A solidez da análise crítica de cada um está pela hora da morte, já que não existe um único dado que justifique que imigração e segurança sejam temas prementes, em conexão, desde a tomada de posse deste Governo. Se nos detivermos com verdade na verdade da vida e dos factos, rapidamente exigimos como temas principais a saúde, a segurança social ou a habitação. Naturalmente, quando se pensa o Estado Social também se pensa, de forma positiva, a imigração. Não como problema, mas como componente do mundo do trabalho a ter em conta num país que é Estado social de direito.
A direita clássica contaminada pela extrema-direita iniciou a governação revogando o mecanismo da manifestação de interesses sem criar mecanismo alternativo, gritando “portas escancaradas” contra os factos e anunciando megaoperações policiais contra imigrantes pobres não-brancos em dias jamais vistos em democracia, por isso e pela aprovação da expulsão de imigrantes residentes do SNS. O horripilante “contra-a-parede” daqueles imigrantes suspeitos de coisa alguma foi normalizado e o resultado ridículo da opressão desconsiderado. A manifestação pacífica a favor dos valores da igualdade e da inclusão foi apelidada de extremista e comparada à vigília da extrema-direita. Para Montenegro, são simétricas.
Neste ambiente tóxico e mentiroso quer-se fazer esquecer que somos um dos países mais seguros do mundo, que o crime que mais mata em Portugal é a violência doméstica, que, desde 2022, por força do crescimento económico e dos níveis de emprego, recebemos, para nossa fortuna, a imigração que justifica os bons números da segurança social, a nossa agricultura, a nossa pesca e tantas outras áreas. O país, sem imigrantes, pararia, ficaria velho de vez e ficaria na mesma em termos de segurança.
A introdução da “perceção” no discurso político foi letal. Carlos Moedas reage com irritação a ótimos indicadores de segurança em Lisboa e trata de os desvalorizar.
Horas e horas e horas de debates em todo os OCS e no Parlamento sobre urgências inventadas e ainda há espaço para dizer que a culpa do crescimento da extrema-direita é da esquerda e das políticas identitárias. Imagine-se que a direita conseguiu convencer meio mundo que a consagração da igualdade entre sexos, a não discriminação com base na orientação sexual ou o antirracismo são coisas woke que enraiveceram as pessoas, pelo que talvez fosse de abandonar precisamente os direitos esmagados nos países dominados pela extrema-direita. Isto é: oferecer o ouro ao bandido.
Talvez perceber que as causas identitárias que deram cabo de algumas democracias foram as causas nacionalistas e de superioridade racial e religiosa ou cultural. Esse tipo de identitarismo aliado ao desprezo pelo Estado social conduziu, como explicou Miguel Vale de Almeida no “Público”, à construção da igualdade como inimigo. É isso que se está a passar nos EUA e em alguns países da UE. Entre nós, o partido identitarista é o Chega, que defende o ideal de Nação, de modelo único de família e de rejeição do outro. Esteve bem Pedro Nuno santos quando afirmou como nossas e irrenunciáveis todas as conquistas da igualdade e da liberdade.
É assim correto colocar a questão da imigração no lugar do mundo do trabalho digno e com direitos, no campo do Estado social. Pela positiva, porque os imigrantes não são causa de problemas do Estado Social, são contribuintes em milhões e, por isso, razão para aprofundamento daquele.
É imperdoável revogar sem mais a manifestação de interesses e retratar os imigrantes como criminosos. A manifestação de interesses diz respeito a 11% de gente, mas pode ser substituída por outro mecanismo. Não nos atirem para a os olhos a ideia de que é possível sair do país de origem com uma autorização de residência sempre e em qualquer caso, como se tivéssemos postos consulares para isso, como se o mundo funcionasse assim. Façamos as coisas bem e com verdade, solidários entre iguais, na República partilhada.