O Benfica District é "um grande projeto para a cidade", por isso mereceu a presença do presidente da Câmara; os tuk-tuks e os TVDE têm de ser regulados, mas Lisboa não pode fazê-lo sozinha, a autarquia precisa do governo para isso. Quem o diz é Carlos Moedas, na quarta parte desta grande entrevista ao SAPO, em que o candidato da coligação Por Ti, Lisboa passa ainda em revista temas como o turismo, o problema do lixo, os planos para a cultura e dos resultados que deseja para as autárquicas de 12 de outubro.

Casas herdadas? "Medina deixou 256 em construção, nós demos mais de 2.700 chaves." Leia aqui a primeira parte desta entrevista

Bordalo II pôs Lisboa à venda há dias. Como é que reage a isto?
Eu gosto muito da cultura, tenho apostado muito na cultura, abri quatro museus, sete teatros, portanto, sobre isso estamos conversados. Depois há o ativismo, e eu não sei se aqui estamos a falar de ativismo, de arte, de política, de eleições, mas isso é uma pergunta que tem de ser feita ao autor. Não sei se Bordallo é candidato a alguma coisa... Mas aquilo que nós fizemos na habitação foi tão transformador que me sinto mesmo à vontade nestes temas. Se há alguém que entregou 2.700 casas, que ajuda muitos artistas e muitas pessoas a pagar a renda de casa ao fim do mês, se obrigação, somos nós. Nós estamos a pagar parte da renda às pessoas para elas poderem viver melhor. E não recebo lições de ninguém. A política está a ser feita por ativistas. Eu acho que os ativistas depois devem dar o exemplo e concorrerem, candidatarem-se a postos políticos. Se são políticos. Se não, devem continuar a fazer as suas coisas.

Lisboa tem turismo a mais?
Não, Lisboa tem hoje um milhão de pessoas que entram na cidade todos os dias. Desses, só 38 mil são turistas. Eu fiz tudo. Dupliquei a taxa turística para regular o turismo. Os cruzeiros passaram a pagar taxa turística — e eu acho que ainda devem pagar mais, mas neste momento já estão a pagar, que nunca pagaram. Abrimos e começámos a fazer outros polos de atração na cidade para as pessoas não irem todas sempre ao mesmo sítio. Criámos esta ideia da nova morada da Arte Contemporânea de Lisboa, que é todo este eixo até Belém, em que criámos dois museus, o Museu Julião Sarmento e o Museu de Arte Contemporânea, para levar as pessoas para outras zonas e outros museus em vez de se acumularem no mesmo ponto.

Lisboa tem hoje um milhão de pessoas que entram na cidade todos os dias. Desses, só 38 mil são turistas.

O turismo é muito importante, mas tem de ser regulado, e eu regulei muito. Eu fui o único presidente que diminuiu o alojamento local em Lisboa. Até eu chegar, o alojamento local aumentou de 500 até 19 mil licenças.

Também antes não havia um problema.
Quer dizer, quando chegou ali aos 19 mil, já havia, mas eu acho que não se viu que o problema estava a acontecer. Em 2010 não havia um problema, mas em 2015 já havia 15 mil licenças e nunca ninguém fez nada. E estarem a acusar-me é injusto, porque nós realmente diminuímos o alojamento local em Lisboa.

Tuk-tuks?
Estamos a fazer tudo para os regular, já os proibimos em 337 ruas, e vamos levar à reunião de Câmara esta noção da autorização do estacionamento. Porque eu não posso limitar o número de tuk-tuks, como também não posso limitar o número de TVDE. Eu gostava, e se estivesse no governo fazia-o, mas por lei, não posso. Então, aquilo que eu estou a fazer nos tuk-tuks é conter através das autorizações de estacionamento, dando só certo número de autorizações. A ideia é que haja mais ou menos 500 tuk-tuks — hoje temos mil. É a forma de ter um instrumento para aquilo que o Estado central não nos deixa fazer.

Eu não posso limitar o número de tuk-tuks, como também não posso limitar o número de TVDE. Gostava, e se estivesse no governo fazia-o, mas por lei, não posso.

Eu continuo a lutar contra o licenciamento zero, contra as autorizações que são apenas notificações. E eles próprios querem regulação, porque cada vez mais pessoas entram no negócio sem preparação, sem falar a língua, sem conhecer a História. Eu não posso permitir que na cidade haja pessoas que andam a contar histórias inventadas sobre Lisboa. Mas como residente da Câmara, não tenho instrumentos para impedir, por isso tenho de encontrar subterfúgios.

Há demasiados TVDE também?
Sim, e isto não pode ser o licenciamento zero a torto e a direito para tudo, senão é imparável. Nós temos situações de TVDE em que nitidamente o condutor não conhece as regras básicas do trânsito. Não é questão de fiscalizar, essa pessoa não pode ter uma autorização. E para tudo isto, temos de conseguir que o Estado nos ajude a tomar medidas radicais que só a ele competem. Do meu lado, vou tentando encontrar saídas. No caso das trotinetes, conseguimos diminuir o número com acordo de todos, nos tuk-tuks vamos conseguir com esta regra do estacionamento. Nos TVDE, não tenho maneira.

Aliás, fiz uma própria proposta para os limitar, porque eles começam a fazer mais trânsito na cidade, e fui imediatamente atacado. Portanto, eles chegam, põem uma licença, notificam e está feito.

Fábrica de Unicórnios?
Um dos maiores sucessos em termos de tecnologia em Lisboa. Temos 16 unicórnios com escritórios em Lisboa, que era o que eu tinha prometido às pessoas, mais de 82 empresas de cariz tecnológico que vieram para Lisboa, 16 mil empregos, todos os dias empresas estão a chegar a Lisboa e a contratar lisboetas. As pessoas acham que são só pessoas que vêm de fora, porque dão que falar, mas muitos são lisboetas, lisboetas no sentido da grande Lisboa. Eu estive outro dia num destes novos centros tecnológicos e há pessoas de Loures, Almada, Seixal que vêm para Lisboa criar e ter os seus empregos, em vez de terem de ir para outro país. Para mim, isso foi uma das grandes conquistas: os jovens lisboetas, nas engenharias, na tecnologia, conseguem ter escolha. Podem escolher se querem ficar em Lisboa ou ir para o estrangeiro.

"Estamos a trabalhar com o governo num plano de segurança para Lisboa." Leia aqui a segunda parte desta entrevista

Benfica District?
Um projeto importante para a cidade. Eu sou um institucionalista. O Benfica é uma organização muito importante no país, mas também um grande clube lisboeta, como outros grandes clubes lisboetas. Um projeto daquela dimensão imobiliária merece que o presidente da Câmara, em termos institucionais, esteja presente. Porque não é um pequeno projeto.

Mas também ainda não é propriamente um projeto. É um projeto de uma candidatura ao clube entre várias que vão a eleições.
Mas os projetos nascem assim. Primeiro, é um projeto feito por arquitetos estrangeiros e portugueses de grande qualidade, um projeto que está feito no seu detalhe, e que será depois entregue à Câmara para a Câmara avaliar na transparência, na legalidade. O presidente da Câmara não tem qualquer influência na aprovação dos projetos imobiliários.

Um Teatro em Cada Bairro?
Já vão seis e é para continuar. É uma ideia que tem transformado as comunidades, os jovens vão para lá ensaiar e tem havido uma ligação muito boa com a comunidade. Vamos continuar a fazer mais no próximo mandato.

O lixo em Lisboa?
O lixo em Lisboa é um problema antigo. Nós investimos muito, contratámos mais de 538 cantoneiros e recolhemos muito mais lixo, foram mais 30 mil toneladas de lixo do que era recolhido em 2021. É um problema em que temos que clarificar funções. Num segundo mandato, tem de haver uma grande clarificação sobre o que é que faz a Câmara Municipal e o que faz a Junta de Freguesia. Há uma coisa que a Câmara vai passar a fazer, que é recolher nos ecopontos o próprio ecoponto mas também os sacos à volta. Esta história de a freguesia recolher os sacos à volta e a câmara esvaziar os ecopontos não faz sentido. Isto para mim acaba. Vou clarificar todas estas funções.

Nós investimos muito, contratámos mais de 538 cantoneiros e recolhemos mais 30 mil toneladas de lixo do que era recolhido em 2021. (...) E é preciso clarificar funções. Se a freguesia não tem condições para o fazer então deve passar para a câmara.

Vai tirar essa função às juntas?
As pessoas estão cansados desta noção de que a freguesia se desculpa com a câmara e vice-versa. É um caso fácil de olhar e tem mesmo de acabar. Os casos do que é que a freguesia tem de fazer e de haver aqui uma coordenação com a câmara. A limpeza das ruas é a freguesia, as papeleiras também, tudo isso vem muito de trás. Se a freguesia não tem condições para o fazer então deve passar para a câmara.

Mas as freguesias têm capacidade para isso?
Aquilo que eu quero fazer é dar a opção. Se a freguesia não tem a capacidade para fazer, passa para a Câmara. Isso tem que ser uma opção dada, porque há freguesias que têm essa capacidade e que o fazem.

Mas isso não depende de uma transferência financeira da Câmara?
Depende da transferência financeira da Câmara, mas depois elas têm de executar. E há umas que não executam da mesma maneira do que outras. E, portanto, se não têm a capacidade, as pessoas, a organização, a Câmara pode tomar esse serviço de volta. Isto são ideias que estamos aqui a explorar para conseguir resolver problemas. E houve uma grande melhoria. Obviamente, quando há uma guerra política e se tira constantemente fotografias a sítios onde há alguém a pôr um saco de lixo no chão... O que me interessa é ir às ruas e ver se aquela rua melhorou ou não. E melhorou em muitas ruas, melhorou em muitos sítios, as pessoas reconhecem-no. Também há sítios onde não melhorou, porque a cidade é muito grande e o volume do lixo é muito grande — anda mais agora com as encomendas online, que trazem muito cartão que se acumula. Essas empresas deveriam ter uma responsabilidade no lixo.

Há aqui muitos temas que têm de ser abordados, mas há uma coisa que é clara: a quantidade de lixo recuperado foi muito mais do que alguma vez tinha sido e que vamos continuar a trabalhar e clarificar. E vamos retirar às freguesias algumas competências se elas não as cumprirem. Isso vai ser claro como a água, porque não podemos continuar nesta discussão entre as freguesias e as câmaras.

Transportes públicos de Lisboa?
Gratuitos para os mais novos e para os mais idosos. Um grande sucesso! Já são 105 mil pessoas e metade delas nunca tinha tido passe, portanto não andava em transportes. Aquela ideia de que isto não ia resultar, que as pessoas iam continuar a andar de carro não é verdade. É uma das medidas hoje mais faladas pela Europa fora. Nos fóruns ambientais, Lisboa é o exemplo, e isso é um orgulho.

Continua a ir de transportes para a Câmara uma vez por semana?
Sim, normalmente à sexta-feira, e gosto muito. Aliás, os motoristas da Carris quase todos me conhecem, porque eu acabo por contactar muito com eles. A Carris é uma grande empresa e os motoristas da Carris não são só motoristas, também são psicólogos, são pessoas que estão ali a ouvir pessoas zangadas, com problemas, gosto de lhes dar esse apoio. E nós investimos, renovámos a frota, comprámos 114 autocarros e 15 elétricos. É uma frota que era quase toda a energias fósseis, a gasóleo (eram 70%) e agora já mudámos metade. E vamos, até 2030, reduzir a zero para não haver autocarros em Lisboa a poluir.

"Não é só a Almirante Reis que vai mudar, estamos a desenhar um grande projeto para a Av. Liberdade." Leia aqui a terceira parte desta entrevista

Inaugurei pela primeira vez também uma obra muito adiada, que obriga os cruzeiros a estarem ligados à eletricidade quando estão no Porto de Lisboa, para não estarem a poluir a cidade com aquela gasolina toda. Demos há dias início à obra que vai levar os cabos elétricos de grande capacidade até ao Porto de Lisboa, o buraco já está ali ao pé das Olaias, que é onde vamos buscar a eletricidade para levar para o porto.

Os lugares para vereação e para as 24 juntas de freguesias já estão distribuídos pelos partidos da coligação?
Serão apresentados dia 18 de agosto. Os lugares para os partidos estão decididos, as pessoas ainda não, porque ainda não é a hora. Temos ainda muito a ver porque a escolha da vereação tem de ser feita muito pelo perfil que é necessário. Os vereadores têm de ser pessoas com um perfil de fazer. Eu tenho muito a agradecer a todos aqueles que me acompanharam até agora e que fizeram muito. E agora estamos nessas conversas e a decisão será tomada dia 18 de agosto.

Quero ter um ou uma grande vereadora para o espaço público, para tudo o que são estes problemas da cidade. Tem de ser alguém com experiência, que ponha a cidade a brilhar.

Tomada ou anunciada?
Tomada e anunciada. Porque, temos de entregar as listas no tribunal. Mas há tópicos que estão decididos na minha cabeça e há um que eu acho que é muito importante: quero ter um grande ou uma grande vereadora para o espaço público, para a higiene urbana, para tudo o que são estes problemas da cidade. Tem de ser alguém com mão nisso, com experiência, por isso estou a analisar quem pode ter essa incumbência sempre de pôr a cidade a brilhar. Isso para mim é muito importante, porque são essas pequenas grandes coisas que fazem a cidade. Fizemos um grande caminho, difícil, mas agora precisamos aqui de um empurrão, e para isso é preciso ter um grande fazedor.

Se não vencer as eleições, ficará como vereador?
Eu dediquei-me estes quatro anos, as pessoas conhecem-me. O meu objetivo é aumentar o número de votos. É esse o meu foco. Eu sou presidente da Câmara e quero continuar presidente da Câmara, com toda a humildade. As eleições são a voz das pessoas, mas é aquilo que sinto na rua, é essa continuação que as pessoas me pedem. Acredito que as pessoas hoje estão mais conscientes do meu trabalho e querem dar-me mais instrumentos. Para mim, o objetivo é ganhar, e obviamente quanto mais votos melhor, mais capacidade terei para resolver os assuntos das pessoas.