
O hábito diário de saborear uma chávena de café é mais do que um simples ritual reconfortante, pode também traduzir-se numa vida mais longa e saudável, especialmente para as mulheres. Esta é a conclusão de um estudo apresentado na Conferência Nutrition 2025, realizada em Orlando, nos Estados Unidos, entre 31 de maio e 3 de junho. A nutricionista Beatriz Vieira, coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas Amadora, realça os benefícios do consumo moderado de café e explica alguns detalhes desta investigação.
"Do ponto de vista nutricional, o café é praticamente isento de calorias e contém vitaminas do complexo B, potássio, fósforo e magnésio. Adicionalmente, os benefícios associados ao seu consumo parecem estar sobretudo relacionados com a presença de cafeína e de compostos bioativos com ação antioxidante e anti-inflamatória, como os polifenóis", sublinha a especialista.
Assim, verifica-se que a cafeína não é o único componente benéfico do café. O estudo norte-americano analisa também comparativamente o consumo de outras bebidas com cafeína, como a coca-cola, e alerta para o facto de cada copo diário desse refrigerante reduzir as hipóteses de envelhecimento saudável entre 20% e 26%.
Quais os benefícios do consumo moderado de café?
Beatriz Vieira aponta para os vários efeitos positivos associados à ingestão moderada de café:
"Redução da sensação da fadiga e sonolência, aumento dos níveis de atenção e melhoria do desempenho cognitivo.
Além disso, vários estudos apontam para uma associação entre o consumo moderado de café e um menor risco de doenças crónicas, nomeadamente de cancro, em particular hepático, diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares, depressão, doença de Alzheimer e de Parkinson".
Todos estes potenciais benefícios podem contribuir para "a manutenção da autonomia funcional, da saúde cognitiva e da qualidade de vida ao longo do tempo".
Embora pesquisas anteriores tenham relacionado o café com benefícios pontuais para a saúde, esta investigação que acompanhou 47.513 mulheres norte-americanas "é a primeira a analisar o seu impacto em múltiplas áreas do envelhecimento, ao longo de três décadas”, explica uma das autoras do estudo, Sara Mahdavi, cientista da Nutrição na Universidade de Harvard e na Universidade de Toronto.
Ingestão de café deve ser adaptada às circunstâncias individuais
Sobre as diferenças na forma como o corpo de homens e mulheres responde ao consumo de cafeína a longo prazo, Beatriz Vieira esclarece:
"A nível hepático, a metabolização da cafeína pode apresentar velocidades diferentes, consoante a presença de determinados polimorfismos genéticos. Estes fatores influenciam a biodisponibilidade da cafeína e os seus efeitos no organismo".
A análise baseou-se nos dados da Nurses' Health Study, um estudo epidemiológico de grande escala nos EUA que acompanha a saúde de enfermeiras desde 1984. O envelhecimento saudável foi definido como chegar aos 70 anos ou mais com boa capacidade física, ausência de doenças crónicas graves, e sem défices cognitivos, de memória ou de saúde mental.
Os investigadores ajustaram ainda os resultados a outros fatores, como tabagismo, consumo de álcool, atividade física e índice de massa corporal.
A coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas Amadora lembra que "fatores como o tabagismo podem acelerar significativamente esse metabolismo".
"Pelo contrário, durante a gravidez, ocorrem alterações na atividade das enzimas hepáticas, o que torna a metabolização da cafeína mais lenta. Por esse motivo, recomenda-se que a ingestão de cafeína durante a gravidez não ultrapasse as 200mg por dia", acrescenta.
A nutricionista alerta para a necessidade de cada um avaliar o modo como o organismo reage ao consumo de café: "Há indivíduos que conseguem adormecer pouco tempo depois de ingerirem café, enquanto outros referem dificuldade na indução do sono várias horas após o seu consumo".
"A ingestão de café deve ser adaptada à tolerância individual e ao estado clínico, recomendando-se evitar o seu consumo no final do dia para minimizar perturbações do sono. A personalização do consumo é fundamental na prática clínica", aconselha Beatriz Vieira.
Adultos saudáveis: consumo médio de 2 a 3 cafés por dia (atenção ao açúcar)
O estudo norte-americano refere que em 2016, foram identificadas 3.706 mulheres com envelhecimento saudável. Neste grupo, cerca de 80% da cafeína ingerida vinha de três pequenas chávenas diárias de café. Em contraste, o consumo de chá ou café descafeinado não apresentou qualquer relação com os marcadores de envelhecimento saudável.
Afinal, qual a quantidade recomendável de consumo diário de café? Esta é uma pergunta para a qual a resposta pode variar de indivíduo para indivíduo, contudo a
Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA na sigla em inglês) considera segura a ingestão de 400mg de cafeína por dia em adultos saudáveis.
"Este valor inclui todas as fontes alimentares de cafeína, nomeadamente o café, o chá, as bebidas energéticas, os refrigerantes e o chocolate.
Na prática, é aconselhado um consumo médio de 2 a 3 cafés por dia em adultos saudáveis , embora o teor de cafeína varie consoante o tipo de café e o modo de preparação.
Em Portugal, uma chávena de café expresso contém, em média, cerca de 75mg de cafeína, sendo que o café cheio apresenta uma maior quantidade de cafeína do que o café curto. Outros fatores, como a variedade da planta, o grau de torragem e a moagem também influenciam o teor final de cafeína", explica a nutricionista
Pessoas com ansiedade, perturbações do sono, refluxo gastroesofágico ou arritmias cardíacas podem estar mais suscetíveis aos efeitos adversos da cafeína.
"Entre os sintomas mais comuns relacionados com o consumo excessivo de cafeína destacam-se a ansiedade, nervosismo, insónias, taquicardia e náuseas.
Outra questão relevante é a adição de açúcar ao café, que pode contribuir para um consumo elevado de calorias e açúcares simples ", sublinha Beatriz Vieira.
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Desmistificar ideias negativas associadas ao consumo moderado de café
A nutricionista considera que o estudo norte-americano agora divulgado reforça a evidência sobre benefícios do consumo de café. Contudo, a especialista refere: "Por se tratar de um estudo observacional, não permite estabelecer uma relação de causalidade. Ainda assim, poderá contribuir para desmistificar algumas ideias negativas associadas ao consumo moderado de café".
"É importante salientar que as recomendações alimentares se baseiam em revisões sistemáticas e meta-análises de estudos com elevada qualidade metodológica. Neste sentido, são necessários mais estudos, idealmente ensaios clínicos randomizados, para sustentar eventuais alterações nas guidelines", aponta Beatriz Vieira.
Por outro lado, Sara Mahdavi, sublinha que estes resultados, embora preliminares, "sugerem que hábitos simples e consistentes, como beber café com moderação, podem ter efeitos benéficos a longo prazo, sobretudo quando combinados com outros comportamentos saudáveis, como fazer exercício, seguir uma alimentação equilibrada e evitar fumar".
Os autores alertam, no entanto, que o café não é uma solução milagrosa, mas deverá fazer parte de um estilo de vida saudável, tal como o exercício físico e a alimentação cuidada.