O relógio marca as 8h45 quando a reportagem de A BOLA chega ao estádio Abel Alves Figueiredo, ainda antes dos primeiros jogadores e elementos da equipa técnica. É o arranque da preparação oficial para o jogo com o Benfica, das meias-finais da Taça de Portugal.

O atual feito dos jesuítas, a primeira equipa do quartão escalão do futebol nacional a chegar a esta fase da competição, conduz-nos a outra época, tempos em que o emblema de Santo Tirso estava na elite do futebol português e era tão grande como os maiores clubes.

O Tirsense quer, no fundo, renascer e voltar a ser uma versão mais aproximada do clube que outrora foi. Mas com os pés bem assentes no chão.

«Queremos estabilizar o Tirsense e criar boas estruturas para, num futuro próximo, pensarmos numa Liga 3. Mas com os pés bem assentes na terra», começa por dizer Braga, diretor desportivo do clube.

Vencedor da Taça de Portugal ao serviço do Desportivo das Aves, o dirigente considera superior o feito que o plantel jesuíta em comparação com o que alcançou como jogador em 2018.

«A final da Taça é um dia marcante. Ainda assim, estes rapazes é que fizeram história. Apesar de eu ter vencido a Taça contra o Sporting, jogava numa equipa da Liga. Eles chegaram às meias-finais com uma equipa da quarta divisão, são uns heróis e merecem todo o reconhecimento», defende.

«O nome deste grupo já está marcado na história»

Apesar de terem pela frente o Benfica, um dos três grandes do futebol nacional, Braga não esconde a ambição dos tirsenses.

«Vai ser um jogo muito importante, mas até este domingo pouco se falou disso porque havia um objetivo para cumprir. Será um jogo histórico para o clube, para a cidade e para os jogadores. É a primeira vez que uma equipa do quarto escalão chega às meias-finais da Taça. Por isso, o nome deste grupo já está marcado na história do clube e do futebol português. Temos de desfrutar deste momento com responsabilidade e tentar vencer o Benfica», disse.

O Tirsense é um clube com aura. É possível senti-lo no estádio, carregado de memórias, ou na sala de troféus (cada um conta uma história). Os jogadores partilham a ideia de que representam um emblema com pergaminhos.

«Sabemos o que clube que representamos e o que o jogo significa para os adeptos. O Tirsense é um clube humilde, que está a lavar a cara de coisas que aconteceram no passado recente. Vivem-se, atualmente, dias de muito amor pelo clube e queremos manter isso para os próximos anos. Há uma maior conexão entre a cidade, o clube e os jogadores. Queremos tentar devolver as emoções de outros tempos às nossas gentes», destaca o capitão João Pedro.

O Tirsense é um clube com aura. É possível senti-lo no estádio, carregado de memórias, ou na sala de troféus (cada um conta uma história). Os jogadores partilham a ideia de que representam um emblema com pergaminhos.

«Sabemos clube que representamos e o que o jogo significa para os adeptos. O Tirsense é um clube humilde, que está a lavar a cara de coisas que aconteceram no passado recente. Vivem-se, atualmente, dias de muito amor pelo clube e queremos manter isso para os próximos anos. Há uma maior conexão entre a cidade, o clube e os jogadores. Queremos tentar devolver as emoções de outros tempos às nossas gentes», destaca o capitão João Pedro.

Nado e criado em Santo Tirso, João Martins nunca conheceu outro clube na carreira que não o Tirsense.

«O Tirsense representa uma paixão de família, uma vez que o meu pai e o meu avô sempre foram adeptos. É um orgulho representar o clube deles. Eles sempre me contaram muitas histórias dos tempos áureos do Tirsense, especialmente dos jogos contra Sporting, Benfica e FC Porto», conta.

É, de resto, através das histórias dos mais velhos que a mística resiste. «Essas histórias, os vídeos que existem, tudo é transmitido de geração em geração. E é por isso que não se esquece. Ser Tirsense é sinónimo de muita responsabilidade. Não podemos jogar só por jogar. É isso que eu e o João Pedro tentamos transmitir a quem cá chega», acrescenta ainda o subcapitão.
 
Por sua vez, Bernardo Mesquita é um dos mais jovens do plantel (22 anos), mas tem perfeita noção do emblema que carrega ao peito.

«É um orgulho tremendo disputar as meias-finais com o Benfica. Sabemos quem estamos a representar independentemente de o clube estar na quarta divisão. O Tirsense é o tomba-gigantes, um histórico português. Vamos felizes para o jogo», refere.

Vieira, Caldas, Brito, Rebordosa e Elvas, um por um, caíram da Taça aos pés do clube de Santo Tirso. No entanto, convidado a eleger o momento mais especial, o extremo não tem dúvidas: a vitória em Portalegre, no Campo Domingos Carrilho Patalino na eliminatória anterior.

«O Elvas foi o mais especial. 500 pessoas saíram de Santo Tirso e fizeram seis horas de viagem. Fizemos um dos melhores jogos da época. A nível individual, contribui com uma assistência. Foi mágico», aponta Bernardo Mesquita, um dos rostos da irreverência da equipa.

«A nossa equipa é um misto entre irreverência e juventude. Por vezes, há ingenuidade positiva. Existe um bocadinho a ausência da noção de perigo. Tem sido uma arma muito boa, mas pode trazer coisas negativas», caracteriza João Pedro.

Treinador desculpa-se por atender chamada: «Este é o meu trabalho»

O perfil traçado pelo capitão tem a anuência de Emanuel Simões. Antes de falar com A BOLA, o treinador pede uns minutos para atender uma chamada. «Este é o meu trabalho» justifica-se enquanto atende o telefone e começa a falar em inglês.

Escassos minutos depois, regressa para junto da equipa de reportagem e desculpa-se.

«O Tirsense tem uma equipa muito aguerrida, com um coração muito grande. É uma mescla de juventude e experiência. Este ano os jogadores viveram uma época atípica com muitos altos e baixos, mas mais baixos do que altos. Isso marcou-os. Tínhamos qualidade para fazer no campeonato o que fizemos na Taça. Temos tido duras caras», analisa.

Sem que fosse a sua intenção, o técnico, de 45 anos, acaba por antecipar o jogo com as águias, na quarta-feira (20h45).

«Este é o jogo que vai ser mais disputado. O resultado da primeira mão pode influenciar o segundo. Quarta-feira temos uma maior percentagem de fazer algo e temos de nos agarrar a isso. Queremos levar o nome do Tirsense ao patamar onde já andou e mostrar que há equipas muito boas no Campeonato de Portugal. Não tenho dúvidas de que vamos sofrer durante muitos minutos. Nem se coloca a questão se vamos jogar contra a primeira, segunda ou terceira linhas, qualquer uma é forte. Vai ser um jogo de sofrimento, mas temos alguma coisa a dizer. Queremos dignificar o futebol e fazer deste encontro um bonito espetáculo», adianta.

Por seu turno, o capitão sublinha a importância de o Tirsense ser fiel a si próprio.

«Nem nas nossas melhores previsões imaginamos uma oportunidade como esta. Tem um enorme significado. É tudo fruto do trabalho deste grupo que foi sempre muito competente, unido e aguerrido na Taça. Vamos ter de ser iguais a nós mesmos. Individualmente, o jogo significa muito para cada um e só o facto de estarmos perto do Jamor já é um sonho», frisa João Pedro.

Já João Martins vai mais longe e promete uma equipa «forte». «Veremos um Tirsense forte, unido e a respeitar o adversário. Vamos encontrar uma superequipa, mas temos de ter respeito por nós. Não chegamos até aqui por sorte.»

«Seria uma desvantagem jogarmos em casa»

O sonho de chegar ao Jamor e eliminar o Benfica, equipa que nunca derrotou, será vivido a 35 quilómetros. Em Barcelos, longe de casa, do velhinho Abel Alves Figueiredo.

«Gostávamos de jogar aqui. Esta é a nossa casa e temos muito orgulho em jogar aqui. Percebemos a tristeza que é para quem está cá todos os fins de semana e que é muito ligado ao clube. Ao mesmo tempo, compreendo que não haja tantas condições neste estádio. Mas aqui seria mais Taça. É um misto de sentimentos. De qualquer forma, vamos jogar num outro grande estádio», reflete Bernardo Mesquita.

João Pedro corrobora a opinião do colega embora saliente que apoio não faltará – vários autocarros vão partir de Santo Tirso às 18h00 com direção ao Cidade de Barcelos.

«A festa seria outra se o jogo fosse aqui. A cidade iria unir-se muito mais, mas tenho a certeza que, à semelhança do que tem acontecido ao longo da época, não nos faltará apoio. As nossas gentes estão sempre presentes», refere.

Quem tem uma opinião diferente é o treinador Emanuel Simões. «As pessoas não compreendem a minha resposta. Acho que é uma vantagem jogar em Barcelos. Quando o Tirsense jogou contra equipas de menor valor aqui teve muitas dificuldades para ganhar. No primeiro relvado em condições no qual jogámos, em Elvas, fizemos um jogo fantástico com uma enorme qualidade de jogo. Percebo a ideia de as pessoas quererem jogar em nossa casa, mas acho que seria prejudicial contra uma equipa como o Benfica. Não iríamos conseguir jogar o que vamos conseguir em Barcelos e os argumentos físicos do Benfica iriam fazer a diferença. Seria uma desvantagem jogarmos cá», argumenta.

Longe ou perto, no patamar mais alto ou nos escalões inferiores, a paixão jesuíta não se esfuma. Persiste em manter-se viva, de geração em geração, ansiando pelo regresso aos maiores palcos. A oportunidade é fugaz, mas certamente valerá a pena e trará novas memórias para as gerações vindouras. 

«Prémio de jogo? Ganhar ao Benfica», remata Bruno Braga.