Um mês e meio depois, tudo tinha mudado. O Benfica tinha oito pontos de diferença para a liderança com menos um jogo e estava, agora, na liderança. O Sporting, por sua vez, somava por triunfos os onze encontros realizados e depois perdeu oito pontos em doze possíveis.

O que mudou? Inevitavelmente, a saída de Ruben Amorim para Manchester e era à luz dessa troca daquela que foi uma das Figuras do Ano de 2024 que chegava o primeiro dérbi da época em Alvalade.

Ora, se Bruno Lage ganhou a oportunidade de trabalhar em cima de vitórias e do conforto do primeiro lugar, à semelhança do que aconteceu em 2019 quando passou pela primeira vez pelo comando dos encarnados, Rui Borges tinha, por outro lado, uma estreia de alto risco como treinador dos leões na sequência da saída de João Pereira, o “sucessor natural” do agora líder dos red devils, sem que se soubesse o que esperar a quase todos os níveis.

Durante um mês e meio, viu-se um leão amorfo em campo, uma sombra do alinhamento sob o comando de Ruben Amorim. Era, por isso, tempo de virar a página e esquecer o namoro antigo. A dois dias do dobrar do ano, desta feita, os verdes e brancos estavam atrás do grande rival, numa semana em que tinham mudado de treinador, sendo que houve várias questões em torno a chegada de Rui Borges e do impacto imediato dessa troca de treinador.

O Benfica, que no início da época já tinha navegado por mares conturbados, rendeu Roger Schmidt e recuperou Lage, e, a partir daí, tinha exibido confiança e maior consistência. Os números estavam à vista: dez vitórias e apenas um empate nos últimos onze jogos da Liga. Assim, pelo momento e pela maior estabilidade, se assim lhe podemos chamar, o Benfica partia como favorito.

A verdade é que Rui Borges apostou num dia que mudou uma era e soltou uma equipa das amarras de um 3-4-3 que ficou refém do seu criador para um 4-4-2/4-2-3-1 que abriu o novo ciclo da melhor forma e mudou outra vez o rumo da Liga: depois da versão Sporting invencível de Amorim e da versão Sporting não candidato de João Pereira, o Campeonato volta a ser a três e agora com um final de ano civil a contar com o campeão na liderança à frente de FC Porto e Benfica.



Assim sendo, o Sporting apresentou-se com uma linha de quatro, à imagem do que o técnico tinha implementado em Guimarães. Eduardo Quaresma à direita, Matheus Reis a lateral-esquerdo, e Jeremiah St. Juste e Ousmane Diomande no centro da defesa. Francisco Trincão próximo de Viktor Gyokeres, no ataque. Um médio, no caso Hidemasa Morita, baixava para construir, ou na primeira fase de construção o campeão nacional optava pelo passe longo à procura da profundidade de Gyokeres. Quaresma juntava-se, também, muitas vezes à dupla, na primeira saída de bola.

Do outro lado, Bruno Lage surpreendeu apenas ao lançar Zeki Amdouni no onze, no lugar de Vangelis Pavlidis.

Ora, a primeira parte mostrou um Sporting a partir de um 4-4-2, cómodo na nova pele, incisivo a impor desconforto no adversário ao pressionar alto na saída de bola com uma esperta lição estudada: não querendo dar tempo, nem espaço a Álvaro Carreras, o lateral que melhor constrói, Geny Catamo apertava-o em cima enquanto Gyokeres vigiava de perto Tomás Araújo, o outro mais confortável com bola. Perturbados estes dois, os leões convidavam o Benfica a sair pela direita, no errático Alexander Bah, ou a tentar a insegura via de Florentino Luís, o médio permeável, que tremia quando pressionado. Por eles, pelos seus abanões, toda uma equipa tremelicou, nunca saindo de forma limpa da sua área e perdendo sucessivas bolas.



Foi assim que os posicionamentos da equipa do Sporting trocaram às voltas ao Benfica, que se viu apanhado de surpresa, e que nunca se encontrou na primeira parte. Logo, permitam-me que incida o foco deste início de artigo sobre a equipa da casa: não só por estes fatores, mas também porque o Sporting foi inequivocamente superior ao rival no arranque do jogo. A chave foi principalmente aquilo que o treinador pediu, numa frase que ressoou na mente dos adeptos e gerou até uma tarja: atitude. A pressão do Sporting, de tão forte e eficiente, condicionou o Benfica e gerou várias oportunidades de golo.

O primeiro golo estava a chegar e mais uma vez demonstrou que Gyokeres é muito mais do que um goleador: o sueco foi lançado em profundidade, Tomás Araújo cometeu o erro capital de ir ao contacto permitindo que o avançado conseguisse virar e o cruzamento da esquerda encontrou Geny Catamo (atração por dérbis) na área para o remate que fez o 1-0, à passagem do minuto 29.


Tomás Araújo é, assim, o mais recém-chegado ao extenso grupo de defesas centrais (Otamendi e Otávio, por exemplo) que encostaram o corpo a Gyokeres antes da bola chegar, deram o contacto que o sueco procura e foram ultrapassados, resultando em golo.

Amorfo e impávido, o Benfica nunca teve Ángel Di María a ditar o que fazer à bola nos últimos 30 metros, sendo obrigado a muito recuar para surgir nas jogadas. A equipa apenas reagiu com a ajuda da mão do treinador, que, ao intervalo, ajustou a pressão, tendo absolvido de ter Florentino com um alvo nas costas para a pressão do adversário e lançado Leandro Barreiro. Os efeitos não tardaram.
O reinício do jogo mostrou essas diferenças, com um Sporting à procura de controlar mais com bola em trocas seguras a circular e o Benfica a subir linhas de pressão sem bola e a dar outra projeção aos laterais em posse.

Assim, o Benfica não demorou a juntar a um livre direto de Orkun Kokçu, único remate que fizera na primeira parte, um cruzamento maroto que Bah apontou à baliza – Franco Israel reagiu a tempo de desviar – e uma cabeçada de Otamendi num canto batido por Di María.

O perigo a sério viria de Amdouni, ao ir buscar um passe picado de Kokçu, à entrada da área, após a tabela que Kerem Akturkoglu pediu a Fredrik Aursnes para zarpar na esquerda e cruzar. Com a bola a meia altura, o suíço rematou-a para lá da trave da baliza, melhor oportunidade fabricada por um Benfica crescido com a adaptação ao Sporting, mas não o suficiente para abanar as suas novatas estruturas. Di María era resgatado das sombras, já surgia, bola ao seu pé esquerdo, mas a reação afunilou-se bastante no argentino.
Posto isto, o Sporting lidou com a predominância do Benfica na segunda parte recuando as linhas, apenas contornando a vigilância que tapava Morten Hjulmand pelo jogo direto ou via o endiabrado Geny Catamo.

Os bancos começavam a preparar mexidas nas equipas, com os leões a procurarem a serenidade emocional que se diluíra com a boa entrada dos visitantes e as águias em busca de outras soluções na frente que conseguissem fazer maior diferença no último terço. Foi mesmo o Sporting a mexer primeiro e por questões físicas, com Iván Fresneda, João Simões e Maxi Araújo, que resgataram a agressividade ao Sporting para estancar um pouco o crescimento que o Benfica teve após o intervalo por baixar Kökçü para junto da bola.

Bruno Lage também não demorou a fazer alterações, lançando Beste e Pavlidis (com assobios dos adeptos do Benfica, que tiveram uma noite de gala no apoio à equipa em Alvalade) e mantendo em campo um desgastado Kökçü que tentou de meia distância, mas ao lado.


As duas equipas tentavam, com o Sporting a ganhar outra projeção ofensiva a partir o momento em que começou a mexer e a aproveitar os espaços que iam ficando na transição defensiva dos encarnados, mas as pernas já não respondiam muitas vezes ao que a cabeça pensava, como aconteceu num lance de 3×1 (depois 3×2) de Geny Catamo em que forçou o remate sem sucesso, numa arrancada de Gyokeres a ganhar a Tomás Araújo para um tiro rasteiro e cruzado para defesa de Trubin, e numa má saída dos leões que permitiu uma nova vaga do Benfica que terminou com o cabeceamento de Arthur Cabral ao lado, já em cima do minuto 90. O 1-0 subsistiu mesmo até final.

Nada a fazer, é o Sporting que dobra o ano no primeiro lugar em igualdade pontual com o FC Porto, num campeonato mais aberto do que nunca.