Setenta e nove anos depois da fundação, a Sampdoria vai jogar pela primeira vez no terceiro escalão do futebol italiano. Toda a Itália chora a queda no abismo da querida Samp, exceto o outro lado de Génova, que já a enterrou de forma cruel e insensível, com festejos eufóricos noite dentro.

Em 1946, em pleno pós-Segunda Grande Guerra, tanto Sampierdarenese como Andrea Doria disputam a Serie A e decidem unir forças. A Unione Calcio Sampdoria reflete na perfeição o espírito de uma fusão total, com a junção dos dois nomes e das cores dos dois emblemas no escudo final: o vermelho e o preto dos primeiros e o azul e o branco dos segundos.

O crescimento é lento, numa cidade dominada por um Genoa Calcio desde 1893, ainda que os seus melhores momentos tenham surgido bem antes de dividirem Génova com a rival.

Tudo começa a mudar em 1984/85. Até aí, o último título dos Blucerchiati era o do segundo escalão em 1966/67, porém, na década seguinte, somam seis de grande importância, enquanto nomes como Trevor Francis, Roberto Mancini, Gianluca Vialli, Ruud Gullit e David Platt engrossam as fileiras de um dos mais bem-vestidos de Itália: lindíssima a camisola azul com as riscas horizontais, duas brancas, uma vermelha e outra preta, e a cruz de São Jorge, símbolo da cidade e escudo original do clube. Sobre o peito, o mais recente, o tal que incorpora a silhueta de um marinheiro genovês, Baciccia, Giovanni Battista, ou seja, João Batista. E a secundária, de fundo branco, usada na final de 1992, não lhe fica atrás.

São quatro taças de Itália (1993/94, 1988/89, 1987/88 e 1984/85), o scudetto de 1991, a Taça das Taças de 1989/90 e uma final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, perdida para o Barça de sonho de Johan Cruijff, em 1992, já no prolongamento, naquele maldito livre rasteiro do sargento (e sardento) Ronald Koeman.

O romano que se apaixona por Génova

O sucesso tem um ator principal: o romano Paolo Mantovani, magnata do petróleo ex-adepto da Lazio e do Genoa que se chateia com a venda do craque Luigi Meroni, vira a casaca e transforma, a partir de 1979, uma equipa mediana em crónica vencedora. Em 14 de fevereiro de 1980, inaugura o centro de treinos de Mugnaini, em Bogliasco, na zona metropolitana da cidade pela qual se apaixonara nos tempos de juventude.

Com a ajuda do braço direito e diretor desportivo Paul Borea, jogadores como Trevor Francis, Graeme Souness e Liam Brady são dos primeiros a assinar, juntando-se a nata das jovens promessas do país: em 1982, Roberto Mancini, com 17 anos, depois de ter alinhado pelo Bolonha; e dois anos mais tarde, Gianluca Vialli, com 19, ex-Cremonese. Juntos formam uma das duplas mais completas da história do futebol mundial. Gémeos do golo e amigos do peito, acrescentam à Samp a capacidade de ferir os rivais. A primeira conquista é a Taça de Itália de 1984/85, com golos de ambos.

Não jogam sozinhos. Há o esguio guarda-redes Gianluca Pagliuca, o inquebrável Pietro Vierchowod e ainda o careca incansável Attilio Lombardo, sempre ligado à corrente. No meio-campo, a arte de Toninho Cerezo e o rigor altivo de Srecko Katanec. O título de campeão é confirmado em 1991, sob a direção do lendário Vujadin Boskov, que antes já tinha festejado a Taça das Taças, no Ullevi de Gotemburgo, diante do Anderlecht (2-0), com golos já no prolongamento. Em 1992, não consegue bater o Dream Team em Wembley, no maior troféu continental. E que belo prémio teria sido para Mantovani, que morre no ano seguinte, vítima de cancro no pulmão, aos 63 anos.

O princípio do fim da bela 'Samp'

1992 é o ano da saída de Vialli (141 golos) para a Juventus, por 14,2 milhões, um recorde de então, e em 1994 o Inter paga 8,3 milhões por Pagliuca, novo máximo para um guarda-redes. Vierchowod (493 encontros) também se muda para Turim e para a Vecchia Signora. Mancini (171 golos, maior goleador da história, em 567 partidas, jogador com mais presenças) resiste até 1997, quando acompanha Eriksson até à Lazio. Gullit e Platt chegam por uns tempos, mas não recuperam a glória para a Samp. Mesmo com treinadores do nível de Sven-Goran Eriksson, Luciano Spalletti, Walter Mazzarri, Sinisa Mihajlovic (um dos melhores defesas do calcio ao serviço dos genoveses) e Claudio Ranieri falham a conquista de mais troféus.

Enrico Mantovani, o filho, assume a gestão. Em 1999, os Blucerchiati descem de divisão. O regresso, em 2003, já acontece com Riccardo Garrone, um empresário local, na liderança e com Fabio Quagliarella e Antonio Cassano, que se tornam grandes figuras, em campo, ainda que o melhor registo seja um quarto lugar na Serie A em 2009/10 e uma final da Coppa perdida no ano anterior.

A Garrone sucede um produtor de cinema, Massimo Ferrero, em 2014. A gestão anda longe de ser obra-prima. Acumulam-se dívidas e vendem-se os melhores jogadores, numa constante perda de massa crítica que leva a Sampdoria a passar aqui e ali pelo susto de se ver envolvida em lutas pela permanência. Sete anos depois, é condenado e preso por crimes corporativos e bancarrota, ainda que não relacionados com o clube. Demite-se logo depois.

O último capítulo

Em crise financeira profunda, a Sampdoria quase desce em 2022, o que apenas adia o castigo para o ano seguinte, no meio de notícias sobre salários em atraso. Sob a ameaça da bancarrota e consequente despromoção para o quarto escalão, um consórcio liderado por Andrea Radrizzani, empresário italiano que fundara a Eleven Sports e detera depois o Leeds, e o financeiro Matteo Manfred, com a sua empresa Gestio Capital, avançam para a compra de 99% das ações. Radrizzani, entretanto, vende a sua parte.

Parte do investimento é suportado pela Kickoff Ventures, que detém 58% desse bolo. O dono é o empresário de Singapura Joseph Tey Jin, cujo nome aparece referenciado no escândalo dos Panama Papers, em 2015. A primeira aposta para o banco na época 2023/24 é Andrea Pirlo, que falhara na Juventus e não tinha sido muito mais feliz na Turquia, ao comando do Fatih Karamguruk. Depois de um arranque tremido, ganha 7 dos últimos 11 encontros, termina em 7.º, vai aos play-off e cai perante o Palermo. Os 54 milhões de euros investidos pela Gestio não são suficientes para o regresso à Serie A.

Na segunda temporada, poucos meses depois de Manfredi ter declarado que o antigo internacional transalpino era «peça fundamental do projeto» e com apenas três jogos realizados (um empate e duas derrotas), Andrea Pirlo é despedido. É um mau arranque para um candidato à subida, que tinha feito o segundo maior investimento de toda a Serie B.

O substituto, Andrea Sottil, não averba mais do que quatro triunfos em 14 possíveis, e ainda que elimine o Genoa no Derby della Lanterna, também recebe guia de marcha. Leonardo Semplici está de dezembro a março, e uma derrota no Luigi Ferraris com o Frosinone por 3-0, já com o conjunto em lugares de despromoção, cria o caos. O autocarro é bombardeado com pedras e tochas. Há ainda um quarto técnico, Alberico Evani, que tem a ajuda de Attilio Lombardo como adjunto e Roberto Mancini na sombra, no entanto, nem ele, já com a permanência como único e urgente objetivo, consegue evitar o desastre. Começa a ganhar ao também aflito Citadella, mas três empates – o último, decisivo, diante do Juve Stabia (0-0) –, uma derrota e uma vitória apenas depois está condenado à descida.

São usados 38 jogadores, dos quais cinco guarda-redes diferentes. Aposta-se em quatro treinadores e investem-se milhões de euros, que valem 41 pontos em 38 jogos e o antepenúltimo posto na Serie B. O adeus aos maiores do burgo.

Não há muito tempo, há menos de dez anos, ainda que sem títulos, a Sampdoria era um modelo de recrutamento, conseguindo lucros avultados com jogadores como Patrick Schick, Milan Skriniar, Joachim Andersen, Lucas Torreira, Dennis Praet, Joaquín Correa, Luis Muriel e Duván Zapata. Os portugueses Bruno Fernandes, Adrien Silva, Hugo e Pedro Pereira também por lá passam.

Na Serie C, a Sampdoria vai precisar de ajuda. Gritar por ela. Tem os seus adeptos e pouco mais. Falta-lhe um projeto sólido que a possa devolver, com continuidade, ao convívio entre os grandes. Como naqueles belos anos 90. Naquele verão apaixonante de 91!