A generalização do teletrabalho e do trabalho híbrido é uma das principais mudanças apontadas pelos responsáveis ouvidos pela Lusa, numa altura em que cerca de uma em cada cinco pessoas empregadas faz teletrabalho, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas há outras alterações ainda visíveis.

A "aceleração da utilização das TIC, seja na gestão das empresas e na interação com clientes e fornecedores", nomeadamente com a aceleração do comércio 'online', ou "a gestão do tempo pelos trabalhadores" é um dos exemplos dados pelo presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes.

Ao mesmo tempo, a covid-19 trouxe ainda uma "maior preocupação com a Segurança e Saúde no Trabalho (SST) ao nível das organizações", com especial enfoque na saúde mental dos trabalhadores, que valorizam cada vez mais a conciliação da vida pessoal com a profissional, acrescenta o diretor-geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).

E, apesar de sublinharem que o recurso ao teletrabalho "pode ser uma solução boa para ambas as partes", há quem admita que pode gerar algumas "tensões" ou "riscos".

"A flexibilidade concedida aos teletrabalhadores permite-lhes, por exemplo, assistir a filhos doentes, sem ter qualquer perda financeira e ainda com o pagamento das despesas relativas ao teletrabalho. Quem não pode fazer teletrabalho porque as funções não lho permitem, suporta, pelo menos parcialmente, os custos de ter que ficar em casa", aponta João Vieira Lopes.

"Tendo em conta a dimensão média das nossas empresas, gerir estas realidades nem sempre é fácil", admite, sinalizando ainda que nos casos em que há regime híbrido há "cada vez maior pressão por parte dos trabalhadores para aumentar os dias em teletrabalho, ou situações em que os trabalhadores apenas aceitam trabalhar em regime de teletrabalho".

Por outro lado, Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, aponta ainda como "risco" o isolamento social dado que deixa de haver "contacto com os colegas, que é muito importante", bem como muitos trabalhadores já não terem "um local de trabalho em termos físicos".

Com a declaração do estado de emergência, o teletrabalho foi a principal solução encontrada pelas empresas para mitigarem os efeitos na atividade empresarial. Contudo, nem todos os setores puderam recorrer a este mecanismo, dado que há atividades que vivem do contacto presencial.

É o caso da restauração e o turismo, dois dos setores mais penalizados com a pandemia, cujas empresas se viram "obrigadas a encerrar temporariamente ou a reduzir drasticamente a atividade, o que levou à saída de muitos trabalhadores, que migraram para outras áreas e não regressaram", recorda a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).

E a mudança no perfil dos trabalhadores não tem ajudado. "Os negócios ligados ao turismo operam em horários não convencionais e em períodos que, para a maioria das pessoas, são tradicionalmente de descanso", pelo que a contratação de funcionários tornou-se "um desafio ainda maior após a pandemia, uma vez que muitos profissionais ficaram confinados ao ambiente familiar e, atualmente, tendem a valorizar mais o tempo que dedicam à família", explica Ana Jacinto.

Para colmatarem estas situações, as empresas ligadas ao turismo e à restauração têm apostado em diferentes "estratégias", como é o caso da formação de curta duração, tendo em vista "facilitar a entrada de profissionais de outras áreas", bem como têm apostado na "implementação de incentivos à empregabilidade e a promoção da valorização das profissões do turismo, para que sejam vistas como atrativas e consideradas carreiras de futuro".

Por outro lado, outra das alterações trazidas pela pandemia, foi a aposta no "modelo de take-away e delivery", com "muitas empresas" da restauração a recorrer a este modelo como "solução alternativa para manter a atividade" na altura da covid e atualmente "a manter esta a oferta, integrando-a como parte do seu modelo de negócio e garantindo uma nova fonte de receitas", adianta a secretária-geral da AHRESP.

Apesar de todas as mudanças trazidas pela covid-19, à exceção da UGT, os representantes ouvidos pela Lusa partilham da posição já transmitida pela ministra do Trabalho, que indicou que a legislação laboral "ainda está muito ancorada no modelo de trabalho presencial e clássico" com "horários muito estritos" e "regulares", pelo que defendem que deve ser revista.

O diretor-geral da CIP considera que "a Agenda do Trabalho Digno contribuiu para introduzir maior rigidez na legislação laboral portuguesa" e é bastante crítico relativamente a algumas medidas, apontando-as como inconstitucionais, como é o caso da proibição do recurso ao 'outsourcing' depois de um despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho, durante 12 meses, ou o fim da possibilidade de os trabalhadores abdicarem de eventuais créditos.

Rafael Rocha considera por isso, ser necessário "inverter este quadro, com vista à sua flexibilização" e especificamente sobre o teletrabalho, defende que "é necessário equilibrar o regime", "colocando em situação paritária trabalhador e empregador quanto à necessidade de fundamentação da recusa", bem como "reavaliar a autodeclaração de situação de doença do trabalhador", dado que esta "tem levado a abusos e custos, que não podem ser tolerados ou têm de ser, pelo menos, fortemente minorados".

A secretária-geral da AHRESP diz que é "urgente" dar "maior flexibilidade na contratação e na organização do tempo de trabalho", uma vez que "o perfil dos trabalhadores mudou significativamente".

"Deveremos ter um regime jurídico que permita acomodar todas as realidades e por isso sempre defendemos uma maior flexibilidade do tempo de trabalho", acrescenta João Vieira Lopes.

Certo é que a pandemia trouxe "um desafio inédito para todos", incluindo para o Estado, pelo que os responsáveis ouvidos pela Lusa apontam que globalmente as medidas tomadas pelo Governo foram as necessárias para salvaguardar o emprego e as empresas.

"No princípio, pensámos que poderia vir uma onda de desemprego gerada pela falência de empresas, que houve de facto, mas, felizmente, isso não se verificou", resume Sérgio Monte, apontando ainda que, cinco anos volvidos, o país conta com "níveis de emprego elevados" e com um "nível de população empregada dos maiores sempre", com cerca de 5,1 milhões de pessoas empregas.

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