1. Agora que se prepara para avançar com a transição de liderança, o Grupo Osório e Filhos questiona-se sobre os desafios que o esperam na derradeira etapa do processo de sucessão...

O grupo Osório&Filhos está a atravessar um processo de transição de liderança da quarta para a quinta geração – do atual Presidente e CEO Manuel Osório  para o seu sobrinho Diniz, escolhido pela família como sucessor do presidente há cinco anos. Diniz aceitou com entusiasmo o convite e embarcou numa carreira internacional fora do grupo em empresas e cargos que oferecessem as melhores bases de preparação para vir a liderar o seu grupo familiar.

Regressado ao grupo, Diniz e o tio decidiram num modelo de transição gradual concluído com a formalização da transferência um ano depois, com o tio a passar a chairman no momento em que Diniz assumisse as funções de CEO. Todo o processo de sucessão seguiu à risca os princípios das melhores práticas. Mas é agora que se vai jogar o sucesso deste longo programa, na delicada fase da transição de liderança.

Para qualquer autor dedicado a empresas familiares, a transição de liderança é uma das etapas mais críticas do processo de sucessão e tem de ser gerida com o maior cuidado. Quando mal feita, uma transição pode ter graves consequências para o negócio, para a harmonia no foro acionista e para a própria organização, impactando resultados ou afetando a produtividade e a satisfação dos funcionários. No entanto, quando bem feita, vai relançar o negócio e desenvolver novos horizontes de competências e tecnologia, aumentando a harmonia cultural, a eficiência e os níveis gerais de satisfação da organização.

O líder cessante, o seu sucessor e a equipa de liderança desempenham todos papéis de relevo nesta etapa e são desenhados planos de transição para garantir que todas as partes estejam na mesma página desde o início. Esse alinhamento torna a mudança muito mais digerível e confortável para novos e antigos líderes e funcionários e cria espaço ao novo líder para mudar e inovar,  alinhando a empresa com um contexto externo mais exigente  para garantir a sua prosperidade.

No Grupo Osório & Filhos, é consensual a opinião de que o presidente tem uma personalidade forte mas elegante, sendo muito inteligente a ler e a liderar as pessoas. E Diniz sente que o tio receia que o modelo de gestão e a cultura que ele venera mudem demasiado com a transição de liderança tendo em atenção a personalidade necessariamente forte e própria do sobrinho.

É inegável que a personalidade forte e carismática do presidente marcou uma era de intenso desenvolvimento do grupo, sob um estilo de liderança muito próximo de todas as operações e uma voz que a organização aprendeu a respeitar e a seguir sem contestação. Mas Diniz tem a sua personalidade e estilo de liderança próprios que, sendo inegavelmente diferentes dos do tio, terão seguramente todas as condições para oferecer ao grupo uma era de criação de valor pelo menos tão forte nas próximas décadas.

Numa situação assim, e são tão frequentes, não  há dúvida: o desafio vai centrar-se em construir uma fronteira clara, confortável e estimulante de convívio profissional entre chairman e CEO na qual Diniz tenha espaço para desenvolver a empresa introduzindo a sua visão, o seu estilo e as inovações que entender – naturalmente alinhadas com o Conselho de Administração – e o tio se sinta preenchido na derradeira etapa da sua vida profissional.

2. O que torna uma transição de liderança bem-sucedida?

A necessidade de mudança acelerada assume-se hoje como crítica em qualquer organização: se um novo líder não introduzir mudança, é improvável que consiga que a empresa prospere. E apesar de  muitas vezes se colocar o foco nas componentes operacionais da mudança ignorando o fator interpessoal, quando se trata de talento, de pessoas e de motivação esta é muitas vezes a peça mais importante.

O líder cessante, o seu sucessor e a equipa de liderança desempenham os papéis centrais em processo de transição e  planos de transição claros e consensuais são decisivos para garantir  o alinhamento entre todas as partes desde o início. Esse alinhamento torna a mudança muito mais suave, confortável  e estimulante para novos e antigos líderes e quadros de topo.

Mas por mais cuidadosa que seja a gestão da transição, não se evitam nunca solavancos.  Uma vez tomada a decisão de recrutar um novo líder, vão começar os sussurros:  dúvidas sobre as competências e a visão de política de grupo do novo líder ou especulações sobre operações potencialmente interrompidas circularão antes mesmo que o novo líder assuma as rédeas.

Esta situação é frequente, mas em larga medida pode e deve ser evitada. Em cada etapa do processo de transição de liderança, o novo líder e a sua equipa de gestão de talento podem antever potenciais desconfortos e as suas fontes e preparar um plano que promova uma atitude vencedora e a garantia de uma experiência positiva para todos.

Pai e filho
Pai e filho

Manuel Osório, o seu sobrinho, os quadros de topo e a família têm estudado caso similares e refletido profundamente sobre a melhor forma de conduzir a transição neste ano e depois nos seguintes, já depois da troca de liderança formal. E chegaram a várias conclusões. Duas delas surgem como recomendações para o CEO ao assumir o seu novo papel...
-  O CEO deve abandonar as suas funções atuais e abraçar novas dinâmicas relacionais com antigos colegas;
-  O CEO deve assumir uma gestão eficaz dos stakeholders e da política interna.

Mas a experiência mostra que o fator mais determinante tem a ver com a definição de funções, responsabilidades e grau de autonomia do CEO, o papel, responsabilidades e delimitação de poderes operacionais que o seu antecessor assume e todo o contexto que vai marcar a relação entre Manuel Osório e o seu sobrinho Diniz ...

3. A relação entre antecessor e líder e a clareza do papel de cada um a partir do momento de transição formal é seguramente o fator mais importante no sucesso do processo de transição

As funções do CEO têm uma natureza executiva direta e relativamente fácil de definir dentro dos princípios de melhores práticas de Corporate Governance e isso está feito no grupo. Já no caso da posição do antecessor, se este quiser continuar ativo no grupo existirão naturalmente funções e responsabilidades incontornáveis em termos dos princípios de Corporate Governance, como chairman, presidente do Conselho de Família ou outros. No entanto, podem não ser suficientes para extrair o valor acrescentado potencial que a experiência e as qualidades do antecessor pode continuar a oferecer ao grupo e a sua própria satisfação e realização pessoal com o dia-a-dia nas suas novas posições.

Torna-se por isso  necessário definir para o chairman as funções, responsabilidades e a própria liderança de programas ou iniciativas atuais ou novas no seio do grupo. Ao mesmo tempo esta definição tem de ser feita para a função de CEO para clarificar o seu espaço de autonomia e assegurar a complementaridade de funções que é absolutamente fundamental para a qualidade da relação entre  chairman e CEO e, consequentemente, o fortalecimento do desempenho do negócio e o bem estar da própria organização.

Embora muitas vezes não se dê a devida importância a este aspeto, é de facto decisivo que no papel do antecessor como o do seu sucessor fique muito claro:

  • A compatibilidade entre o conjunto de funções e responsabilidades com o tempo que o novo chairman pretende dedicar ao grupo;
  • O conteúdo das funções a todos os níveis;
  • As responsabilidades particulares que possam estar incluídas na função do chairman para além das que derivam da gestão do modelo de Corporate Governance do grupo e que possam tirar o maior partido do talento e da experiência de Manuel Osório para o grupo, deixando-o realizado e ocupado e retirando a tentação de intervir na esfera do CEO;
  • O modelo de relação com o sucessor, em particular na abertura à busca informal de opiniões e ideias por parte do novo CEO.

4. O segredo da transição está na qualidade da plataforma de relação entre o novo líder e o seu antecessor – não só no período que leva à transição formal mas muito depois disso

Do que fica dito, trata-se de estabelecer uma plataforma de trabalho comum entre chairman e CEO que defina e delimite claramente a natureza e complementaridade das funções e responsabilidades de cada um fazendo com que ambos tenham as melhores condições de trabalho,  potenciando uma cooperação saudável e um forte sentido de realização pessoal.

A plataforma deve estar vertida num charter claro, objetivo, completo e inambíguo, mas não agressivo para ninguém e que estimule um excelente ambiente de complementaridade e cooperação entre chairman e CEO e esse charter estabelece regras para a intervenção de CEO e do chairman, mas também obriga a que se criem condições de convivência e comunicação que dê a ambos conforto e prazer em trabalhar um com o outro.

A ARBORIS considera por isso aconselhável que mesmo até à transição formal não se olhe para a etapa como um todo mas sim uma divisão em duas subetapas – primeiro a  conceção do charter e do plano e de seguida uma monitorização do processo  até ao momento de transição formal. A natureza da segunda fase depende largamente do resultado da primeira fase.

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Se os atores chave envolvidos na transição de liderança no grupo Osório & Filhos mantiverem a consciência dos desafios e requisitos apresentados e a disciplina e sensibilidade na sua aplicação no terreno, o grupo terá todas as condições para um programa bem sucedido. O novo líder terá o espaço para propor e implementar novas iniciativas de acordo com a sua visão, o Tio estará ocupado e feliz nas suas novas funções não executivas e a amizade e cumplicidade entre ambos só vai crescer e disso em muito o grupo beneficiará.

Mas é este o padrão geral? A transição de liderança é normalmente bem gerida e bem sucedida em grupos familiares? Como sempre, cada caso é um caso com as suas características próprias, mas vários grupos familiares têm enfrentado desafios similares ao longo da sua história e a análise destes casos revela-se um elemento de grande valor acrescentado. É incontornável partilhar aqui alguns desses casos.

5. Casos emblemáticos de processos de transição de liderança bem geridos

  • I. Amancio Ortega para Marta Ortega
    Ortegas
    Ortegas

     

    A filha mais nova do Fundador Amancio Ortega,  Marta, foi sempre a sua preferida. Iniciou a sua carreira no grupo em 1985 numa loja Zara em Londres e foi subindo, com uma participação crescente na valorização das coleções Zara, aproximando-as dos padrões de alta moda. O Pai prepara a filha durante décadas par a sucessão. Em 2021 Marta torna-se CEO. A transição é rápida, gerida de perto pelo Pai mas que rapidamente sai de cena para se refugiar onde gosta, em La Coruña a apoiar jovens equipas na conceção das suas linhas de roupa. E Marta tem tido um desempenho espetacular.

  • II. Piero Antinori para Albiera e as irmãs
    Albiera
    Albiera

     

    Piero foi o grande patrono da família Antinori durante cinco décadas. Líder da 26.ª geração da casa fundada em 1385, foi o obreiro do tremendo crescimento e impressionante reputação dos vinhos da família. Em 2017, Piero Antinori reformou-se oficialmente e iniciou um processo de transição onde Albiera assume o título de presidente, mas as responsabilidades pela empresa são divididas entre as três irmãs : Alessia supervisiona o Antinori Art Project, enquanto Allegra cuida de seus restaurantes. O CEO e enólogo Renzo Cotarella reporta a Albiera. Piero Antinori continua, aos 85 anos,  a acompanhar o negócio como consultor das filhas.

  • III. Vasco de Mello para Salvador de Mello
    Mello
    Mello

     

    Em 2021 aos 64 anos, Vasco de Mello, o patrono da quarta geração do Grupo José de Mello passa a presidência da comissão executiva do grupo ao seu irmão Salvador de Mello, que até à altura liderava a rede de hospitais e clínicas CUF e o Health Cluster Portugal. A transição suave que marca a cultura da família é preservada, facilitada pelo facto de Vasco de Mello se manter como chairman do Grupo mas abrindo ao novo líder executivo novos horizontes abertos com alterações recentes no portfolio. E Salvador de Mello não esconde a vontade de imprimir a sua marca. “O grupo não muda a liderança por mudar”.

  • IV. Aveleda
    Aveleda
    Aveleda

     

    Uma casa centenária de elevado prestígio no setor do vinho, a Aveleda passa por várias eras de liderança até aos anos 90 quando António e Roberto Alves Machado Guedes assumem em paridade a gestão da empresa, um modelo “bicéfalo” harmonioso inédito. Este modelo é preservado de forma notável na geração seguinte quando os filhos de ambos, António e Martim, assumem em 2013 a liderança da empresa. Uma transição exemplar suportada pelo papel não executivo dos pais, hoje apenas por Roberto dado o falecimento de António em 2022.

  • V. Vito para Michael Corleone
    Corleone
    Corleone

     

    Quando Mario Puzo escreveu a sua obra-prima, deixou bem vincados nos Corleone os fortíssimos laços das tradicionais famílias italianas emigradas nos Estados Unidos. Mafiosos, criminosos, assassinos ... mas a família está sempre no centro de tudo. E quando o patriarca Don Vito sente que é altura de ceder o seu lugar, escolhe o que sempre foi o seu filho preferido. Ainda Padrinho, Don Vito prepara com esmero Michael para o que o espera. E quando sente o filho preparado chama os mais próximos, comunica a decisão, coloca o filho na cadeira do chefe de família para o beija-mão e sai da sala. Sai e não volta, o Padrinho é o filho e ele já não tem nada a ver com os negócios. Uma transição exemplar.

5. E transições de liderança que não correram bem

Em Portugal, como noutros países, abundam as transições que não correram bem porque o trabalho de preparação não foi bem feito e, na maior parte dos casos, o líder em funções tem dificuldade em conceber que deve passar a liderança a outra pessoa. Esta dificuldade do líder leva-o a evitar começar sequer um processo de sucessão ou, se esse processo já está a correr, a considerar seriamente fixar uma data para a transição e seguir um programa sólido que conduza a uma transferência de poderes saudável.

Agradecendo a compreensão para omitirmos nomes de empresas nacionais por uma questão de elegância e confidencialidade, termino com um exemplo estrangeiro, que há poucos anos atrás todos esperávamos que fosse uma melhor prática mas que se transformou afinal em mais um caso de excessivo apego do fundador ao poder... ou de falta de confiança nos seus filhos para tomar o seu lugar numa altura em que ainda terá as melhores condições físicas e mentais para os apoiar partindo duma posição não executiva. Falamos do império LVMH de Bernard Arnaut.

A LVMH nasce da ideia do fundador Bernard Arnaut em 1980 em criar o primeiro grande  grupo de marcas de luxo. A holding familiar tem 47% do capital e 63% dos direitos de voto e Bernard Arnaut acumula desde 1987 os cargos de CEO e chairman do grupo. É hoje aos 75 um dos homens mais ricos do mundo. Se é verdade que se dedicou muito a cada um dos cinco filhos e lhes ofereceu belas carreiras no grupo, hesitou na sucessão. Primeiro comunicou que seria a filha mais velha, depois que seria o filho mais novo. E há meses deu a estocada final dizendo que o lugar continuaria seu pelo menos até aos 80 anos. Uma transição não falhada? Pior, uma transição abortada.

6. Uma palavra final

Temos dito inúmeras vezes que a maior ameaça à preservação do legado e à própria sobrevivências de um grupo empresarial de raiz familiar é a sucessão. Não acredito que ninguém que esteja a ler estas linhas não conheça casos em que um negócio familiar se desmoronou por falta de sucessor, por falta de consenso na escolha do sucessor ou por incompetência do sucessor escolhido. São os casos mais bombásticos.

Mas há depois os casos em que a sucessão falha porque o antecessor se continua a imiscuir na liderança executiva da empresa ou porque confronta, sem razão e muitas vezes com violência as ideias, iniciativas e ações do sucessor. Este é o resultado duma gestão de transição deficiente.

A gestão da transição é o último passo no longo processo que é a sucessão e a generalidade dos líderes acham que é o mais fácil. Mas há um pequeno conjunto de regras de ouro que não podem ser violadas e exige naturalmente que antecessor e sucessor as conheçam e aceitem cumpri-las, de boa fé e sem contrariedades. É importante que líderes e candidatos a sucessores compreendam a criticidade da gestão da transição , que não a menosprezem e que cumpram as poucas regras de ouro. Se assim for, a gestão da transição vai garantir que todo o processo de sucessão atinge em pleno os seus objetivos.