Desses desfiles gratuitos no referido município do distrito de Aveiro e Área Metropolitana do Porto, os primeiros no calendário são as "Marchas de São João de Pereira", que se realizam esta segunda e terça à noite em Argoncilhe, e depois seguem-se as "Marchas Sanjoaninas", que saem à rua a 28 de junho, em São João de Ver.

No primeiro caso, a organização da festa cabe à Associação dos Amigos do São João de Pereira, que, fundada em 2017, deu um cunho mais profissional às marchas que tiveram como percursores os antigos "leilões" em carros alegóricos, nos anos 70 e 80, e depois evoluíram para o formato atual, que se distingue por os bailarinos e músicos desfilarem de forma algo discreta num troço de 450 metros de rua e deixarem as coreografias principais para um palco redondo, em torno do qual se dispõe a multidão.

"Entre marchantes, músicos, cantores, costureiras e aderecistas, somos uns 200, de vários lugares de Argoncilhe e também de freguesias à volta, como Mozelos e Lourosa, ainda na Feira, ou Sandim e Pedroso, já no concelho de Gaia", conta Jesus Couto à Lusa, na sua t-shirt com o 'branding' da associação. A casa faz alguma receita com 'merchandising' como esse, mas angaria os 20.000 euros do orçamento da festa sobretudo através de "pequenos apoios" institucionais, patrocínios privados "maiores" e atividades pontuais como sorteios de rifas e petiscadas regulares no bar da coletividade, que está decorado com bancos corridos, toalhas ao xadrez e manjericos que duram todo o ano por serem feitos com pompons de lã.

A quota de 5 euros anuais pelos mais de 480 sócios da associação também ajuda a pagar as contas, assim como os 25 euros com que cada participante financia "uma parte muito pequena" dos materiais e trabalhos da costureira, mas o presidente da coletividade, Vítor Pereira, diz que "o que tem mais valor é o tempo e o bairrismo das pessoas", que, inscrevendo-se nas marchas logo em janeiro e fevereiro, em abril já começam a treinar duas a três vezes por semana.

Parte dos ensaios é no pátio de cargas e descargas da empresa "Cerâmica de Argoncilhe", sob o comando de Cristina Correia, equipada com um microfone de cabeça ao estilo pop star; as costuras e bricolages dispõem-se pela cave da professora Inês Pereira, onde Rosa Pereira exibe a letra da canção criada pelo apresentador António Sala para as marchas locais; e também nessa sala ou no bar da associação criam-se, de acordo com um modelo distribuído previamente, os manjericos e sardinhas que, em festão de cores bem vivas, se penduram ao alto na rua da festa.

"Há muita gente que se voluntaria para fazer essas decorações e depois tentamos reutilizar tudo o que ainda esteja em bom estado, para evitar ao máximo o desperdício", assegura Tiago Alves, também aprumado com a t-shirt da organização.

Os mesmos princípios ecológicos aplicam-se à cascata sanjoanina, que, em cerca de 20 metros quadrados, apresenta a cada ano uma seleção rotativa de 500 peças, que, a partir de uma coleção total de 3.000, decoram o cenário com quedas de água, fachadas a replicar as principais instituições de Argoncilhe e nuvens pintadas pelas crianças das escolas de Pereira.

"Não é por acaso que dizem que estas marchas são grandes demais para a freguesia", realça Pedro Silva, um dos maestros de serviço. "É tudo feito com muito gosto, mas o melhor mesmo é o espírito bairrista que se sente quando estamos juntos, o brio que une as pessoas", diz antes de entrar no palco -- onde as coreografias se mantêm escondidas do público até à estreia, graças a telas publicitárias que funcionam como cortinas gigantes e por baixo das quais espreitam os bailarinos mais pequeninos, coladinhos uns aos outros.

Nas marchas de São João de Ver não há tantas crianças e este ano o desfile ficou reduzido a dois grupos, cada um com cerca de 75 participantes e representando diferentes lugares da freguesia, mas, pelo menos no coletivo Malapeiros, a renovação é constante. "Há sempre algumas pessoas que desistem, ou porque não se adaptam ou porque não têm tempo para os ensaios, mas todos os anos há caras novas e têm aparecido sempre muitos jovens", garante Herculano Oliveira, o diretor do grupo.

Francisco Silva é o encenador, aderecista "e o que mais for preciso" nessas marchas, que implicam uns 5.000 euros suportados com patrocínios, apoios, rifas e outros contributos, e conta que também aí "tudo começou por bairrismo", quando, em resposta ao desafio lançado em 2014 pelo padre da paróquia, a Mena Petiz passou palavra e "a Emília, a Iolanda e a Clara andaram de porta em porta a convencer as pessoas".

Se no início eram só 30 os participantes, agora, no pavilhão desativado de uma antiga empresa de tapeçarias, reúnem-se a cada ensaio umas 75 pessoas -- a maior parte das quais mulheres que rodopiam com outras dançarinas, dada a falta de espécimes masculinos para as acompanhar nas músicas de Fábio Pinto. 

"Aceitamos toda a gente, mesmo que não tenha muito jeitinho nem seja de São João de Ver" assegura Francisco. "E não há prémios para ninguém, porque, no dia em que os grupos se puserem a competir uns com os outros, começa a dar chatices e para isso não vale a pena este trabalho todo", complementa Herculano.

No dia 28 há vaidade geral no desfile entre a estação de comboios e a igreja desenhada por Fernando Távora, no que as senhoras não prescindem de cabeleireiro e maquilhadora, mas todos parecem concordar que, ainda assim, "o melhor de tudo é o convívio final", uma vez concluída a missão a que se dedicaram tantos meses. Só que esse encontro não se realiza no dia das marchas, já que, depois do desfile, os Malapeiros querem é estar com familiares e amigos nas tasquinhas da festa.

Entre interjeições de concordância alheia, Francisco e Herculano explicam que há que esperar duas semanas e só então, com todos já recuperados, é que se tira um domingo inteiro para celebrar: "Durante as marchas o que interessa é cada um dar o seu melhor e divertir o povo; depois das marchas, preferimos esperar um bocado para estar mais à vontade, porque o que a gente quer é comer, beber e dançar -- mas à nossa maneira, sem passos marcados, até já não aguentar mais!".

 Alexandra Couto (texto e fotos), da agência Lusa

 

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