O comércio digital revolucionou os hábitos de consumo. Em 2025 deverão entrar na União Europeia cerca de oito mil milhões de pequenas encomendas abaixo dos 150€. É provável que o número aumente porque, entretanto, a administração Trump acabou com o regime fiscal que isentava essas encomendas do pagamento de taxas aduaneiras e os fornecedores chineses precisam de escoar stocks para outros mercados.

A Comissão Europeia está preocupada com a invasão dos pequenos pacotes e com a evasão fiscal ao IVA e às taxas aduaneiras.

As alfândegas, sobrecarregadas, não conseguem controlar a entrada de produtos contrafeitos e fabricados com substâncias que há muito são reguladas na indústria dos 27. Os fabricantes têxteis europeus queixam-se da concorrência, que dizem ser desleal e feroz.

As substâncias proibidas

Se a tinturaria Tintex, em Vila Nova de Cerveira, quiser usar crómio VI para ajudar a fixar as cores no tecido estará a infringir uma lei europeia com quase 20 anos. O REACH act foi criado em 2007 para regular o uso de químicos potencialmente perigosos à saúde pública. A cada dois anos, a utilização das 150 substâncias é afinada e as empresas do espaço europeu são obrigadas a acompanhar as alterações. As regras da UE são controladas pelas autoridades de cada estado-membro.

Mas quem controla o que é importado fora do espaço europeu, como é o caso do comércio digital?

No modelo de negócio dos fabricantes que estão a 10 mil quilómetros de distância (China p.ex.), chamado business-to-Consummer (B2C), é quase impossível verificar a licitude do que é fabricado e vendido diretamente e individualmente ao consumidor.

A fiscalização

As alfândegas da UE estão sobrecarregadas com os milhões de volumes que todos os dias têm de filtrar.

No caso português, o último balanço social da Autoridade Tributária e Aduaneira afirma que desde que a entidade pública foi criada, em 2012, perderam-se mais de 14% dos recursos humanos, ou seja, em 2023 havia menos 1.694 trabalhadores do que 12 anos antes. Apesar da insistência, a Autoridade Tributária e Aduaneira não forneceu à SIC os dados sociais atualizados.

A incapacidade para fiscalizar a entrada de produtos ilegais e desconformes às leis europeias foi testemunhada pelo eurodeputado dos Países Baixos, Dirk Gotink, no aeroporto Charles de Gaulle, em fevereiro deste ano. O relator do futuro código aduaneiro da UE pretende legislar a favor dos interesses dos 27, mas os 27 demoram tempo a atingir consensos e nem sempre se entendem.

Os interesses

Os efeitos do ecommerce preocupam às altas esferas da União Europeia. Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas Europeu, entre 2021 e 2024, detetou “insuficiências graves” nos controlos dos estados-membros que originam fraudes, nomeadamente no pagamento do IVA. O desvio das receitas representou 89 mil milhões de euros em 2022. Quase tanto quanto o valor da despesa do Orçamento de Estado português em 2024, que era de 93 mil milhões de euros.

Mais de metade do comércio digital abaixo dos 150€ entra por via aérea, através da Bélgica e dos Países Baixos. São dezenas de aviões carregados de pequenos pacotes que diariamente chegam aos aeroportos de Liège, na Bélgica, o Charles de Gaulle, em França, ou Schiphol, em Amesterdão. Será coincidência que as plataformas digitais prefiram a entrada em países com multas mais suaves para quem prevarica?

O Tribunal de Contas Europeu responde que sem penas iguais na UE "os autores das fraudes podem explorar as divergências" e escolher o “ponto de importação mais conveniente”. Os produtores do têxtil nacional admitem que, nas confeções, há interesses contrários dentro o espaço europeu. Os países do norte enriquecem com o trading (a importação e distribuição), e os países do sul, como Portugal, Itália e Grécia, defendem a produção própria.

A Grande Reportagem ouve o descontentamento dos fabricantes, encomenda e coloca para testagem alguns produtos encomendados em plataformas digitais e toma o pulso à resposta da UE para controlar melhor o comércio eletrónico.

Ficha Técnica:

  • Jornalistas: Amélia Moura Ramos (Portugal) e Susana Frexes (Bélgica)
  • Imagem: João Lúcio (Portugal), Bruno Andrade e Tiago Lopes (Bélgica)
  • Edição de Imagem: Tiago Martins
  • Grafismo: Rui Aranha
  • Drone: 4KFly
  • Colorista: Gonçalo Carvoeiras
  • Pós-produção Áudio: Octaviano Rodrigues
  • Legendagem: Spell
  • Produção Editorial: Diana Matias
  • Coordenação: Miriam Alves
  • Direção de Informação: Marta Brito dos Reis e Bernardo Ferrão