
Maria José Palla, que era professora jubilada da Universidade Nova de Lisboa, morreu três dias antes de completar 82 anos.
Fotógrafa, investigadora, especialista em Línguas e Literaturas, História e Artes, Maria José Palla viveu em Paris, onde esteve exilada durante a ditadura portuguesa, e doutorou-se na Universidade da Sorbonne, na área de Línguas e Literaturas Românicas, com uma tese sobre a simbólica do traje na obra de Gil Vicente, depois de um mestrado dedicado a 'Les Objets de civilisation dans l'oeuvre de Gil Vicente', sob a direção do linguista e lusitanista Paul Teyssier (1912-2002).
Na capital francesa, Maria José Palla estudou fotografia e cinema com o cineasta Jean Rouch (1917-2004), na École Pratique des Hautes Études, depois de ter completado o curso do Institut Français de Photographie, e de ter frequentado a Ecole National de Photographie de Paris (Ecole de Vaugirard), que a levou a um estágio na agência RL Dupuy, nos anos de 1960.
Diplomada em História de Arte, pela École du Louvre, em Paris, é autora de vários livros e artigos sobre Gil Vicente, o teatro do século XVI e a pintura portuguesa do Renascimento.
Entre as suas obras contam-se 'Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente', 'Do Essencial e do Supérfluo - Estudo lexical do traje e adornos em Gil Vicente', 'Traje e Pintura - Grão Vasco e o Retábulo da Sé de Viseu'.
A sua investigação na área literária levou-a também ao resgate do 'Auto de Dom André', de autor desconhecido do século XVI, e à publicação de diversos artigos e monografias como 'Metáforas alimentares no teatro quinhentista', 'Para uma nova leitura iconográfica d''O Inferno' do Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa', 'O tempo do silêncio - O diálogo da Ressurreição de Gil Vicente' e 'Making sense of their senses: a new look at the still lifes of Josefa de Óbidos and her father Baltasar Gomes Figueira'.
Como fotógrafa, arte a que se dedicou nos últimos 40 anos de vida, realizou várias exposições em Portugal e no estrangeiro, como 'Arquivo', em que revisitou o trabalho de quatro décadas na Appleton Associação Cultural, em Lisboa, em 2022, e 'Maria José Palla: o auto-retrato como natureza-morta - uma retrospetiva', a mais recente em nome individual, que esteve patente no ano passado no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora.
Até ao passado mês de maio, a Galeria Graça Brandão, em Lisboa, mostrou 'Room next door', uma exposição partilhada de Maria José Oliveira e Maria José Palla.
Em 2022, a artista levou 'Víctor Palla - Maria José Palla', ao Centro de Arte de São João da Madeira, no centenário de seu pai, o arquiteto, designer, fotógrafo e pintor que marcou a modernidade de Lisboa nos anos 1950-1970, cruzando a sua obra com a expressão do seu parceiro artístico.
Das fotografias que fez de Víctor Palla (1922-2006), em particular sobre a série 'Olhos nos Olhos', a fotógrafa escreveu: "O meu pai gostava de brincar com as palavras, com os números, com as pessoas. Quando eu e as minhas irmãs éramos crianças falava-nos muitas vezes através de provérbios, de frases em rima, de máximas. Com o seu irmão José Palla e Carmo ou José Sesinando, [...} o diálogo era efectuado por meio de jogos em várias línguas, com charadas, trocadilhos, gracejos e zombarias. [...] O meu pai inventou livros com autores e títulos imaginários e fez capas para esses livros."
As imagens refletem esse universo no rosto do arquiteto. "São imagens doces, cómicas, fantasistas, onde o olhar é transformado, ora com os olhos abertos ora fechados", escreveu a fotógrafa.
Entre as suas muitas exposições, levadas a diferentes pontos do país, da Europa e do Oriente (Macau), contam-se 'Fragmentos de Um Discurso' (2013), 'Le Temps' (2010), 'A Roda do Tempo' (2006), 'Anatomia de Um Rosto', 'Faces da Melancolia' e 'A Mulher sem Sombra' (2001), 'Retratos de Poetas' (1998), com grandes planos de autores da literatura portuguesa contemporânea, de António Franco Alexandre e Mário Cesariny, a Nuno Júdice e Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e Pedro Tamen.
A artista, que usou em particular o retrato como meio de expressão - e o auto-retrato, sobre si mesma -, para a mostra em Évora no ano passado, no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, optou por conjugar fotografias e objetos, numa ação consubstanciada no título da mostra: 'Maria José Palla: o auto-retrato como natureza-morta - uma retrospetiva'.
A artista fotografou-se "compulsivamente", desde a década de 80 do século XX, "atualizando a procura de si nos reflexos e espelhos da fotografia, que nesta exposição" foram metáfora, lê-se no catálogo então publicado pelo museu eborense.
Segundo a exposição em São João da Madeira, dedicada a Victor Palla, o Centro de Arte lembrou que Maria José Palla foi muitas vezes modelo de si própria no registo de "estados emocionais e vivenciais de tempos e lugares diversos, mostrando-se livre de pressões formais ou composicionais, e fixando-se numa estética de representação poética e filosófica por vezes metafórica e subjetiva."
Maria José Palla, que lecionou História do Teatro, Literatura Portuguesa, Literatura Francesa, Literatura do Renascimento e Literatura e Outras Artes - Fotografia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, foi também tradutora do 'Livre de Cuisine de l'Infante Maria du Portugal', para o Instituto de Estudos Medievais.
Com Manuel Villaverde Cabral traduziu 'Hiroshima, meu amor', de Marguerite Duras, para as Publicações Europa-América (1963), 'Vida de Miguel Angelo', de Romain Rolland, para a editora Presença do Homem (1967), e 'Camus por Ele Próprio', de Morvan Lebesque, para a Portugália Editora (1967).
Maria José Palla nasceu em Lisboa em 30 de julho 1943, filha da artista plástica Zulcides Saraiva e do fotógrafo, arquiteto e designer Victor Palla.
[Notícia atualizada às 15h36]