![A luta de Andrew para ser reconhecido como filho de Salgueiro Maia](https://homepagept.web.sapo.io/assets/img/blank.png)
Andrew tinha 22 anos quando soube a verdade. Há muito que desconfiava que aquele amigo da família pudesse ser mais do que isso.
Salgueiro Maia conheceu a mãe de Andrew nos Açores, três anos depois daquele dia que mudou Portugal. Em 1977, o homem que foi rosto da revolução, pagava o preço da sua independência política. Afastado dos poderes e das chefias militares, foi desterrado para funções administrativas em Ponta Delgada. Foi lá que conheceu Filomena e os irmãos, de quem se tornou amigo.
A jovem educadora de infância emigrou entretanto para os Estados Unidos, onde casou com outro português, num relacionamento que durou pouco. Filomena estava separada quando voltou a encontrar-se com Salgueiro Maia numas férias de verão em Portugal, em 1984. Andrew nasceu em abril do ano seguinte.
Um segredo com 22 anos
Andrew já era estudante universitário quando começou a olhar de forma diferente para as fotografias do herói português, de quem ouvia falar em casa. Uma amiga da faculdade comentou as semelhanças entre os dois e ele próprio começou a perceber que tinha expressões idênticas às de Salgueiro Maia.
Uma noite, levou para a casa uma cópia do filme Os Capitães de Abril, ganhou coragem e confrontou a mãe. Filomena libertou o peso que carregava há mais de duas décadas.
Um ano depois da revelação, Andrew veio a Portugal visitar a campa de Salgueiro Maia, em Castelo de Vide, e também conhecer locais e pessoas importantes para o pai. Uma delas foi Vasco Lourenço, que relatou à SIC o dia em que aquele rapaz lhe apareceu na Associação 25 de Abril.
Dezoito anos passados, o coronel recorda o espanto de, por breves segundos, pensar que tinha à sua frente o amigo Maia. Mal percebeu o que se passava, levantou-se para lhe dar um abraço. Haveria de ser Vasco Lourenço a organizar, a pedido de Andrew, o encontro com Natércia Salgueiro Maia, viúva do capitão de Abril.
Depois dessa conversa, Andrew regressou aos Estados Unidos com um propósito: mudar o nome. A 29 de agosto de 2008, o tribunal superior de New Jersey autorizou a alteração e a partir daí passou a constar o apelido Salgueiro Maia em todos os seus documentos.
Na certidão de nascimento, no campo que identifica o pai, mantinha-se contudo o nome do homem que, à data do seu nascimento, ainda era oficialmente o marido da mãe.
Andrew não conseguiu ultrapassar a mentira da sua identidade
Cinco anos depois, assim que teve meios financeiros e com a ajuda de familiares em Portugal, conseguiu contratar o advogado que haveria de levar o seu caso à justiça.
Na ação que entrou no Tribunal de Santarém, em agosto de 2013, o advogado Pinheiro Coelho fazia um duplo pedido: por um lado a impugnação da paternidade, ou seja, o afastamento do pai registral, por outro a investigação da paternidade, para aferir da possibilidade de Salgueiro Maia ser de facto o pai de Andrew. A viúva e os dois filhos de Salgueiro Maia nunca contestaram a ação.
Quando a lei ignora a ciência
A juíza de família e menores de Santarém aceitou o processo e dois dois anos depois autorizou o procedimento decisivo: a exumação do cadáver para a recolha de amostras biológicas, com as quais o Instituto de Medicina Legal de Lisboa realizou a perícia.
O estudo visa a obtenção do perfil genético dos intervenientes. A informação está inscrita no ADN de cada ser humano, como um código de barras que a ciência conseguiu decifrar. Parte da informação vem da via materna, a outra da via paterna.
Em setembro de 2016, chegaram os resultados. Andrew partilhava com Fernando Salgueiro Maia um dos dois números de todos os 21 marcadores estudados. A probabilidade de estar encontrado o pai atingiu um valor de 99,99996%.
Depois de ter aceitado a ação, de ter autorizado a exumação, de ter recebido a prova científica irrefutável, a juíza de Santarém concluiu, três anos depois do início, que afinal o processo nem devia ter começado. Andrew tinha falhado os prazos para levar a Tribunal o pedido de impugnação e investigação da paternidade.
A lei só permite fazê-lo até 10 anos depois de se atingir a maioridade, ou dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento que não era filho do marido da mãe.
Quando a ação entrou em tribunal, Andrew tinha feito 28 anos apenas há 4 meses e 5 dias. E logo ali assumiu que soube quem era o pai biológico 6 anos antes.
Depois de várias tentativas de recurso, Pinheiro Coelho, o primeiro advogado de Andrew, morreu há cerca de três anos, com a mágoa de não ter conseguido reverter a decisão.
Andrew, no entanto, não desistiu. Já este ano, voltou a contratar um advogado.
Especialista em direito da família, Rui Alves Pereira estuda agora uma hipótese de apresentar um recurso extraordinário, mas está consciente que o caminho para a justiça pode ter que passar primeiro pelo Parlamento.
Fernando Salgueiro Maia morreu em 1992, depois de três anos a lutar contra um cancro. Andrew acredita que foi isso que impediu o pai de ter reconhecido a paternidade.
FICHA TÉCNICA
Jornalista: Luís Garriapa
Imagem: João Lúcio
Edição: Tiago Martins
Grafismo: Juliana Pereira + Tomé Alves
Pós-produção áudio: Otaviano Rodrigues
Colorista: Gonçalo Carvoeiro
Produção editorial: Diana Matias
Drone: 4KFLY Filipe Melo
Coordenação: Miriam Alves
Direção: Bernardo Ferrão e Marta Brito dos Reis