Num momento de profunda transformação da ordem internacional, em que os equilíbrios de poder tradicionais são postos em causa por novas ameaças e por uma crescente imprevisibilidade estratégica, a UE enfrenta uma encruzilhada decisiva: ou assume, com realismo e determinação, a responsabilidade pela própria defesa, ou continuará a ser um ator secundário, dependente de vontades externas. Neste contexto, entendo que a França, mais do que qualquer outro Estado-Membro, reúne as condições militares, industriais, políticas e estratégicas para liderar este novo esforço de defesa europeia.

A erosão do multilateralismo, a agressão russa contra a Ucrânia, a instabilidade crescente na vizinhança euro-mediterrânica, a ascensão da China como potência global e a possibilidade real de uma redução do compromisso americano com a segurança europeia requerem pragmatismo. Por isso, a ideia de uma progressiva autonomia estratégica da UE, reforçando significativamente o pilar europeu da NATO, sem necessariamente duplicar as suas robustas estruturas de comando e controlo, deixou de ser uma ambição distante para se tornar uma necessidade imperiosa.

A França é hoje o único país da UE com uma dissuasão nuclear independente, uma presença militar global sustentada, uma indústria de defesa altamente desenvolvida e uma cultura estratégica consolidada. Estas características qualificam-na para uma função central na arquitetura de segurança europeia e impõem, de forma quase natural, uma responsabilidade de liderança.

Em primeiro lugar, a possível europeização da capacidade de dissuasão nuclear francesa, a que o Presidente Emmanuel Macron tem aludido nos últimos tempos, representaria um pilar de soberania europeia num mundo cada vez mais inseguro. A exclusão do Reino Unido da UE tornou a “force de frappe” francesa a única garantia europeia de capacidade dissuasora decisiva. Trata-se de um instrumento real de estabilidade estratégica, que pode ser integrado, de forma gradual, controlada e consensual, numa lógica de solidariedade europeia alargada.

Em segundo lugar, as Forças Armadas francesas demonstraram, ao longo das últimas décadas, uma capacidade operacional sustentada em teatros que se estendem do Sahel ao Médio Oriente, do Indo-Pacífico à Europa de Leste. Esta experiência operacional, combinada com um sistema de planeamento estratégico robusto e com uma doutrina militar madura, oferece uma base sólida para liderar iniciativas europeias de intervenção e de resposta rápida em todos os domínios operacionais. Aliás, França já demonstrou estar à altura de assumir tal liderança, ao ter lançado, em parceria com o Reino Unido, a Coligação de Vontades europeia para uma possível operação de garantia de segurança à Ucrânia, uma vez alcançado o desejável acordo de paz e o respetivo cessar-fogo.

A França dispõe ainda de uma das indústrias de defesa mais avançadas do mundo, sendo o 2.º maior exportador a nível global, com uma base tecnológica e industrial que assegura autonomia estratégica em domínios críticos como a aviação de combate, os submarinos nucleares, os sistemas de comando e controlo ou a inteligência artificial. Esta vantagem industrial deve ser colocada ao serviço de uma verdadeira soberania da UE, fomentando parcerias com as indústrias de outros Estados-Membros, com vista a favorecer a interoperabilidade, a padronização e a inovação conjunta.

Politicamente, a França é uma das vozes mais consistentes na defesa de uma autonomia estratégica genuinamente europeia. O Presidente Emmanuel Macron tem promovido a visão da UE como ator estratégico soberano, capaz de garantir a sua segurança e de projetar estabilidade. Esta ideia tem encontrado cada vez mais eco em diversos Estados-Membros, em especial depois da invasão russa da Ucrânia e do abalo provocado pelas incertezas sobre o compromisso americano a longo prazo.

É evidente que a liderança estratégica francesa não deve ser entendida como uma imposição ou um ato de hegemonia. Pelo contrário, é essencial que se desenvolva por um processo partilhado, articulado e respeitador da diversidade de interesses e sensibilidades dos parceiros europeus. Mas é uma liderança necessária, porque sem um motor estratégico claro, a defesa da UE continuará a ser o atual mosaico fragmentado de boas intenções e capacidades dispersas.

Naturalmente, que a cooperação franco-alemã deve ser o núcleo duro da defesa europeia. Contudo, importa reconhecer que a Alemanha, na atualidade, carece de um conjunto de recursos, capacidades e competências militares que a qualifiquem, por si só, para liderar a defesa europeia. Por isso, potenciar a complementaridade da cultura estratégica e da capacidade militar e industrial francesa, com a capacidade económica e tecnológica alemã, integrando os valiosos contributos dos restantes Estados-Membros, poderá constituir a alavanca decisiva da defesa europeia.

Também parece clara a necessidade de Portugal apoiar e participar ativamente neste esforço. A geografia atlântica, a nossa relação privilegiada com o espaço lusófono, a experiência adquirida em operações internacionais e as capacidades industriais em tecnologias de ponta, como os drones, conferem ao país uma função relevante na construção de uma defesa europeia credível. Mas essa defesa terá de ter, inevitavelmente, uma liderança definida e a França é, neste momento, o único país com a cultura estratégica e os meios militares para uma tarefa tão decisiva.

É tempo de a UE acordar para a realidade do século XXI, porque a segurança é uma construção permanente que, além de investimento sustentado, vontade política e coesão, exige liderança estratégica. A França pode e deve assumir esta responsabilidade, em benefício de todos os europeus que desejam uma UE forte, segura e soberana.