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As "ruas betonadas" e os seus efeitos eleitorais

Recentemente, uma investigação realizada no Rio de Janeiro após as eleições de outubro de 2024, em que o actual prefeito, Eduardo Paes, foi reeleito na primeira volta com 60,47% dos votos, revelou que 58% dos entrevistados se declararam satisfeitos com o novo asfalto aplicado pela autarquia nas ruas onde residem. Esse factor pode, assim, ter influenciado o resultado das eleições. Será que existe uma relação entre a pavimentação realizada nos meses que antecedem os atos eleitorais e os resultados nas urnas e será esta relação também aplicável a Lisboa?

Acredito que sim: que existe um impacto direto da colocação de novos tapetes de betuminoso nas ruas das cidades nas semanas que antecedem as eleições. Em Portugal, a maioria dos eleitores costuma decidir o seu voto cerca de duas a quatro semanas antes das eleições. No entanto, estudos mostram que há uma proporção significativa de eleitores que faz essa escolha apenas na última semana, e até mesmo nos dias próximos ao pleito.

É certo que as eleições autárquicas, por outro lado, tendem a ter um comportamento de voto mais consolidado, uma vez muitos eleitores já conhecem os candidatos locais e no contexto de freguesias a ligação entre eleito e eleitor é mais forte mas, a competência pela manutenção das vias de trânsito cabe à Câmara Municipal, não às juntas de freguesia, mas essa informação não é do conhecimento da maioria dos eleitores pelo que o efeito de contágio através da requalificação das ruas chega também às listas autárquicas para as juntas de freguesia.

Se consultarmos o portal Base da contratação pública e, mais concretamente, procurando pelos contratos da Câmara Municipal de Lisboa sobre obras em pavimentos ou betuminosos encontramos apenas sete contratos deste tipo:

1. Rua Ernesto Costa e Avenida Rainha D. Amélia, Lumiar - 84,556.48€
2. Rua José Travassos, Lumiar - 50,857.51€
3. Praça do Império - 97,459.59€
4. Rua Mécia Mouzinho de Albuquerque, Alcântara - 26,623.08€
5. Rua Aliança Operária, Ajuda e Alcântara - 134,537.70€
6. Conservação de pavimentos em Lisboa - 149,900.00€

É certo que o último contrato parece ser um contrato "caixa negra" aplicando-se a vários arruamentos de Lisboa. Seis contratos parecem pouco... e de facto: são. Se procurarmos pela palavra "betuminoso" encontramos mais alguns contratos públicos que já somam a mais aproximada da realidade quantia de 3.37 milhões de euros (embora surgam alguns repetidos e que já constavam da lista anterior): As intervenções abrangem diversas zonas da cidade, com destaque para as freguesias do Lumiar, Alcântara, Arroios, Ajuda e Alcântara, e outras. Os valores das empreitadas variam consideravelmente, reflectindo a complexidade e a diversidade na extensão das obras. O número de contratos de 2023 é idêntico ao de 2024, o que indica uma relativa aceleração deste tipo de obras nos últimos meses.

De sublinhar que os estudos que acima indicámos apontam para que os eleitores cada vez decidem mais em cima das eleições o seu sentido de voto. Isto significa que estas obras de pavimentação podem ser decisivas se as eleições forem muito disputadas.

Acredito que, entre todas as obras que um presidente de câmara pode realizar e atribuir diretamente ao seu mandato ou influência, a aplicação de novos tapetes de asfalto se destaca sobre todos os outros tipos de obras através da sua visibilidade imediata. A população vê a transformação a ter lugar e sente que algo está a mudar na cidade. É verdade que, durante as obras, há perturbação no trânsito, mas quando estas terminam durante semanas ou meses a perceção persiste na mente dos eleitores.

Assim que as obras são concluídas, os moradores percebem de forma direta e imediata (sem mediação dos meios de informação) os benefícios das ruas recentemente asfaltadas. Ruas renovadas significam vias mais seguras, com nova sinalização e sem buracos, o que valoriza a área e os seus imóveis. As ruas renovadas tornam mais fácil a mobilidade pedonal, mas também para ciclistas, veículos e para quem se desloque em cadeiras de rodas.

O novo asfalto também beneficia o comércio e a imagem da administração autárquica, a nível da câmara e, por contágio, da junta de freguesia. As ruas bem cuidadas, especialmente com asfalto novo, mostram o compromisso do poder público com a área e pode atrair nova atividade comercial para a zona. Pelo contrário, ruas degradadas, passeios mal cuidados produzem o efeito oposto.

Tudo isto indica que pode haver - e provavelmente há e haverá em 2025 - um aproveitamento eleitoralístico deste tipo de obras no espaço público.

Propostas:
1. Planeamento estratégico e transparência nas obras públicas:
Para evitar a perceção de uso eleitoral das obras de pavimentação, a Câmara Municipal poderia implementar um cronograma de obras de pavimentação anual ou plurianual, divulgado publicamente, que mostre a distribuição das intervenções ao longo do mandato. Assim, a população perceberia que as obras de manutenção de vias ocorrem de forma contínua e não apenas perto das eleições.

2. Avaliação e consulta pública antes das intervenções:
Implementar uma consulta pública onde a população possa sugerir e priorizar áreas para pavimentação e manutenção do betuminoso. Isto aumentaria a transparência e o envolvimento dos cidadãos, que teriam um papel mais ativo nas decisões sobre as obras nas suas regiões. Desta forma, o sentimento de melhoria do espaço público seria percebido como um reflexo das necessidades dos cidadãos e não apenas como uma ação da administração pública.

3. Monitorização do impacto das obras nas regiões comerciais:
Medir o impacto económico das obras de pavimentação nas áreas comerciais, observando o aumento no movimento de pessoas e no número de novos estabelecimentos. Essas métricas poderiam ser comunicadas regularmente para que a população e os investidores compreendam os benefícios de um espaço público bem cuidado e atrativo.

4. Parcerias com empresas locais para conservação de vias:
Estabelecer parcerias com empresas locais para a manutenção e conservação das vias pavimentadas. Essas parcerias poderiam incluir acordos de responsabilidade social para empresas que queiram adotar ruas ou bairros, ajudando a reduzir os custos e a aumentar o cuidado com a infraestrutura pública.

Acredito assim que as obras de pavimentação podem, de facto, influenciar a perceção pública sobre a administração autárquica. A visibilidade e o impacto positivo destas intervenções, especialmente quando realizadas nas semanas que antecedem as eleições, geram uma impressão de progresso imediato, reforçando a imagem do governante. No entanto, para evitar perceções de oportunismo eleitoral, é fundamental que as administrações municipais se concentrem em uma abordagem planeada, contínua e transparente para a manutenção das vias públicas. Dessa forma, será possível assegurar que estas intervenções são vistas como um compromisso constante com o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento da cidade, independentemente do calendário eleitoral.

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