
Quantas vezes, ao andar nos transportes públicos, conseguimos realmente olhar para alguém nos olhos? A maioria de nós prefere manter a cabeça baixa, com os olhos fixos nos pequenos ecrãs dos nossos telemóveis. A face séria e concentrada parece esconder algum grande segredo ou desafio. Se alguém nos observasse de fora, pensaria que estamos a resolver problemas importantes ou a desvendar enigmas da humanidade. No entanto, se tivermos coragem de espreitar o que está realmente a acontecer nesses ecrãs, o que encontramos? Tweets, atualizações no Facebook, vídeos curtos no Instagram. Nada de mais. A vida continua a passar à nossa volta enquanto estamos imersos em um mundo paralelo.
Este comportamento não se limita aos transportes públicos. Em qualquer sala de espera, seja numa escola, numa consulta médica ou num restaurante, o cenário é o mesmo. Todos com o olhar fixo no telemóvel, como se o mundo real não fosse suficientemente interessante ou importante para ser observado. Antes, esperávamos a nossa vez de ser atendidos com um sorriso, uma conversa casual, ou até um simples olhar que estabelecia uma conexão humana. Agora, a máscara da seriedade nos protege, e qualquer tentativa de interação é ignorada, como se os outros seres humanos fossem apenas figuras de fundo, de uma cena em que somos os protagonistas, com os nossos ecrãs.
Mas, por que chegámos a este ponto? Para responder a isso, é preciso olhar para a nossa natureza. Somos, por instinto e evolução, seres sociais. Como mamíferos, a solidão não é natural para nós. Precisamos dos outros para existir de forma plena. Os lobos, os chimpanzés, os golfinhos, os elefantes, todos eles vivem em grupos, exatamente como nós, humanos. Somos feitos para viver em comunidade, para partilhar experiências, para resolver problemas em conjunto. A nossa necessidade de estar com outros é tão profunda quanto a necessidade de respirar.
Essa necessidade de sociabilidade está no nosso cérebro, no modo como ele responde aos estímulos sociais. Quando estamos com alguém, o nosso corpo é inundado por substâncias químicas que nos fazem sentir bem, felizes, conectados. Isso é a evolução a trabalhar. Quando estamos sozinhos, o nosso cérebro envia sinais de alerta, de desconforto. Precisamos dos outros, de uma forma quase visceral. A evolução fez-nos assim, e, embora a tecnologia tenha dado uma grande ajuda nas últimas décadas, não podemos negar que, por mais evoluídos que sejamos, a nossa essência continua a pedir contacto humano.
Antigamente, vivíamos de forma mais conectada. As famílias conviviam mais, as pessoas passavam mais tempo juntas. Claro, com isso vinham as brigas, os mal-entendidos, os desafios do dia a dia, mas tudo isso também fazia parte da experiência humana. Aprendíamos a lidar com o outro, a conversar, a perdoar. A chegada da tecnologia ofereceu uma espécie de fuga: não precisávamos mais de lidar com as dificuldades das relações face a face. Um simples toque no telemóvel e podíamos escapar para um mundo mais controlado, onde os problemas pareciam menores e mais distantes. Mas, ao fazermos isso, trocámos algo importante. Ficámos mais sozinhos.
A pandemia mostrou-nos a fragilidade dessa ilusão. Apesar de todas as maravilhas da tecnologia, a solidão se fez mais presente do que nunca. A distância física foi substituída por videoconferências, mensagens instantâneas, mas o calor do toque humano, o olhar que transmite empatia e compreensão, ficou em falta. A necessidade de estar com os outros nunca desapareceu; pelo contrário, tornou-se mais evidente. A tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas não pode substituir a experiência de estar presente, de partilhar o mesmo espaço, o mesmo momento.
Hoje, mais do que nunca, surge um movimento crescente de pessoas que começam a perceber o valor de se desconectar, de deixar o telemóvel de lado por algum tempo. Desligar-se dos ecrãs não é retroceder, é, na verdade, um passo importante para resgatar aquilo que nos faz humanos. Ao desconectarmos, voltamos a ter tempo para as conversas reais, para os olhares que trocamos, para os gestos espontâneos que dizem mais do que mil palavras. Começamos a perceber que, na realidade, o mundo virtual é uma ilusão que, por mais fascinante que seja, não preenche os vazios que existem dentro de nós.
Estar offline é, portanto, um regresso a uma forma mais autêntica de viver. Não significa abandonar a tecnologia, mas sim usá-la de maneira mais consciente, de modo a que ela seja uma ferramenta para melhorar as nossas vidas, não para nos afastar daquilo que realmente importa. As conexões humanas, as trocas reais, são aquilo que realmente nos torna plenos. E, talvez, seja esse o maior desafio que a tecnologia nos impõe: não deixar que ela nos afaste da nossa essência, de quem realmente somos.