Mais de um mês depois de os moçambicanos se deslocarem às urnas para votar nas eleições gerais, o país continua a viver um período de grande instabilidade política. Dezenas de pessoas já morreram e centenas ficaram feridas em confrontos com a polícia, que tem reprimido com violência os protestos contra os resultados das eleições, divulgados no passado dia 24 de outubro, que deram a vitória à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a Daniel Chapo sob circunstâncias dúbias.

Quinta-feira foi o dia marcado para as marchas em Maputo, convocados por Venâncio Mondlane, o candidato da oposição que não reconheceu os resultados das eleições devido a suspeitas de fraude eleitoral pela Frelimo, que governa Moçambique desde a independência, em 1976. Mas em vez de uma manifestação democrática, as ruas de Maputo assistiram a alguns protestos, reprimidos pelo exército, ainda que as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FDAM) tenham garantido que só estavam a “apoiar” a polícia.

A eleição de Daniel Chapo, escolhido pela Frelimo para substituir o atual Presidente, Filipe Nyusi, foi anunciada no dia 24 de outubro, sem surpresas. Muitos moçambicanos, depois de várias denúncias de irregularidades por observadores nacionais e internacionais e de assassinatos políticos, saíram às ruas. O correspondente do Expresso em Maputo, Lázaro Mabunda, descreveu na quinta-feira a “raiva popular contra um Governo autoritário que repele qualquer manifestação pacífica com violência e assassínios, tendo rasgado a Constituição para impor a lei da bala”.

Num momento em que paira uma nuvem de incerteza sobre o futuro da terceira maior nação lusófona do mundo, vamos recordar o que aconteceu no último mês em Moçambique.

1.

O que aconteceu nas eleições?

Depois de as eleições autárquicas do ano passado terem sido manchadas por resultados fraudulentos e ordens do Conselho Constitucional para inverter alguns resultados, era sabido que as eleições gerais deste ano iam ser alvo de grande escrutínio e análise, dentro e fora de Moçambique.

O candidato da Frelimo, o partido que governa há 49 anos, foi Daniel Chapo, governador da província de Inhambane, no sul do país. Chapo foi escolhido para substituir o Presidente Filipe Nyusi, que terminou dois mandatos e dez anos à frente do país. O principal obstáculo à continuidade da Frelimo no poder foi Venâncio Mondlane, ex-deputado da Renamo agora apoiado pelo Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), que esteve à frente da contestação nas autárquicas em Maputo.

No dia das eleições, a 9 de outubro, começaram logo a surgir as primeiras denúncias de irregularidades e de numerosos ilícitos, por partidos da oposição à Frelimo, e por observadores nacionais e internacionais.

João Gomes Cravinho, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, e chefe da missão de observação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), disse à RTP que a missão “chamou à atenção para múltiplas irregularidades” e que não existem mecanismos “para verificar se os resultados são ou não fidedignos”.

2.

Assassinatos antes do anúncio dos resultados

Na noite de 18 de outubro, dois dias depois de Mondlane convocar uma greve nacional geral para “repudiar” a manipulação eleitoral da Frelimo, Elvino Dias, conselheiro jurídico de Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, foram assassinados. A polícia confirmou que foram baleados várias vezes numa “emboscada”.

Da comunidade internacional e da oposição, não houve dúvidas que as mortes tinham motivações políticas, e a greve convocada para o dia 21 de outubro tornou-se também numa manifestação contra a repressão e a violência política. Mondlane desafiou o povo a sair às ruas, apesar dos avisos das autoridades.

A polícia de Maputo reprimiu os protestos com violência e gás lacrimogéneo, unidades especiais atacaram manifestantes e nuvens de fumo surgiram em diversos pontos da capital. A população destruiu infraestruturas e bens públicos de membros da Frelimo, residências e estátuas pelo país. Várias pessoas foram mortas e mais de 500 foram detidas, segundo estimativas do Centro de Integridade Pública, uma organização não-governamental moçambicana.

3.

Eleições deram maior vitória de sempre à Frelimo, mas denúncias de fraude abundam

No dia 24 de outubro, a Comissão Nacional de Eleições, com uma maioria de representantes da Frelimo na sua estrutura, confirmou o que já todos esperavam. Daniel Chapo foi declarado vencedor, com 70,67%, o melhor resultado da Frelimo desde a instituição do multipartidarismo, elegendo 195 deputados – número suficiente para rever a constituição.

Venâncio Mondlane ficou em segundo, com 20,32% dos votos. Em terceiro lugar ficou Lutero Simango, presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), com 3,21%. A Renamo, o histórico partido da oposição em Moçambique, teve com o seu líder, Ossufo Momade, o pior resultado da sua história, com apenas 5,81% (menos que o número de votos brancos e nulos). Com o surgimento do Podemos e a manutenção do MDM, o parlamento contará pela primeira vez com quatro forças partidárias.

Contudo, além das denúncias de irregularidades e fraude eleitoral por todo o país, a Igreja Católica de Moçambique também apontou para uma reduzida participação eleitoral, notando que as queixas expressas durante as autárquicas “demonstraram a grande parte da população que a sua vontade, expressa nas urnas, não é respeitada, tornando inútil o exercício deste importante direito cívico”. Segundo o “Público”, na província de Nampula apenas 28,41% dos eleitores recenseados foram efetivamente votar nas presidenciais.

4.

Repressão, destruição de bens da Frelimo e mais de 30 mortos

O candidato que ficou em segundo lugar continuou a contestar o resultado validado pelo Conselho Constitucional. Fora das fronteiras de Moçambique, a União Europeia apelou à publicação dos resultados desagregados, duvidando da legitimidade do processo. E também apontou para denúncias de fraude e “alteração injustificada dos resultados eleitorais ao nível das mesas de voto e dos distritos”.

Venâncio Mondlane, que saiu do país por recear pela vida, convocou uma nova paralisação geral de sete dias a partir do dia 31 de outubro, e uma manifestação em Maputo no dia 7 de novembro. O novo líder da oposição falou de “uma atmosfera revolucionária” e nenhum dos momentos ocorreu de forma pacífica. Durante vários dias, centenas de manifestantes contra o Governo da Frelimo e o processo eleitoral fizeram frente à polícia e às forças armadas e foram baleadas. À agência Lusa, a Associação Médica de Moçambique disse que a violência pós-eleitoral tinha deixado o sistema de saúde do país num ponto de ruptura.

Na quinta-feira, dia 7 de novembro, Maputo acordou vazia de carros, mas cheia de carrinhas blindadas e agentes das Forças de Defesa e Segurança. As autoridades conseguiram travar as várias concentrações em diferentes pontos da capital, antes de convergirem e tornarem-se demasiado grandes para conter.

Na quinta-feira, pelo menos três pessoas foram mortas e outras 66 ficaram feridas nos confrontos. Além disso, várias pessoas foram detidas arbitrariamente, antes sequer dos protestos. Só nos cinco dias anteriores, o Centro de Integridade Pública estima que a polícia tenha matado 20 cidadãos moçambicanos e ferido mais de 50.

Estima-se que, desde o dia 21 de outubro, tenham sido mortas pelas forças de segurança mais de 30 pessoas.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal garantiu estar a “acompanhar a situação muito de perto” e condenou “os dois assassinatos” e “alguns atos de repressão”. “Acompanhamos a situação com uma grande vontade que as coisas corram bem, que os resultados e atas eleitorais apareçam e sejam todas publicadas, que haja pacificação e as forças políticas dialoguem para que Moçambique não regrida e possa dar um passo em frente”, disse Paulo Rangel, durante o início do debate na especialidade do Orçamento do Estado.