Tem sido bastante divertido assistir ao desespero de nomes atirados a trouxe-mouxe para a tômbola das Presidenciais, na loucura de encontrar alternativas partidarizadas àquele que se foi materializando na sociedade e que as bolhas político-mediáticas, que acreditam que decidem a vontade popular, agora acusam de se "posicionar", ainda que nunca tenha saído um milímetro daquilo que foram sendo as suas funções oficiais para deixar-se intuir candidato.

A hipótese de Gouveia e Melo foi-se desenhando fora dos palcos mediáticos e dos bastidores políticos e parece que ninguém está a conseguir lidar com um cada vez mais provável avanço do Almirante. A ponto de se insistir diariamente em nomes impossíveis, porque cansados de repetir que não avançarão, nem têm esse perfil não-executivo, como Pedro Passos Coelho — vergonhosamente tratado pelos mesmos que agora dizem querê-lo em Belém —, ou porque totalmente focados nas funções que ocupam, como Carlos Moedas na governação de Lisboa.

À direita e à esquerda, colecionam-se "indecisos" que não mobilizam, como Marques Mendes, Santos Silva ou Mário Centeno, e até se tem fé que António José Seguro já terá digerido a humilhação de ser chutado da liderança socialista e está disposto a ir a votos com o apoio do PS. Somam-se-lhes os inefáveis Santana Lopes e Ana Gomes, sempre prontos a tentar a sorte, e os sectários dos partidos mais radicais, que jamais prescindem de ter candidato próprio. Cabem todos na lotaria do comentariado, que só não engole o Almirante.

Quanto a Gouveia e Melo, diz-se que não se lhe conhece pensamento político (e não é de louvar que um militar não os expresse?!), argumenta-se que é inédito recusar apoios partidários (quando a própria lei eleitoral define que a candidatura a PR é livre de filiações, "exclusiva dos cidadãos eleitores"), e os que querem simular motivações mais bondosas lamentam a perda de um bom militar (num país que ridiculariza e ofende as suas Forças Armadas). Argumentos falhos para ocultar o cheiro a desespero.

A questão é que, na hora de ir a votos, a malta quer um militante, não um militar. E tentarão tudo para impedir esta possibilidade. Até desvalorizar uma carreira inteiramente cumprida ao serviço do país, agora publicamente encolhida num único momento visível, até esse considerado feito de pouca monta, tecida a narrativa de forma que se esqueça o caos na primeira tentativa de vacinação anticovid, ao qual Gouveia e Melo trouxe a ordem. É que o legado partidário (não político) sempre dá jeito em horas de aperto...

Curioso é o facto de esta discussão ser montada quando há um Presidente da República em funções, em plenas funções, e tão atento à atualidade como no primeiro dia do seu mandato. Assim será ainda durante um ano inteirinho e mais um pouco. E quem conhece Marcelo sabe como é Marcelo, que não se remeterá ao papel de mero observador, mesmo nos meses de poderes mínimos.

Ora, ainda antes de sermos chamados a substituir o chefe de Estado, em janeiro de 2026, há autárquicas em nove meses. E elas serão decisivas para consolidar a realidade política portuguesa, sobretudo caso André Ventura consiga a terceira marca de peso: conquistar uma ou mais autarquias (após ter chegado ao Parlamento seis meses depois de fundar o Chega e em apenas cinco anos conseguir sentar 50 deputados na Assembleia). São eleições difíceis para o PSD, mas mais ainda para o PS, que tem um terço dos seus 150 autarcas no final do último mandato que podem exercer, correndo sérios riscos não apenas de perder várias câmaras como até de ver algumas escapar diretamente para as mãos do Chega (por exemplo, nos distritos de Faro e Santarém).

Porque é que pouco ou nada se fala de autárquicas? Dirão que é a seleção do Presidente que entusiasma mais — acredita quem quiser que a eleição do PR move mais interesses, dinheiro, favores e cadeiras do que a escolha de 308 presidentes de câmara e mais de 3 mil presidentes de freguesia pelo país... para mais, em ano de execução recorde dos fundos do PRR.

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