A América Latina precisa de "150 mil milhões de dólares por ano em investimentos até 2030 para atingir as suas metas climáticas e de desenvolvimento sustentável"; e a Europa está a dar cartas nessa área. Esta é apenas uma de muitas razões que dão força e lógica às relações entre os dois lados do Atlântico.
Em entrevista ao SAPO, Alfonso García Mora, vice-presidente do ICF para a Europa, América Latina e Caraíbas, que esteve em Portugal para participar no EuroAmericas Forum 2024, iniciativa do Conselho da Diáspora Portuguesa, que se realizou na NOVA SBE nesta terça e quarta-feira, explica porque as parcerias transregionais fazem ainda mais sentido nos tempos atuais, quando os choques económicos são rápidos e imprevisíveis.
Membro do Banco Mundial, a IFC - International Finance Corporation é a maior instituição global para o desenvolvimento, focada no papel do setor privado em mercados emergentes.
Porque é que é tão relevante este foco no desenvolvimento internacional através de parcerias transatlânticas nos dias de hoje?
Bem, no mundo de hoje, tudo está tão interligado e é tão complexo que as parcerias transregionais fazem todo o sentido. Isto é especialmente verdadeiro para a Europa e para a América Latina e Caraíbas, devido às suas profundas ligações históricas, económicas e culturais. Em primeiro lugar, estas parcerias tornam as nossas economias mais resilientes ao diversificarem mercados e cadeias de abastecimento, tornando-as menos vulneráveis a choques globais. Depois, há a questão da sustentabilidade e da ação climática.
A América Latina pode tirar vantagem da posição europeia?
A Europa tem sido uma referência em financiamento verde e inovação, e a sua experiência é extremamente valiosa para a América Latina e Caraíbas na sua transição para a descarbonização. Publicámos um relatório com a Agência Internacional de Energia no ano passado que estimava que a região precisa de, pelo menos, 150 mil milhões de dólares por ano em investimentos até 2030 para atingir as suas metas climáticas e de desenvolvimento sustentável. Contudo, esses investimentos devem ser vistos como uma oportunidade, e não como uma despesa. Pelos nossos cálculos, soluções climáticas inteligentes podem gerar 27 milhões de novos postos de trabalho e reduzir 351 milhões de toneladas de emissões de gases com efeito de estufa na região. Vejo enormes oportunidades em formas inovadoras de energia, como o hidrogénio verde, na promoção de uma economia circular onde nada se desperdiça, na agroindústria sustentável e na captura de carbono.
E que papel podem ter as alianças regionais nisso?
As colaborações transatlânticas podem ajudar a aproveitar estas oportunidades ao canalizar investimentos privados para mercados emergentes. Isto é vital numa altura em que os recursos públicos estão cada vez mais pressionados. Organizações como a IFC desempenham um papel importante ao angariar fundos, inclusive de governos, que muitas vezes estão mais dispostos do que os investidores privados a assumir riscos em projetos numa fase inicial. No nosso jargão, chamamos a isto "financiamento misto", que ajuda a mobilizar mais investidores privados ao reduzir um pouco o risco.
Em que setores pode a América Latina ser relevante para a Europa? Ou seja, que oportunidades de investimento estão disponíveis para empresas europeias na América Latina e Caraíbas?
O primeiro setor que me vem à mente é precisamente o das energias renováveis. A região já obtém 30% da sua energia de fontes renováveis, o que a posiciona bem para liderar a descarbonização do setor energético. Além disso, dado que a infraestrutura de energia renovável depende muito do lítio — especialmente para tecnologias de armazenamento de baterias — e esta região detém dois terços das reservas mundiais de lítio, isso torna a descarbonização ainda mais vantajosa. No geral, o caminho para a descarbonização oferece mais vantagens económicas e sociais do que custos, com o potencial de gerar 15 milhões de novos empregos líquidos até 2030 e contribuir com benefícios líquidos estimados em 2,7 biliões de dólares para a região até 2050. Em resumo, os investimentos em energia renovável, infraestrutura sustentável e florestas na América Latina e Caraíbas alinham-se com a agenda verde da Europa e proporcionam retornos ambientais e financeiros mensuráveis.
E há outras áreas interessantes?
Outro setor relevante é a agricultura, que representa entre 9% e 35% do PIB da região e contribui com 25% das suas exportações totais. Tornar o setor agroindustrial mais eficiente e sustentável será crucial. O setor de serviços financeiros também é relevante e poderia beneficiar da experiência das empresas europeias. Cerca de metade dos empregos na região são gerados por pequenas e médias empresas, que frequentemente enfrentam barreiras significativas ao acesso ao crédito. Apenas metade dos adultos tem uma conta bancária... por isso, expandir os serviços financeiros para grupos que ainda não têm resposta à medida, como as mulheres, que participam na economia formal em taxas muito inferiores às dos homens, é uma prioridade. A digitalização também é uma área-chave. Melhorar o acesso a internet de alta qualidade e a preços acessíveis e investir em infraestrutura digital, como centros de dados e banda larga, é fundamental para superar os desafios de produtividade da região.
E há vantagens na região em receber também esse know how europeu...
Sim, além de setores específicos, vemos oportunidades para as empresas europeias trazerem conhecimentos, escala e inovação para construir cadeias de valor eficientes e sustentáveis e introduzir modelos de negócio e tecnologias que aumentem a competitividade.
Gostaria também de salientar que é necessário investir em tudo o que possa reduzir a desigualdade. Investir em projetos com este objetivo deve ser visto não apenas como um risco, mas como uma oportunidade de negócio significativa.
Em que sentido?
Esta é uma região onde os 10% mais ricos ganham, em média, 12 vezes mais do que os 10% mais pobres. No mercado de trabalho, apenas 57% das mulheres participam na força laboral, comparativamente com 80% dos homens. Fechar estas lacunas poderia aumentar o PIB da região em 7% até 2030.
Podem as políticas públicas desempenhar um papel na definição de regras que facilitem os investimentos?
Sem dúvida, as políticas públicas são essenciais para criar um ambiente que atraia e facilite os investimentos. Os governos desempenham um papel-chave ao estabelecer as "regras do jogo". Quando os governos implementam regulamentações que são transparentes, consistentes e favoráveis tanto ao investimento interno quanto externo, trata-se de um cenário vantajoso para todos. Existem várias iniciativas bem-sucedidas na América Latina e Caraíbas que mostram o impacto de políticas públicas eficazes.
Que exemplos de iniciativas bem-sucedidas a esse nível destacaria?
Veja o caso da Colômbia, por exemplo. O quadro de parcerias público-privadas do país tem sido crucial para atrair investimentos do setor privado para projetos de infraestrutura. Ao implementar diretrizes claras, mecanismos de partilha de riscos e processos de aprovação simplificados, a Colômbia mobilizou milhares de milhões de dólares para projetos de transporte essenciais. Isso não só criou empregos, mas também melhorou significativamente a conectividade em todo o país.
A forma como o Brasil reformou o seu quadro de aquisições públicas oferece outro exemplo convincente. Ao introduzir processos de licitação competitivos e transparentes para projetos de energia renovável, o Brasil atraiu investimentos privados substanciais, posicionando-se como líder global em energia limpa. As reformas do setor de serviços financeiros no México, orientadas pelo objetivo de aumentar a inclusão financeira, também merecem destaque. Estas reformas aumentaram o acesso ao crédito para pequenas e médias empresas e ajudaram a avançar soluções financeiras digitais.
É aí que a IFC também encontra valor?
É por isso que, na IFC, em parceria com o Banco Mundial, trabalhamos em estreita colaboração com governos e parceiros do setor privado para promover reformas regulatórias que desbloqueiem investimentos e fomentem o crescimento sustentável e a prosperidade partilhada na região. Mais recentemente, a IFC tem trabalhado com a Jamaica num programa para estruturar projetos de infraestrutura críticos em setores como estradas, água, saúde e energia renovável, preparando o terreno para mais de 2 mil milhões de dólares em investimentos do setor privado.
Quais são as áreas de cooperação com maior potencial para melhorar as relações económicas entre a UE e o Mercosul?
A relação económica entre os blocos comerciais da União Europeia e do Mercosul tem um grande potencial para fomentar crescimento, investimento e inovação em ambos os lados do Atlântico. A UE é o segundo maior parceiro comercial do Mercosul, depois da China, representando 16,9% do total do comércio do Mercosul em 2023. As empresas europeias também são grandes investidoras na região, com stocks de investimento direto estrangeiro da UE no Mercosul a ultrapassar os 300 mil milhões de euros.
A região precisa de mais concorrência em setores-chave para promover a inovação e aumentar a produtividade. A produtividade na região manteve-se praticamente estagnada nas últimas décadas, e espero que este acordo comercial possa ajudar a reduzir as concentrações de mercado e a criar um ambiente mais competitivo que incentive as empresas a melhorar a produtividade e a inovar. A longo prazo, esta dinâmica promoveria uma maior resiliência, atrairia investimento privado e criaria novos empregos e mais oportunidades para um desenvolvimento económico inclusivo.