A Volta a França faz-se de suor, de esforço, de watts, de valentia. Mas também se constrói com calculismo, medindo cada pedalada, poupando, pensando no que o outro fará para o que eu fizer ser em função disso, um jogo de gato e do rato em cima de duas rodas não motorizadas.

Para este xadrez, a 10.ª etapa, a mais dura do percurso até meio da prova, era o tabuleiro perfeito. Oito contagens de montanha, sete de segunda e uma de terceira, nos 165,3 quilómetros entre Ennezat e Le Mont-Dore Puy de Sancy. Dureza suficiente para baralhar os mais experientes estrategas.

A fuga do dia, numerosa, lançava as bases da jogada. A Visma, com Campenaerts e Simon Yates na frente, pensava um movimento para colocar em causa o rei Tadej. Os outros integrantes da escapada queriam ganhar no fim da tirada, com exceção de Ben Healy, o bravo irlandês das cavalgadas a solo, que queria ambas as coisas, tirada e liderança.

Movimentos para lá e movimentos para cá, quem queria a amarela ficou com a etapa (Visma), quem queria a etapa ficou com nada (os restantes elementos da fuga), quem queria a etapa e a amarela ficou com a amarela (Healy). Quem não queria a amarela ficou sem ela (Pogačar).

Ben Healy de amarelo
Ben Healy de amarelo Dario Belingheri

O Tour entrou no Massif Central, o Maciço Central, zona de montanhas e planaltos no centro-sul do hexágono. Não é comum haver 10 etapas sem descanso, normalmente a primeira pausa na corrida dá-se à segunda segunda-feira da Volta a França, mas este lundi não era um qualquer e por isso a folga na competição adiou-se.

É 14 de julho, dia de França, festa nacional. Não há sonho maior para um corredor gaulês do que triunfar no Tour na jornada da tomada da Bastilha, mas ainda não foi em 2025 que Warren Barguil, o último francês a ganhar no 14 de julho (2017), teve sucessor. Lenny Martinez, o talentoso trepador da Bahrain, andou na fuga, mas não conseguiu seguir o ritmo dos melhores da tirada.

O melhor dos melhores foi Simon Yates. Surpreendente vencedor do passado Giro d'Italia, atacou na parte final, nas últimas rampas do percurso estilo montanha-russa. A ideia seria ter o britânico na frente para ajudar um eventual ataque de Vingegaard, mas não houve margem para isso. Deu para a vitória de etapa, com nove segundos de vantagem para Aresman, o neerlandês da INEOS, not bad.

A 31 segundos de Yates chegou Healy, que queria tudo, qual mestre de xadrez que busca vários objetivos só com um movimento. Desgastado devido à sua natureza impulsiva, que o faz estar sempre à ofensiva, não conseguiu acompanhar Yates. Quando cruzou a meta, esperou para saber se o sonho da amarela seria realidade.

Aguardou mais de quatro minutos. Lá vinham os favoritos, Tadej e Jonas, o esloveno respondendo ao dinamarquês depois de ambos terem ignorado o ataque de Evenepoel. Quando Pogačar contra-atacou, Vingegaard evidenciou o grande nível que apresenta, não largando a roda do campeão do mundo, que já está privado do ajudante Almeida, colocando-se ao tricampeão qual lapa. Foi aí que se deu mais um passo de xadrez.

Ter a camisola amarela significa, diariamente, cumprir uma série de obrigações. Entrevistas, cerimónia de pódio, compromissos protocolares. Pode significar que um ciclista chega até duas horas mais tarde ao momento dos banhos e massagens, da recuperação. E tempo é ouro nesta maratona. Por isso, nos metros finais, Tadej tirou o pé do acelerador que sempre pisa. Não forçou, cedendo amavelmente a amarela a Healy.

O xadrez em duas rodas cansa. Cansa muito. Depois de 10 dias, ao 11.º o pelotão descansará. O Tour volta quarta-feira, antes de dias de alta montanha que muito importarão para o futuro da Volta a França 2025. E onde já não se cederá a cor que todos perseguem.