Um estudo nacional sobre políticas de inclusão demonstra que as pessoas com deficiência são discriminadas “praticamente em todas as áreas”, alertou o coordenador, que sublinhou o estigma que a sociedade ainda demonstra em relação a estas pessoas.

O Sistema de Indicadores de Políticas de Inclusão (SIPI), coordenado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, recolheu ao longo de 2025 respostas de 721 pessoas com deficiência em idade ativa, para aferir o que as próprias entendem sobre o impacto das políticas públicas nas suas condições de vida.

Posteriormente serão adicionados os dados administrativos e o impacto da deficiência nas famílias.

Em entrevista à agência Lusa, o coordenador apontou que os inquéritos “demonstram uma vulnerabilidade acrescida das pessoas com deficiência, independentemente dos esforços que têm vindo a ser feitos a nível político nos últimos anos”.

O investigador entende que essa vulnerabilidade está “muito relacionada também com o estigma que a sociedade ainda tem relativamente a estas pessoas”.

“O estudo demonstra uma transversal discriminação praticamente em todas as áreas. Desde a escola, onde muitas vezes os alunos com deficiência são discriminados pelos próprios colegas, (…) mas também por professores e por outros agentes educativos, mas depois também a nível do emprego”, salientou José Miguel Nogueira.

Na educação, o estudo revela que os tipos de discriminação mais frequentes são o gozo/chacota (68%), a agressão ou pressão psicológica (56%), ou exclusão de atividades regulares da turma e/ou visita de estudo (52%).

“Somente 38,1% dos alunos apresentou queixa, mas 75% destes considera que a situação não foi bem resolvida”, lê-se no estudo.

José Miguel Nogueira disse que as acessibilidades são um problema crónico e alertou para a discriminação no acesso ao emprego.

Mesmo quando as pessoas encontram um emprego remunerado, “também se confrontam com situações de discriminação e de preconceito”.

“Esse preconceito muitas vezes tem a ver com aquilo que os colegas pensam, que os colegas dizem, as chefias, hipótese de progressão na carreira, cargos de chefia, etc., em que sentem de facto que existe discriminação”, exemplificou.

Segundo o responsável, a discriminação é também visível no acesso à cultura, desporto ou política e considerou “muito deprimente” que 10% dos inquiridos que revelaram fazer parte de um partido político se queixem da falta de condições para se fazerem ouvir dentro do próprio partido.

Para José Miguel Nogueira, a explicação reside nos “séculos de discriminação relativamente àquilo que é diferente” e que hoje é patente, não só em relação à deficiência, mas sobre outros grupos minoritários e que “são ostracizados em nome de uma determinada normalidade que a sociedade pretende construir ou que certos níveis da sociedade pretendem construir”.

Lembrou há “uma barreira muito grande entre aquilo que é a produção legislativa e aquilo que depois é a implementação e aquilo que as próprias pessoas fazem com essa implementação”, defendendo que “ainda existe uma discriminação grande” que é visível “nas manifestações das pessoas perante as pessoas com deficiência”.

Apesar de entender que o estudo pode ser uma chamada de atenção para o caminho que ainda falta percorrer, recusou a ideia de que não se tenha feito nada, apontando, por exemplo, que Portugal está “no topo das medidas de apoio ao emprego”.

“Eu gostava que estes dados, em primeiro lugar, servissem como um alerta, mas, em segundo lugar, que contribuíssem também para uma reflexão” e para que os decisores políticos pudessem “fazer melhores políticas públicas, políticas mais inclusivas”, defendeu José Miguel Nogueira.

Salientou ainda que “nunca houve nenhuma ditadura das minorias”, – e isso “é matéria de facto” – e que “as pessoas com deficiência são, ao longo da história, a minoria mais discriminada de todas as minorias”.

O SIPI é um projeto-piloto desenvolvido com a parceria do Instituto Nacional de Reabilitação e de mais 30 organismos públicos, 28 organizações não-governamentais com trabalho com pessoas com deficiência e 16 outras entidades setoriais da sociedade.