No rescaldo da humilhante derrota da seleção portuguesa de rugby frente à Irlanda — 106–7, a pior da sua história, justamente quando o rugby nacional começava a conquistar respeito internacional — o presidente da Federação Portuguesa de Râguebi, Carlos Amado da Silva, afirmou que o resultado “não é aceitável”. Concordo. Mas o que é verdadeiramente inaceitável é a sua incapacidade de assumir responsabilidades.

A declaração surge como uma crítica que paira sobre os jogadores, os treinadores e o momento, como se o presidente fosse apenas um observador aborrecido, não o responsável máximo por tudo o que levou a esta hecatombe desportiva. A Irlanda é uma das melhores seleções do mundo. Mas quem aceitou enfrentá-la em casa, com uma equipa desgastada, com falta de preparação e sem meios minimamente comparáveis? Quem lidera a estratégia competitiva, logística e institucional da seleção? Não foram os jogadores. Foi a Federação. Foi Carlos Amado da Silva.

A história repete-se

Este tipo de liderança evasiva não é nova. Na “Ilíada”, Agamémnon culpa os deuses e os seus soldados pela retirada dos seus exércitos, quando foi a sua arrogância que provocou a cisão com Aquiles. Séculos depois, o general britânico Douglas Haig fazia o mesmo na Grande Guerra: culpava os seus homens por ordens desastrosas na batalha do Somme, que ele próprio planeou. Mais recentemente, Bernard Laporte em França ou Bill Sweeney em Inglaterra viram-se envolvidos em escândalos de má gestão enquanto as suas federações ruíam. Todos têm algo em comum: a tendência de culpar os outros e a falta de coragem para assumir os próprios erros.

Carlos Amado da Silva parece querer seguir esse caminho. Diz que “ninguém recusa um jogo com a Irlanda”, como se a honra bastasse para justificar o risco de humilhação total. Mas honra sem preparação é suicídio desportivo. E o preço pagam-no os jogadores.

O dano invisível

Aqueles que estiveram dentro de campo, muitos sem estatuto profissional, saíram não só derrotados, mas expostos e desprotegidos. Submeteram-se ao que mais parecia um treino de luxo para a Irlanda. Um único ensaio aos 53 minutos foi a escassa luz num dia negro. E, no fim, não houve um gesto claro de proteção institucional. Do treinador receberam um apontar de dedo ao seu regresso de férias ou de casamentos em véspera da contenda, como que encolhendo os ombros ao fatalismo do nosso amadorismo e, de quem manda, apenas uma frase gelada: “Não é aceitável.”

Liderar é também assumir. Quando um presidente deixa os seus jogadores entregues à chacota internacional e se afasta da responsabilidade, não lidera — esconde-se. E isso, em qualquer linguagem, — sendo a do rugby a da verdade, da frontalidade e da lealdade —, é uma forma de cobardia institucional.

A crítica internacional

A derrota foi manchete nos principais órgãos desportivos internacionais — e não pelas razões que gostaríamos. O The Times destacou que foi o maior resultado da história da Irlanda. The Sun deu palco a Paul O’Connell, lenda irlandesa, que afirmou ter “pena de Portugal.”

Sentir pena. Não é essa a imagem que uma federação pode permitir que se instale sobre os seus atletas. É um anátema que recai sobre toda uma comunidade nacional que vive, respira e tanto faz pelo crescimento do rugby português.

A reputação do rugby português sofreu um abalo profundo. Não apenas pelo resultado, mas pela mensagem: de que estamos disponíveis para ser saco de pancada, e que o nosso presidente assiste ao desaire do banco, maçado, indignado, como se tivesse sido apanhado de surpresa.

David Fitzgerald

A dimensão institucional

Carlos Amado da Silva é também o responsável máximo por gerir mais de 1 milhão de euros anuais em apoios públicos, além de parceiros privados estratégicos como o Santander ou o Grupo Lusíadas. Em fevereiro pediu meio milhão extra para preparar o Mundial de 2027. Tem, portanto, responsabilidades que ultrapassam o campo. É gestor de fundos públicos, porta-voz de uma modalidade e figura de representação externa.

A vergonha da derrota frente à Irlanda não se mede apenas pelo marcador: mede-se pelo silêncio de quem devia ter falado em nome dos que deram tudo em campo. E uma palavra de proteção à equipa técnica? Nada. As responsabilidades, ao que parece, só serão avaliadas dentro de nove meses — se os resultados assim o exigirem. Desculpe, mas isso é que é inaceitável.

O que se exige

Não se pede a Carlos Amado da Silva que impedisse uma derrota quase certa. Mas exige-se que a enfrente com coragem — pela dimensão do desaire e pelo impacto que teve. Que explique a estratégia. Que admita onde falhou a federação. Que diga se vai mudar, o que vai mudar ou se tem capacidade para mudar.

Portugal tem uma geração de ouro no rugby — e precisa de uma liderança que os inspire, que assuma quando falha, e que saiba proteger os jogadores mesmo perante o desastre.

Um presidente que não assume erros quando a casa arde não pode liderar a reconstrução. E se o rugby português quer manter a confiança de quem o financia, de quem o pratica e de quem o apoia, tem de exigir mais dos seus dirigentes. Começando por exigir responsabilidade.

O resultado foi, de facto, inaceitável. Mas ainda mais inaceitável foi a ausência de liderança no momento em que ela era mais precisa.