Os últimos tempos têm produzido uma autêntica avalanche de polémicas, desde os consecutivos podres descobertos entre os deputados do Chega, até à empresa familiar do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, tornando certo que, se há coisa de que o povo português não se pode queixar, é de monotonia. No entanto, devo arriscar dizer que é na política que todos gostaríamos de encontrar o ponto mais monótono das nossas vidas: instituições estabilizadas, sérias e sem joguinhos. Aliás, permitam-me corrigir: todos, menos os próprios políticos. Esses, os personagens principais, são os grandes fãs da chamada politiquice.

A eventual queda do Governo não surpreende, mas desilude-me. Quando há um ano, em março de 2024, a coligação da Aliança Democrática venceu as eleições legislativas sem maioria absoluta, despontou em todos os portugueses uma certeza - quase absoluta - de que Luís Montenegro não teria condições para levar o seu mandato até ao fim. Fosse por incapacidade de implementar, de forma fluída, as suas políticas, face a uma difícil oposição que “une” esquerda e Chega, ou pela reprovação do Orçamento de Estado, este foi um desfecho a que o Governo da AD ficou condenado desde o momento em que tomou posse.

Ao dia de hoje, perante a expectativa do resultado da moção de confiança, é praticamente certo de que iremos novamente para eleições legislativas, num período que promete ser altamente desgastante para os portugueses a nível político. Ainda em outubro de 2025, poucos meses depois das eventuais legislativas, iremos novamente às urnas para eleger os órgãos das autarquias locais e, logo de seguida, em janeiro de 2026, decorrerá a corrida para Presidente da República. Mas – ao contrário do que se poderia esperar no início deste mandato – o Governo não cairá por força das suas políticas. Ou, pelo menos, não é esse pretexto que nos traz aqui.

Luís Montenegro foi apanhado, de forma súbita, por uma polémica, de seu nome “Spinumviva”, tendo sido levantadas várias questões relativamente à empresa familiar do primeiro-ministro, nomeadamente no que toca a eventuais conflitos de interesses.

Esta situação surgiu no momento perfeito para servir de bóia salva-vidas para um Chega que, semana após semana, estava a ver-se cada vez mais afundado em escândalos e problemas internos. De forma tática, e de modo a afastar as atenções que, até aí, estavam completamente focadas nos tiros nos próprios pés dos deputados e dirigentes do partido de André Ventura, foi apresentada uma moção de censura ao Governo, com o pretexto de que Luís Montenegro não teria condições para continuar a ser primeiro-ministro. Esta moção nasceu com o destino já traçado e, sem qualquer surpresa, foi chumbada em Assembleia da República. Mas o objetivo do Chega estava cumprido: deixaram de ser escrutinados como estavam a ser, com o bónus de que puderam afirmar, perante o seu eleitorado, que se mantiveram fiéis a uma das suas maiores lutas: o combate à corrupção.

De forma praticamente consecutiva, tivemos uma segunda moção de censura, desta vez apresentada pelo PCP. Mais uma vez, tudo indicava que o resultado desta não seria diferente do anterior, o que se confirmou. Mas o objetivo dos comunistas também ia para além do resultado político direto de uma moção de censura: a intenção foi dizer aos portugueses “Ainda estamos aqui! Ainda estamos a lutar contra a elite corrupta e viciada pelo capital.” O PCP foi falado e, nessa lógica, o verdadeiro objetivo foi, também aqui, cumprido.

No meio desta tempestade, Luís Montenegro respondeu, de forma pública, a algumas das questões que foram sendo colocadas. Na minha opinião, os esclarecimentos dados chegaram a extravasar a normal separação entre a vida pública e a vida privada, tendo sido mais do que suficientes e claros. Mas, tendo a situação chegado ao ponto a que chegou, nada do que o primeiro-ministro pudesse dizer iria satisfazer a oposição: o tempo útil para esclarecer esta polémica teria sido antes de ela existir e, portanto, Luís Montenegro tem culpa da posição em que se colocou, e ele sabe-o. Não se pode defender a transparência sem praticá-la.

Isto posto, o Governo decidiu que o melhor a fazer é avançar para uma moção de confiança que, sem surpresa, está condenada ao mesmo desfecho das duas moções de censura apresentadas pela oposição: o chumbo. Verificando-se o resultado mais previsível, a AD poderá tentar responsabilizar a oposição pela eventual crise política instalada, socorrendo-se da premissa de que “não nos deram outra hipótese, não nos deixaram governar”, e daí virá uma das maiores bandeiras da campanha eleitoral.

O PS, aparentemente mais brando do que a restante oposição, votou contra ambas as moções de censura, tendo, desde início, prometido votar contra uma eventual moção de confiança, ainda que a tenha desencorajado. É visível que o principal partido da oposição não tem qualquer interesse em causar eleições antecipadas. Seguindo a tendência de taticismo demonstrada pela maioria dos partidos na gestão desta polémica, também o PS tem os seus passos bem estudados: ir agora a eleições não garante ao Partido Socialista um resultado que lhes sorria, pelo que não é daí que retiram a maior vantagem. A proposta de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, além da natural fiscalização que proporcionaria, seria mais proveitosa, uma vez que permitiria prolongar a pressão sobre Luís Montenegro e o PSD, podendo fazer isso funcionar a favor do partido liderado por Pedro Nuno Santos nas eleições autárquicas.

Por tudo isto, devo repetir que a queda do Governo não surpreende, porque era praticamente inevitável, mas desilude-me, porque os motivos não residem no interesse maior do povo português. Num período onde se discutem, a nível europeu e mundial, questões de importância maior, onde se procuram soluções para terminar guerras, onde se pretende evitar crises, cá estamos nós, no nosso canto à beira-mar plantado, a assistir a uma luta entre políticos que querem apenas provar que são mais espertos, que são mais capazes de alcançar bons resultados do que o adversário; o povo português, a estabilidade e prosperidade, são questões secundárias.

As consequências de todos estes jogos irão fazer-se mostrar também na abstenção: três atos eleitorais em menos de um ano retirarão aos eleitores a sensação de urgência e a importância daquele momento. Mas isso parece não importar nada: o importante é que, ainda que não se aponte nada aos resultados políticos, se faça abanar o Governo. Porque isso sim, é politiquice, e é disso que os políticos gostam.