
Nascido em 1984, em Vale de Cambra, António Pedro Moreira estudou Psicologia Clínica na Universidade de Coimbra. Um mês depois de ter acabado o curso, foi meio ano para a Noruega fazer um estágio profissional e, daí, para Inglaterra, onde ficou dois anos, até que uma viagem a Goa mudou tudo.
Decidiu despedir-se do seu trabalho enquanto psicoterapeuta e iniciou uma viagem de Portugal a Singapura por terra. Seguiu-se uma outra de Portugal à África do Sul de bicicleta, e ainda 10 mil quilómetros à boleia, do Panamá ao México.
Aliado ao amor pela aventura e pelas viagens, sempre esteve o amor pela escrita. Assim, em 2017 - e investido em viver dos seus livros - começou a vendê-los nas praias algarvias durante o verão. Este será já o seu nono ano consecutivo a fazê-lo.
No dia 17 de junho, chegou às livrarias 'CHAMA: De Luanda a Maputo de Bicicleta' - o quarto livro de viagens de António Pedro Moreira, aka Pedro on the Road, como é conhecido nas redes sociais. O escritor e viajante pedalou 4000 quilómetros em 40 dias, da costa do Atlântico africano à do Índico, e o Lifestyle ao Minuto teve a oportunidade de o entrevistar.
O livro é editado pela Guerra e Paz e custa 16€© António Pedro Moreira
Como descreveria o António Pedro Moreira enquanto criança?
Era uma criança com a inocência típica das crianças. O mundo revelava-se a mim atrás de cada esquina e eu queria ir atrás. Não sei, tinha mais curiosidade do que as outras crianças em relação ao 'lado de lá', mas sei que a tinha.
Será que a minha infância moldou a minha personalidade mais aventureira, ou será que a minha personalidade mais aventureira moldou a minha infância?
Sente que a sua infância moldou a sua personalidade mais aventureira? Se sim, porquê?
É difícil saber por que somos como somos. Será que foi um filme daquela vez? Será que foi ouvir alguém a falar de casas assombradas num momento em que o nosso cérebro estava aberto para tudo? Será que a minha infância moldou a minha personalidade mais aventureira, ou será que a minha personalidade mais aventureira moldou a minha infância? O que sei é que aos sete ou oito anos fundei o 'Clube dos Aventureiros'. Éramos três. Não me lembro se convidámos mais pessoas, ou se mais ninguém se quis juntar. Passávamos as tardes a fazer buraquinhos nos tijolos nus de um celeiro ao lado de casa dos meus pais para depois enfiarmos lá os pezitos, subirmos lá para dentro e irmos saltar numa rede de filtrar a colheita que usávamos como trampolim. E depois fui crescendo. A esquina ao fundo passou a ser conhecida, as ruas… e a aventura passou a ser mais difícil de viver.
O que o levou a estudar Psicologia?
Decidi que ia para psicologia no nono ano. Sentia que os meus amigos gostavam de falar comigo. E eu gostava de os ouvir. Parecia simples, e parecia fácil.
Estive lá seis meses e, tendo sido uma experiência enriquecedora, aquilo que mais retirei para mim foi – quiçá paradoxalmente – a noção de que não tinha de ser psicólogo para sempre.
Depois de ter acabado o curso, foi meio ano para a Noruega fazer um estágio profissional, e mais dois para a Inglaterra para trabalhar como psicoterapeuta. Como foram essas experiências?
Fui para a Noruega um pouco ao abrigo de não haver trabalho para psicólogos em Portugal. Agora… Será que os procurei? Não. Olho para trás hoje e percebo que só queria mais uma aventura. Na Noruega trabalhava com toxicodependentes numa comunidade terapêutica e, tendo o meu próprio quarto, vivia com eles. Estive lá seis meses e, tendo sido uma experiência enriquecedora, aquilo que mais retirei para mim foi – quiçá paradoxalmente – a noção de que não tinha de ser psicólogo para sempre. Tinha colegas de cinquenta anos que há oito trabalhavam num banco ou numa loja de desporto, e agora eram terapeutas como eu.
Em Inglaterra trabalhei noutra comunidade terapêutica que era como a última hipótese para pessoas que andavam de instituição em instituição. Pessoas que antes de virem para nós se automutilavam quase todos os dias, e que já se tinham tentado suicidar algumas vezes. Estive lá dois anos e foi uma experiência simultaneamente prazerosa e dura. Dura pelas histórias que ouvia e pelo acompanhar do sofrimento dos outros de forma tão próxima. Prazerosa por ver muitos deles a desabrochar.
Teria de me safar como escritor, desse por onde desse.
Chegou a exercer Psicologia em Portugal ou apenas lá fora? Houve algum motivo específico para isso?
Apenas lá fora. O estágio na Noruega, dois anos a tempo inteiro e dois anos a tempo parcial em Birmingham, no Reino Unido. No final desses dois anos a tempo parcial decidi atravessar África de bicicleta e decidi também que não voltaria a ser psicólogo. Teria de me safar como escritor, desse por onde desse.
O que o fez trocar a Psicologia pelas viagens pelo mundo?
Eu não troquei a psicologia pelas viagens. Troquei-a pelos livros. Cruzam-se, claro - quatro dos meus últimos cinco livros são de viagens - mas o foco não é a viagem. Quando, em 2011, parti de Portugal com o objetivo de chegar a Singapura sem voar, não me lembro de ter em mente deixar de ser psicólogo. Anos mais tarde aconteceu. Porque não sou um psicólogo no meu coração. Com sucesso ou sem sucesso, com talento ou sem ele, no meu coração sou um escritor. E sentia que me devia essa tentativa - arriscar-me a viver daquilo que mais gosto de fazer.
Percebi que se eles - que eram pessoas normais, tal como eu - conseguiam fazer algo assim, eu também conseguiria.
Onde e quando é que começou a visualizar a sua primeira grande viagem - de Portugal a Singapura por terra?
Estava a trabalhar em Birmingham. Os meus chefes tinham chegado de Goa e estavam sempre a chatear-me para lá ir. Quando chegou a altura de tirar férias procurei pelos voos mais baratos de lá e apareceu-me Singapura e Goa, por trezentos euros. Fui para Goa e lá conheci o Fernando, um espanhol que tinha deixado tudo para viajar. Foi o Fernando que me levou a Hampi, onde tive a oportunidade de conhecer uma data de viajantes que estavam a fazer aventuras absolutamente incríveis. E isso fez-me perceber que se eles - que eram pessoas normais, tal como eu - conseguiam fazer algo assim, eu também conseguiria.
Depois dessa, em janeiro de 2011, seguiram-se muitas outras, e afirma que a de Portugal à África do Sul foi a mais épica. Porquê?
Por muito que a minha viagem de Portugal a Singapura tenha sido transformadora e reveladora, atravessar todo o continente africano, Norte a Sul, é mais potente, simplesmente. Mais tempo, mais imprevistos, maior dificuldade.
Além de viajante, é escritor. O que o levou a começar a escrever sobre as suas viagens?
Sempre escrevi, e quando comecei a minha primeira viagem, sabia que haveria um livro de viagens depois disso. Foi um processo natural.
Nesta viagem do 'CHAMA' estava sempre exausto. Começava a pedalar antes de o nascer do sol e acabava quando o sol se punha.
Como é feito esse processo de escrita? É algo que faz durante ou depois de terminar as viagens?
Nas minhas primeiras três viagens que deram origem a um livro ia sempre escrevendo, a cada quatro ou cinco dias. Mas nesta viagem do 'CHAMA' estava sempre exausto. Começava a pedalar antes de o nascer do sol e acabava quando o sol se punha. Não só não tinha energia para escrever como, se o fizesse, seria como se estivesse constantemente a trabalhar.
Está numa relação há 26 anos, da qual nasceu um filho - o Noé - e teve de aprender a conciliar o seu amor pelas viagens com o seu amor pela família. Como foi esse processo de aprendizagem e de que forma vive essa dualidade atualmente?
O processo foi suave, porque foi planeado. Começámos a tentar engravidar em 2017. Não aconteceu e em 2018 fui numa viagem de quatro meses, que deu origem ao 'Vago - Do Panamá ao México à Boleia'. Tivemos um aborto, depois outro, depois outro, e o Noé nasceu em 2021. Portanto, sempre soube que uma viagem sozinho de um ano demoraria a aparecer e aceitei isso. Porém, a vontade de me lançar numa aventura foi-se adensando dentro de mim. E o 'CHAMA – De Luanda a Maputo de Bicicleta' nasce precisamente disso. A tentativa de fazer uma viagem mais pequena - que não me afaste do meu filho por muito tempo - mas que traga, ao mesmo tempo, aquele sentimento de aventura do qual tanto preciso.
A VIDA verga-nos e, quando temos um filho, para muitos é a desculpa que faltava para se acomodarem, deixarem de tentar. Mas eu nunca quis isso.
Mesmo tendo a estabilidade de uma família, e um filho que lhe traz novidade todos os dias, ainda sente essa "chama" dentro de si que não o faz desistir de viajar.
Acredito que todos nós nascemos com uma faísca dentro de nós, que rapidamente se transforma numa chama. A esquina lá ao fundo é o desconhecido que faz o fogo vibrar dentro de nós. Vamos avançando, conhecendo e brincando. Mas muitas vezes cansamo-nos de avançar, de conhecer e de brincar. A VIDA verga-nos e, quando temos um filho, para muitos é a desculpa que faltava para se acomodarem, deixarem de tentar. Mas eu nunca quis isso. É fixe viver através do meu filho, mas quero continuar a viver através de mim mesmo. E o livro intitula-se 'CHAMA' precisamente porque foi em nome dessa chama que eu me lancei e me continuarei a lançar. Valorizo-a demais para a perder.
Nas redes sociais, foi sempre partilhando, não só o rumo da viagem, como as emoções que ia sentindo ao longo desta aventura. Diria que foi a sua experiência mais desafiante, não só física, como psicologicamente? Se sim, porquê?
Em 2014/2015 pedalei 15.000km de Portugal à África do Sul. Contudo, não tinha um plano muito rígido, por isso podia descansar quando quisesse. Neste caso, tendo que fazer cem quilómetros todos os dias, acabou por ser a experiência mais desafiante em termos físicos. Em termos psicológicos… é difícil dizer. Mas talvez tenha sido, porque o sofrimento físico deixava as suas mazelas, naturalmente. Virava-me contra mim mesmo, atacava-me… Chamava-me de arrogante, parece que via todas as minhas empreitadas como aquelas de um falhado. É fácil dizer que esse que falava comigo não era eu. Mas também era eu. Portanto sim, apesar de ter sido uma viagem mais pequena do que as anteriores, talvez tenha sido a mais desafiante.
Reflito acerca da solidão que senti, do sofrimento, e desta minha abordagem à VIDA que passa pela constante constatação de que terminará um dia.
O que é que o leitor pode esperar deste novo livro?
É um livro de viagens como poucos, na medida em que versa sobre a viagem emocional por que passei. Atravessei alguns países, mas estive quase sempre no mato, por isso não esperem descrições pormenorizadas acerca de cidades ou monumentos. Foi uma viagem difícil, resultado de alguém investido em continuar a viver à sua maneira - ainda que adaptado às circunstâncias da VIDA, como ter um filho - e reflito acerca disso, da solidão que senti, do sofrimento, e desta minha abordagem à VIDA que passa pela constante constatação de que terminará um dia.
Quem o acompanhou nas redes sociais foi sabendo a par e passo dos progressos e peripécias da viagem. Que novidades traz o livro para esses seguidores?
É como pensar no trailer de um filme. Nos reels, eu falei daquilo por que passei. Mas foram 40 reels de um minuto. No livro eu vou mais a fundo, naturalmente. Além disso, exploro melhor o porquê de estar ali. Todas as reflexões que advieram da parentalidade, e a maneira como tentei integrar isso na minha VIDA sem sacrificar o meu lado de viajante.
Escolhe destinos que não são propriamente considerados turísticos ou de eleição para os portugueses. Porquê conhecer esse lado do mundo?
A Europa é toda igual. O Ocidente é todo parecido. E eu quero algo diferente.
Escreve sempre a palavra 'vida' com letras maiúsculas. Porquê? O que significa a vida para si?
Aos 12 anos, talvez, apercebi-me da loucura que é estar vivo. Não pedimos para existir e, quando damos por ela, cá estamos. Acontece tudo aqui por um segundo, e depois nunca mais. E escrever VIDA com maiúsculas foi a maneira que encontrei de prestar um tributo eterno à existência.
Para quem tem esta alma de viajante como o Pedro, que conselhos daria?
Vai.
O que se segue para António Pedro Moreira?
Quero muito partir, em janeiro de 2026, com a minha esposa e com o meu filho de autocaravana durante um ano. Até à Turquia, daí para a Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Irão, Turquemenistão, Uzbequistão, Tajiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Rússia, e daí para casa.
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