![Jardins de Plantas Doadas devolvem beleza a canteiros vazios de Lisboa](https://homepagept.web.sapo.io/assets/img/blank.png)
Nuno Prates reconheceu à Lusa que "começou por acaso", coincidindo com a pandemia de covid-19, lembrando ter tido o privilégio, dentro do panorama de "estarmos todos fechados em casa", de poder sair face à relativa proximidade de onde estava em confinamento.
"A uma questão de dois ou três metros tinha um canteiro público e comecei a plantar, porque estava negligenciado e muito abandonado, seco inclusivamente. Portanto, comecei a ocupar-me desse espaço público", contou.
De início, houve uma "certa contestação", porque estava a fazer alguma coisa "em espaço público". No entanto, como gosta de repetir, a partir do momento que planta uma planta, esta deixa de ser sua para passar a ser da comunidade.
"A maioria dos vizinhos aceitou e ficou muito satisfeita, mas houve uma denúncia e a junta de freguesia [de Alvalade] decidiu retirar tudo aquilo que eu tinha plantado", lamentou, explicando que a "contestação [à retirada] foi depois tão forte", que a junta percebeu "o erro que tinha cometido e reverteu a situação".
Apesar de os canteiros da cidade de Lisboa serem espaços públicos e da responsabilidade das juntas de freguesia, Nuno Prates contou que, em parceria com outros dois moradores, elaborou um regulamento, depois aprovado pelos serviços jurídicos da junta de Alvalade (a primeira do país a ter um devidamente trabalhado), sendo por isso "completamente legal" aquilo que faz.
Resumidamente, o regulamento atribui uma licença num talhão (canteiro) à escolha do cidadão, que depois é aprovado pela junta de freguesia e o guardião, como é designado, fica responsável por ajardinar e mantê-lo.
"Essa ponte para a sociedade é, a meu ver, muito importante, porque isto são jardins de proximidade, fazem com que todos os moradores se sintam identificados, emocionados e mantêm uma relação com aquilo que um cidadão anónimo faz", frisou.
Os vizinhos dos prédios contíguos consideraram ser uma boa ideia e também se inscreveram, pediram licença e Nuno Prates acabou por cuidar dos talhões todos numa rua do bairro de Alvalade.
O jardineiro/paisagista, como se intitula, revelou que a competição entre plantas "é um mito", observando que nos ecossistemas que cria "elas podem viver todas muito próximas umas às outras", o que é até benéfico, permitindo que se possa afastar por uns dias de férias e o jardim manter-se, sem ninguém o cuidar.
Algumas plantas foram compradas, mas a maioria, conforme explicou, são "plantas resgatadas, abandonadas ou doadas", daí ter apelidado o espaço de Jardim das Plantas Doadas, que já se encontra referenciado na aplicação de navegação e trânsito Waze e no Google Maps.
"Eu aceito todas as plantas e faço a distribuição de acordo com as necessidades, as capacidades e a resiliência de cada uma. O jardim é feito com a vontade das pessoas que já não conseguem ter [as ornamentais] em casa. Vêm aqui e oferecem, eu nem sei quem doa, deixam aqui e eu cuido, não faço distinção absolutamente nenhuma", especificou.
De entre a vasta florestação existem quatro bananeiras, plantas de café, variados fetos, orquídeas, monsteras de várias espécies, conhecidas como Costela-de-adão, uma das quais "com fruto comestível com um sabor entre o ananás e a banana", variadas plantas ornamentais, vulgarmente de interior, mas também frutíferas como ananás, manga, anona ou tâmaras.
"É um jardim com um elenco enorme, vasto de espécies", qualificou Nuno Prates, lembrando que quando constrói um jardim tem em mente a sua independência e autonomia, sublinhando ainda que em termos de recursos hídricos "é o mínimo indispensável", gastando menos que um relvado.
No verão, segundo o jardineiro, a rega é espaçada, porque o jardim já está estabelecido e as plantas "conseguem-se proteger umas às outras" e, em termos ambientais, "produz muito mais oxigénio, limpa mais a atmosfera", sendo perfeitamente viável em cidades.
Nuno Prates começou sozinho a iniciativa, mas depois pensou que deveria inspirar e ser útil à sociedade, não só em Lisboa, como também no resto do país. Dessa forma, fez uma publicação numa rede social a perguntar quem se queria associar e, para sua surpresa, várias pessoas responderam ao desafio.
"Houve um apoio tremendo de doações e, inclusivamente de participação, com 21 pessoas, o que para quem não tem estrutura nenhuma é ótimo", disse, revelando a transversalidade de participantes, tanto em conhecimento do assunto, como a nível de profissão ou "jovens e menos jovens".
O jardineiro reforçou que no meio da diversidade todos tinham a mesma preocupação: "devolver a espaços vazios alguma beleza e jardinar a cidade".
O conselho que deixa aos cidadãos é para que metam mãos à obra, "não tenham receio e façam, plantem, peçam apoios, já que existem meios, um regulamento da freguesia de Alvalade que pode ser replicado em outras pelo país inteiro, é só uma questão de agir".
Nuno Prates deu ainda nota daquilo que já se faz um pouco pela Europa, dando o exemplo da cidade de Paris, "que está a viver uma revolução" em que se reduzem vias rodoviárias para fazer canteiros onde não existiam "em ruas que eram completamente despidas a até hostis em termos ambientais".
"Aqui em Lisboa isso ainda não está a acontecer. Eu viajo e estou atento a esses pormenores e inspirei-me, isto não nasce da minha cabeça, é um movimento geral, global de preocupação ambiental", explicou, frisando que os canteiros que planta já existem, apenas os repõe com plantas.
No próximo dia 22 de fevereiro, Nuno Prates promove no espaço de ajuda social Dona Ajuda o primeiro encontro teórico que pretende juntar pessoas, para que troquem ideias, experiências e propostas para plantar unidos e "devolver respeito" aos jardins públicos.
RCP // JLG
Lusa/Fim