O acordo firmado a 27 de novembro de 2024 para interromper a guerra exigiu que o Hezbollah depusesse imediatamente as armas no sul do Líbano e deu a Israel 60 dias para de lá retirar os militares e entregar o controlo da região ao exército libanês e às forças de paz da ONU.

Até agora, Israel apenas se retirou de duas das dezenas de cidades que detém no sul do Líbano e continuou a atacar o que diz serem bases pertencentes ao Hezbollah, que acusa de tentar lançar foguetes e de transportar armamento antes que esse equipamento possa ser confiscado e destruído.

Segundo lembra a agência noticiosa Associated Press (AP), o Hezbollah, que foi severamente diminuído durante quase 14 meses de guerra, ameaçou retomar os combates se Israel não retirar totalmente as suas tropas no final do prazo de 60 dias.

No entanto, apesar das acusações de ambos os lados sobre centenas de violações do cessar-fogo, a trégua provavelmente manter-se-á, dizem analistas ouvidos pela AP.

"O acordo de cessar-fogo é bastante opaco e aberto à interpretação", afirmou Firas Maksad, um membro sénior do Middle East Institute em Washington.

Essa flexibilidade, defendeu, poderá dar azo a uma possibilidade de o acordo se manter diante de uma eventual mudança das circunstâncias, envolvendo, agora, a queda do regime de longa data do Presidente da Síria, Bashar al-Assad, poucos dias após o cessar-fogo entrar em vigor.

O Hezbollah começou a disparar foguetes contra Israel a 8 de outubro de 2023 -- um dia após o Hamas lançar um ataque mortal contra Israel que deu início à guerra em andamento em Gaza.

Desde então, ataques aéreos e terrestres israelitas mataram mais de 4.000 pessoas no Líbano, incluindo centenas de civis. No auge da guerra, mais de um milhão de libaneses foram forçados a deixar as suas casas e a procurar refúgio noutras áreas.

Em sentido contrário, os foguetes do Hezbollah forçaram cerca de 60.000 israelitas a deixarem as suas casas no norte de Israel, tendo morrido 76 pessoas, 31 delas soldados. Quase 50 soldados israelitas foram mortos em operações dentro do Líbano.

Segue-se um olhar sobre os termos do cessar-fogo e respetivas perspetivas para o fim das hostilidades a longo prazo.

O que diz o acordo de cessar-fogo?

O acordo diz que tanto o Hezbollah quanto Israel interromperão as ações militares "ofensivas", mas que podem agir em autodefesa, embora não esteja totalmente claro como esse termo pode ser interpretado.

O exército libanês tem a tarefa de impedir que o Hezbollah e outros grupos militantes lancem ataques em Israel. Também é necessário desmantelar as instalações e armas do Hezbollah no sul do Líbano -- atividades que podem eventualmente ser expandidas para o resto do Líbano, embora não esteja explícito no texto do acordo.

Os EUA, França, Israel, Líbano e a força de manutenção da paz da ONU no Líbano (FINUL), são responsáveis pela supervisão e implementação do acordo.

"A questão-chave não é se o acordo será mantido, mas qual versão dele será implementada", disse o analista do Middle East Institute.

O cessar-fogo está a ser aplicado?

O Hezbollah interrompeu em grande parte os disparos de foguetes e 'drones' contra Israel que, por seu lado, parou de atacar o Hezbollah na maioria das áreas do Líbano. Mas Israel lançou ataques aéreos regulares contra o que diz serem locais de apoio ao Hezbollah no sul do Líbano e no Vale do Bekaa.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações /(OIM), as forças israelitas retiraram-se, até agora, de duas cidades no sul do Líbano -- Khiam e Shamaa -- mas mantêm-se em cerca de 60 outras. Cerca de 160.000 libaneses permanecem deslocados.

O Líbano tem acusado Israel de violar repetidamente o acordo de cessar-fogo e na semana passada apresentou uma queixa ao Conselho de Segurança da ONU, em que acusa Telavive de ter lançado "816 ataques terrestres e aéreos" entre o início do cessar-fogo e 22 de dezembro de 2024.

Israel diz que o Hezbollah violou o cessar-fogo centenas de vezes e também reclamou perante o Conselho de Segurança, acusando os combatentes do Hezbollah de movimentarem armas e munições, de tentar atacar soldados israelitas e de preparar e lançar foguetes em direção ao norte de Israel, entre outras.

O que acontece depois de terminarem os 60 dias de cessar-fogo?

A retirada de Israel das cidades libanesas tem sido mais lenta do que o previsto devido à falta de tropas do exército libanês prontas para assumir o controlo, de acordo com o tenente-coronel Nadav Shoshani, um porta-voz militar israelita. O Líbano contesta a acusação e diz estar à espera que Israel se retire antes de entrar nas cidades.

Shoshani disse que Israel está satisfeito com o controlo do exército libanês sobre as áreas das quais já se retirou e que, embora prefira uma transferência de poder mais rápida, a segurança é o objetivo mais importante.

Israel não considera o cronograma de 60 dias para a retirada como "sagrado", disse Harel Chorev, especialista em relações Israel-Líbano na Universidade de Telavive, que estima que Beirute precisará de recrutar e de mobilizar milhares de tropas antes que Israel esteja pronto para entregar o controlo.

As autoridades do Hezbollah ameaçaram que se as forças israelitas continuarem no Líbano 60 dias após o início do cessar-fogo, o movimento xiita pró-iraniano pode voltar a atacá-los.

Mas o secretário-geral do Hezbollah, Naim Kassem, garantiu, há uma semana, que o movimento está à espera para dar ao Estado libanês a possibilidade de "assumir a responsabilidade" por fazer cumprir o acordo. Mas, num discurso proferido sábado, adotou um tom mais ameaçador.

Nos últimos dois meses da guerra, o Hezbollah sofreu grandes golpes na liderança e nos equipamentos militares após os intensos ataques aéreos israelitas e uma invasão terrestre que levou a batalhas ferozes no sul do Líbano. A queda de al-Assad, para o Hezbollah, foi outro grande revés.

"O desequilíbrio de poder sugere que Israel pode querer garantir maior liberdade de ação após o período de 60 dias", disse Firas Maksad.

Para o analista do Middle East Institute, o Hezbollah, numa posição enfraquecida, tem agora um "forte interesse" em garantir que o acordo não desmorone completamente "apesar das violações israelitas".

Embora o Hezbollah possa não estar em posição de regressar à guerra aberta com Israel, o movimento xiita ou outros grupos milicianos podem virar-se para ataques de guerrilha usando armamento leve se as tropas israelitas permanecerem no sul do Líbano, disse o ex-general do exército libanês Hassan Jouni.

Com Lusa