
A imprensa regional (jornais e rádios – papel e online), setor da sociedade com centenas de anos no nosso país, representa a primeira linha de notícias ao dispor dos leitores da região em que se inserem. O jornalismo regional remonta ao tempo dos nossos avós, trisavós e por aí vai mais umas boas gerações atrás. A forma de expressão deste tipo de veículo noticioso sempre se resumiu,
em grande parte aos seus conteúdos, a retratar, sem grandes floreados, o dia a dia do território em que se inserem, de uma forma mais terra a terra, com um português mais genuíno e simples. Os primeiros jornais regionais serviam também para aproximar, de alguma forma, os seus leitores aos assuntos da sua área de vivência, tratando temas muito importantes localmente, mas sem
grande interesse para o território limítrofe. É a regionalidade em si, que se concentra num grupo de pessoas que comungam os mesmos valores territoriais, sejam culturais, económicos ou políticos, entre outros.
Sempre foi a missão deste veículo de informação (jornalismo regional em si), servir a sua população, relatando os acontecimentos e os factos, aplicando as normas do jornalismo em vigor, à altura da ação (antes ou após o estado novo). Se até à revolução as regras eram menos apertadas ou havia mesmo falta de algum regulamento que ditasse a forma como estes órgãos se deveriam gerir
(em termos editoriais, claro), o 25 de abril de 1974 veio mudar consideravelmente a forma de estar da imprensa regional.
A missão do jornalismo regional nos últimos 50 anos não mudou, mudaram sim foram as regras de acesso e a condução dos veículos de informação regionais. Desde logo ficámos abrangidos pela lei que regulamenta o jornalismo e os jornalistas, no que diz respeito aos seus direitos e deveres. O jornalista regional (na lei não existe esta classificação, pois jornalista só há um perfil) deve
observar todos os artigos da lei do jornalismo e atuar em conformidade com o que lhe é permitido. O jornalista e o veículo informativo devem cumprir todas as regras dos decretos que norteiam esta atividade secular, sem exceções nem existindo regulamentação própria adaptada à realidade do panorama regional. Ponto final!
O problema começa agora a ser vislumbrado. Se temos os mesmos deveres do jornalista e do jornalismo nacional, não deveríamos ter os mesmos direitos? É a velha situação, de que uns são filhos da mãe e outros são filhos da “Maria da Conceição”, para não dizer algo pior. Mas tem algum cabimento pagarmos os mesmos impostos, estarmos sujeitos às regras de conduta do jornalista, sermos auditados pelos mesmos institutos, sermos sancionados pelos mesmos artigos de lei e termos uma diferença tão grande nos apoios existentes, comparativamente ao jornalismo nacional? O fosso é enorme. Aliás, nem comparação tem. A imprensa regional, em termos de apoio, resume-se ao porte pago (apoio no envio dos jornais via correio) e mesmo esse apoio queriam cortar.
Nunca tivemos uma agenda política bem definida que se propusesse estudar as necessidades deste setor em particular e legislar no sentido de dar melhores condições à imprensa regional. É urgente uma agenda política para duas áreas importantíssimas. Construir um verdadeiro regulamento para o jornalista e para o jornalismo regional. São duas áreas diferentes, que se complementam.
O governo anterior começou este trabalho, apresentando algumas propostas, insuficientes, mas mesmo assim foi um começo. Este novo governo herdou o dossier iniciado e espera-se que o desenvolva, que vá mais longe, que quebre barreiras, preconceitos e lóbis há muito instalados. Será que vai existir coragem para isso? Tenho as minhas dúvidas, mas cá estarei para ver.
É necessário entender que o jornalismo regional é um serviço público. É o serviço público informativo que mais chega às pessoas. Todos os órgãos regionais juntos alcançam os 100% das pessoas que consomem informação. Aliás, se quisermos ser mais rigorosos, apenas 23% dos órgãos regionais alcançam os 100% da população portuguesa. A RTP, onde o estado mete centenas de milhões de euros anualmente, através de dotações diretas e das nossas taxas do audiovisual, tem um share de pouco mais de 10%. Para a RTP são milhões, para o regional são zero. E esta, hein? Já dizia o meu conterrâneo, Fernando Pessa.
Claro que este exemplo da RTP é um caso entre muitos. Temos quase todos os grupos de comunicação nacionais a receberem milhões do estado, seja em dotações diretas, apoios a produtos (como o caso do apoio direto às assinaturas mensais exclusivas aos nacionais), à contratação de publicidade a custar milhões ou à compra de “espaço de propaganda” com fins muito pouco éticos.
Não bastasse a ausência de apoios ao setor regional, a ausência de um regulamento que defina o papel do jornalismo e do jornalista de proximidade, é objetivo do regulador, nalgumas propostas em estudo, saídas do anterior governo, forçar o jornalismo regional a equiparem-se em tudo ao jornalismo nacional, sem a parte dos apoios, pois claro. Ou seja, e dando apenas um exemplo entre muitos que estão em estudo, querem redações com jornalistas credenciados, a ganharem ordenados incomportáveis para a nossa dimensão.
Para alguns jornais, propõem também uma espécie de subsidiodependência dependente das câmaras municipais (que não veem com bons olhos esta medida). E reparem no uso da expressão “para alguns jornais”. E quem são esses jornais? São simplesmente órgãos de comunicação indicados pelas duas de três associações de imprensa existentes em Portugal. Com a aprovação das novas diretivas para a imprensa regional, os órgãos são forçados a adaptarem-se ou a encerrarem. Quem está na listagem de ouro, vai sobrevivendo com a subsidiodependência, quem não está, fecha portas. Não consegue cumprir os novos requisitos e torna-se financeiramente inviável.
E desta forma, limpam-se mais umas centenas de órgãos de comunicação regionais do mapa (em 2022 contavam-se 1723 e agora somos apenas 856) e quem fica vai ficar tão amarradinho ao dinheiro vindo do poder local (câmaras), que vai deixar de fazer jornalismo e vai passar a fazer é mais propaganda. E daqui a 5, 10 anos, ajustam-se de novo as regras, para excluir aqueles que de
alguma forma conseguiram furar o esquema ardiloso do governo, para controlar e manietar o jornalismo regional. Não é preciso ir a Coimbra tirar um curso de economia para perceber para onde estamos a ir. Mais regras à atividade jornalística regional versus menos apoios ou apoios insuficientes, só pode ser igual ao fim de um setor independente.
Mesmo quem seja jornal de ouro (listagem dos escolhidos), vai rapidamente perceber que o dinheiro não é tudo e que não paga a perca da essência jornalística regional.
A ser realidade este exercício de futurologia que estou a fazer, vai ser o regresso das rádios piratas, dos jornais ilegais e da informação sancionada.
Deixo à vossa imaginação as consequências nefastas que podem advir desta estratégia governamental e se recordam algures no passado algumas semelhanças com outras realidades já ultrapassadas. É caso para dizer, já vi este filme algures.
Neste momento urge fazerem-se duas questões: Porque é que em 50 anos nada mudou e o que mudou foi para pior, no jornalismo regional? Como se combate esta estratégia que visa afundar este setor?
Nas próximas semanas irei responder a estas duas questões, e a mais algumas, com a devida isenção e profundidade, para que possam refletir e interiorizar que o jornalismo regional em Portugal está doente e entregue a médicos sem formação, que vão acabar por matar o doente, ou no mínimo deixá-lo num estado comatoso.
O nosso legado é o nosso maior presente para os vindouros. Um dia a história vai julgar-nos a todos. Ninguém escapa a esse julgamento!
José Vieira – Jornalista e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APMEDIO (Associação Portuguesa dos Media Digitais Online)