos graves que envolvem Montenegro, para fazer acreditar que a culpa é de Pedro Nuno por ter apresentado uma comissão de inquérito que, imagine-se, assentava em mentiras.
O mais atrevido desses defensores de Montenegro foi Sebastião Bugalho que, num elogio típico do “lambebotismo” português, andou às voltas para encontrar semelhanças entre a crise de credibilidade do primeiro ministro com outras situações do passado. O rapaz, que de si tem figura queirosiana, parecia um jota com queda para fumar umas ganzas. Nem a gravata Hermès o salvou aos olhos dos espectadores da CNN.
Menos entusiastas com o argumento de o PS ter sido o autor da crise, vieram a jogo Rangel, Sarmento, Luz e, até, Alexandre. Porém, a ideia é simples – não importa que o nosso chefe tenha comportamentos que merecem ser avaliados pelo parlamento, o que interessa é que possamos continuar sentados nos carros pretos e possamos viver as mordomias do poder.
Perante tudo isto, o PS começa a reagir. O líder iniciou visitas pelo país e já vão aparecendo personalidades que podem fazer antever o próximo governo. Promoveu uma mudança na mensagem deixando para trás a oposição para demonstrar que o PS fala (e se preocupa) com todos os portugueses e não só com alguns.
O exemplo mais relevante são os salários, até porque, sendo filho de um empresário, sabe da realidade da vida. O líder do PS está a fazer nascer, quando fala do incremento salarial, uma política clara para que as empresas que os possam pagar. É muito relevante a ideia de concretar um novo Plano Porter, o país precisa de ter uma base para as políticas públicas de fomento económico a partir de 2030. Mas, para além dessas decisões estratégicas, Pedro Nuno antecipou medidas que fazem crescer os salários já depois de amanhã, decisões de curto e médio prazos que vão diretas às empresas.
Na preparação das eleições de 1995, que a maior parte dos dirigentes atuais não viveu, e que foi a verdadeira passagem da oposição para o poder, Jorge Coelho construiu bem a coreografia. O PS tinha de demonstrar que estava em condições de governar e, por isso, tinha de responder com medidas a cada tempo e antes do governo ainda em funções.
Ora, convocadas as eleições antecipadas e havendo a possibilidade de o PS as ganhar, não podendo o líder ir mais fundo com os Estados Gerais que anunciou, Pedro Nuno está a socorrer-se da muita imaginação política que existe no partido para responder já como primeiro ministro.
Pelo que se pode ver, a preocupação primeira não foi a de acomodar toda a gente nas listas de deputados, num exercício habitual de uma cultura de subpoder. Pedro Nuno sabe hoje que as listas não são trabalho do líder, nem dos putativos ministros, nem de quem reformula o programa eleitoral. Este labor é para um amanuense de quarta categoria que lá alinhará a malta de uma forma qualquer.
Os portugueses estão preocupados com a Saúde. Pois bem, passados dois dias da não aprovação da moção de confiança, o PS já sabia quem iria ficar com o acompanhamento da transição, quem irá reunir a informação e as pessoas para o dia seguinte. E havendo uma preocupação com a execução do PRR, sabendo-se que Marcelo está ao leme da célula de controle, o PS já escolheu quem, sendo muito credível e experiente, vai acompanhar, falar com o governo e garantir que não haja cortes na estratégia, nas equipas e nos métodos de trabalho. Por último e depois do segundo divórcio dos professores com o PS, importava ter alguém a preparar, desde já, o próximo ano letivo. Por isso, há já quem esteja a trabalhar para se garantirem os concursos de professores, quem olhe as situações críticas dos alunos sem aulas e quem esteja em condições de garantir a estabilidade nos currículos.
Vamos para a campanha. Os socialistas vão ser massacrados com o argumento que referi no início – o causador da crise foi Pedro Nuno que queria uma comissão de inquérito. Pois bem, só resta ao PS convencer os portugueses de que, não tendo sido possível averiguar os deveres de dedicação exclusiva de Montenegro por parte da comissão de inquérito, tudo o que não sabemos virá mais tarde, até porque Ventura só está apostado em derrubar o atual chefe do governo para fazer voltar Passos Coelho e governar em coligação.
A recondução do atual líder do PSD, sem que este partido tenha escolhido outra pessoa para ir as eleições, põe em causa a estabilidade e pode levar o país a novas eleições em 2026. Sobre isto não ouvimos uma palavra de ninguém, muito menos de Marques Mendes, o presidenciável que, falando grosso, disse que Portugal viveu as piores semanas da sua democracia.
Para Mendes, o PREC de 1975 foi um passeio, a morte de Sá Carneiro, em 1980, uma festa, boicote da comunicação ao parlamento, em 1993, contra a maioria de Cavaco que a queria calar, foi um acidente, e o decretar do fim da maioria absoluta costista, pelo Ministério Público, em 2023, foi uma comemoração. Valha-nos Deus!