
"As medidas de entrega de ajuda de Israel são desumanas. As operações da Fundação Humanitária de Gaza [organização criada pelos Estados Unidos com o apoio de Israel], que deveriam salvar vidas, estão a causar muitas vítimas", afirmou o diplomata britânico Fergus Eckersle.
"Pessoas famintas, desesperadas para alimentar as suas famílias, são informadas de que há comida à espera. Mas mais de 500 pessoas morreram a tentar aceder a essa comida. Enquanto isso, a UNICEF relata que mais de 5.000 crianças (...) foram internadas por desnutrição aguda apenas em maio. É realmente assustador", acrescentou.
Às críticas lançadas pelo Reino Unido a Israel, juntaram-se países como França, Rússia, China, Eslovénia, Paquistão, Coreia do Sul, entre outros, que criticaram o uso de alimentos como "arma de guerra" e condenaram o bloqueio da ajuda humanitária imposto por Telavive.
No centro da polémica está a Fundação Humanitária de Gaza, uma organização criada pelos Estados Unidos (EUA) e autorizada por Israel para a distribuição de ajuda alimentar no enclave, que funciona à margem das Nações Unidas.
As distribuições de alimentos organizadas por esta fundação têm sido marcadas por vários episódios de caos e violência, com a intervenção do exército israelita, que em diversas ocasiões já disparou contra palestinianos que procuravam comida.
Pelo menos 580 palestinianos foram mortos a tentar chegar aos pontos de distribuição da Fundação Humanitária de Gaza ou à espera de outros contingentes de ajuda, indicou hoje a ONU.
Ignorando as críticas internacionais, os EUA fizeram hoje uma firme defesa da fundação, argumentando que a estrutura continua a fornecer ajuda alimentar vital aos civis palestinianos, distribuindo "mais de 50 milhões de refeições" até domingo.
"Os EUA continuarão a trabalhar para melhorar a situação humanitária no local, sem dar poder aos terroristas. A Fundação Humanitária de Gaza comprometeu-se a fornecer ajuda consistente com os princípios humanitários", afirmou o diplomata norte-americano John Kelley, na mesma reunião do Conselho de Segurança.
Sem mencionar os incidentes violentos ou ataques das forças israelitas contra civis que esperam em filas para receber ajuda, Kelley garantiu que todos os camiões da fundação -- mais de 700 no total -- chegaram ao local de distribuição pretendido, ao contrário da "ajuda humanitária enviada por outras organizações", que, frisou, "tem sido vulnerável à apreensão pelo Hamas".
"Instamos os membros do Conselho a apoiarem o trabalho da Fundação Humanitária de Gaza na entrega de ajuda vital a civis. As alternativas são um presente para o Hamas, permitindo-lhe desviar ajuda, lucrar e fortalecer seu poder em Gaza", acusou ainda.
Na semana passada, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que o sistema de ajuda imposto pelos EUA e por Israel em Gaza "está a matar pessoas", sublinhando que "qualquer operação que leve civis desesperados para zonas militarizadas é, inerentemente, insegura".
Também na semana passada, o jornal israelita Haaretz publicou uma investigação que dava conta que soldados israelitas encarregados de supervisionar a entrega de alimentos receberam ordens para disparar deliberadamente contra a multidão, antes e depois da distribuição.
Na reunião de hoje, o secretário-geral adjunto da ONU para o Médio Oriente chamou também a atenção para a "implacável expansão dos colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada" - situação que acabou condenada pela maioria dos diplomatas presentes no encontro.
"A crescente presença de colonatos contribui para a violência (...), fortalece ainda mais a ocupação israelita, dificulta a livre circulação da população e enfraquece o direito do povo palestiniano à autodeterminação", disse Mohamed Khaled Khiari.
"A demolição e apreensão de estruturas propriedade de palestinianos, incluindo projetos humanitários financiados internacionalmente, envolvem numerosas violações do direito internacional e levantam preocupações sobre o risco de transferência forçada", acrescentou, frisando que a "crescente violência na Cisjordânia ocupada é alarmante".
Desde o início da guerra, pelo menos 56.531 pessoas foram mortas e mais de 133.000 ficaram feridas nos ataques israelitas contra Gaza, segundo a mais recente contagem do Ministério da Saúde do enclave.
A guerra foi desencadeada depois de o Hamas ter lançado um ataque sem precedentes contra Israel em 07 de outubro de 2023, que causou cerca de 1.200 mortos e 251 reféns.
Na resposta, Israel prometeu eliminar o movimento extremista palestiniano, mas, após mais de 20 meses de guerra, o Hamas continua a governar a Faixa de Gaza.
A ofensiva do exército israelita em Gaza causou também uma catástrofe humanitária no território sitiado, bem como a destruição de grande parte das infraestruturas do enclave.
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