Num mundo cada vez mais digital e dinâmico, as inovações tecnológicas e os designs digitais desempenham um papel crucial no desenvolvimento de produtos e serviços. Para responder a essas transformações e garantir a proteção dos direitos de propriedade intelectual, a União Europeia reformulou a legislação sobre design. A Diretiva 2024/2823, que entra em vigor em 8 de dezembro de 2024, atualiza as normas e procedimentos relativos à proteção do Design no mercado europeu. A mudança é significativa não apenas pelo seu caráter abrangente, mas também pela forma como se adapta às novas realidades da tecnologia digital, como animações, gráficos digitais e a impressão 3D.

Esta reforma pretende harmonizar as leis da proteção do Design em toda a União Europeia, oferecendo uma estrutura mais moderna e eficaz para a proteção de criações industriais. Com o intuito de apoiar a competitividade das empresas, garantir a segurança jurídica para os designers e combater a pirataria, a nova diretiva reflete o panorama atual de um mercado globalizado e em constante evolução. A seguir, exploramos as principais mudanças e as implicações desta nova legislação.

O que está em jogo: proteção de inovações digitais

O Design, que tradicionalmente se referia a aspetos visuais e estéticos de produtos industriais, tem agora uma definição mais ampla. A nova legislação inclui, pela primeira vez, designs digitais e animados, como interfaces gráficas de utilizador (GUI) e efeitos visuais criados por animações. Essas mudanças são um reflexo da crescente importância das tecnologias digitais no desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Com as novas regras, podem ser considerados para proteção por Desenho ou Modelo, por exemplo, os movimentos ou transições de uma animação, uma característica que não era contemplada pela legislação anterior. A atualização das normas visa proteger inovações que são essenciais no contexto digital atual, onde interações visuais dinâmicas são cada vez mais comuns, como em aplicativos móveis, jogos e plataformas de realidade aumentada.

Flexibilidade nas representações de design: um novo paradigma

A Diretiva 2024/2823 também simplifica as exigências para a representação de designs. Antes, os designers estavam limitados a representar os seus produtos através de desenhos estáticos, geralmente com um número máximo de sete vistas por objeto. Com a nova legislação, as opções tornam-se muito mais amplas. É agora possível submeter representações visuais mais detalhadas, incluindo animações e modelos tridimensionais. Essa facilidade abre novas possibilidades para o registo de Designs quer de objetos físicos quer digitais.

Essa mudança é particularmente relevante num contexto onde o design a proteger não é apenas uma imagem estática, mas pode envolver múltiplos ângulos, movimentos ou efeitos digitais. Para os designers, tal significa uma maior liberdade para proteger as características únicas e inovadoras de seus produtos de forma mais fiel ao seu funcionamento real.

Relevância para o mercado das peças de substituição

Outra das inovações mais importantes da nova legislação é a introdução da chamada cláusula de reparação. Esta cláusula visa liberalizar o mercado de peças de substituição, necessárias para a reparação de produtos complexos, como automóveis, máquinas ou eletrodomésticos. Segundo a nova regra, as peças de substituição obrigatoriamente compatíveis com o produto original poderão ser livremente comercializadas, mesmo que reproduzam o design do produto original.

É uma alteração impactante para os setores onde a manutenção e reparação de produtos são cruciais, pois aumenta a competitividade no mercado de peças de substituição. No entanto, a cláusula é restrita às peças que são essencialmente necessárias para restaurar a aparência ou a funcionalidade do produto, e não para peças que introduzam modificações estéticas ou funcionais significativas.

Esta alteração do âmbito de proteção não pode ser invocada pelo fabricante ou pelo vendedor de um componente de um produto complexo que não tenha informado devidamente os consumidores, através de uma indicação clara e visível no produto ou de outra forma adequada, sobre a origem comercial e a identidade do fabricante do produto a utilizar para a reparação do produto complexo, de modo a que os consumidores possam fazer uma escolha informada entre produtos concorrentes suscetíveis de serem utilizados para a reparação.

A implementação desta cláusula ocorrerá para todos os novos Desenhos ou Modelos pedidos depois de 9 de dezembro de 2024, mas manter-se-á a proteção para todos os Desenhos ou Modelos pedidos antes de 9 de dezembro de 2024, durante oito anos, para que os fabricantes se adaptem estrategicamente às novas exigências. Deste modo, é pretendido garantir tempo suficiente para que as empresas reestruturem as suas operações enquanto se mantém a proteção dos designs originais.

Combate à falsificação e pirataria digital

Outra área de destaque desta reforma é o endurecimento das medidas contra a falsificação e pirataria, especialmente no contexto da impressão 3D. Com o avanço desta tecnologia, tornou-se cada vez mais fácil criar cópias de produtos protegidos, o que representa um desafio significativo para os detentores de direitos de Design.

A nova legislação concede aos titulares destes direitos a possibilidade de utilizar procedimentos aduaneiros para impedir a entrada de mercadorias contrafeitas no mercado europeu. A proteção concedida compreende agora explicitamente produtos fabricados com o uso de tecnologias como a impressão 3D, procurando impedir a reprodução não autorizada de Designs. Com esta abordagem visa-se proteger os criadores, garantindo que a cópia ou reprodução ilegal das suas inovações é expressamente mencionada na lei, ajudando, assim, a preservar o mercado de inovações tecnológicas.

Em suma, a nova Diretiva 2024/2823 da União Europeia representa um passo significativo para a modernização e proteção das inovações no mercado europeu. Com um foco especial no design digital, na luta contra a pirataria e na extinção da proteção para peças de substituição, as mudanças trazem novas oportunidades e desafios para as empresas e designers. Juntamente com o Regulamento 2024/2822, relativo aos desenhos ou modelos da União Europeia, a presente alteração e harmonização legislativa tem o potencial de fortalecer a competitividade no mercado europeu, incentivando a inovação e a criatividade num ambiente dinâmico e global, ao mesmo tempo que liberaliza o mercado pós-venda de peças sobresselentes.

Consultor de Propriedade Intelectual na RCF – Protecting Innovation e vice-presidente do Grupo Português da AIPPI