
Todos os desportos têm aquele jogador «e se...?». No ténis, esse é Marat Safin. Partiu 1055 raquetes, interessava-se mais pela vida noturna do que pelo próprio jogo e, apesar de ter conquistado o seu primeiro Grand Slam aos 20 anos, no US Open, só voltaria a festejar o triunfo num Major em 2005, na Austrália.
Marat Safin tem muito de que se gabar na carreira, tanto coisas positivas como negativas. Uma pelas quais será lembrado é o registo de 2-0 contra Novak Djokovic, sendo um dos poucos com um saldo positivo contra o campioníssimo sérvio – venceu-o no Open da Austrália e em Wimbledon, sem ceder um único set. Ainda assim, é pequena consolação para ele, tendo em conta tudo o que poderia ter alcançado no circuito.
Disse que estava esgotado
«Se o meu joelho não me estivesse a matar, podia ter jogado mais uns anos, mas quem sabe? Cansa-me o ténis e tudo o que o envolve. Estou esgotado. Perdi a motivação, comecei a perder contra jogadores desconhecidos e deixou de fazer sentido. Além disso, se não consegues vencer Nadal, Djokovic e Federer, qual é o sentido de jogar?» - Marat Safin
Ao longo de toda a carreira, pairou a questão do "e se...?". E se ele tivesse a mentalidade de Nadal, a calma de Djokovic e se...
«E se? Se eu tivesse a cabeça de Nadal, já me teria reformado há muito tempo. Teria desistido antes, porque esse estilo de vida me cansaria. Nunca ia querer viver como Rafa, e ele provavelmente nunca iria querer viver como eu. Não trocaria o meu estilo por nada, nem que fosse para ser o número 1 durante anos. Queria ser uma pessoa normal e viver como me apetecesse. Não teria prazer se pensasse apenas em ténis. Infelizmente, o meu cérebro não funciona assim. Nunca funcionou e nunca funcionará. Não sou eu.» - Marat Safin
No ténis moderno, provavelmente só ele e David Nalbandian, o brilhante e igualmente louco argentino, têm o rótulo de jogadores que desperdiçaram o talento. No entanto, Safin nunca se importou com essas conversas. Não lhe importava o que pensavam dele, não se importava de pagar multas por cada uma das 1055 raquetes partidas... Simplesmente, não era um problema.
Depois de se ter abraçado a Del Potro em Bercy, em novembro de 2009, no seu último jogo, Safin recebeu presentes da organização e voltou a roubar a cena, apesar de ter perdido o encontro.
Destruiu o maior de todos os tempos
Pete Sampras, na altura o melhor tenista da história, não teve qualquer hipótese contra o brutal Safin. Numa das atuações mais impressionantes em finais de Grand Slam, o russo fez o que quis com o então número um do mundo na final da US Open de 2000.
«Naquela final, tudo me parecia em câmara lenta. Chegava a todas as bolas no momento certo, acertava onde queria e sentia-me superior.» - Marat Safin
O russo ridicularizou o jogo de rede característico de Sampras, ultrapassando o americano na rede exatamente 21 vezes. Não perdeu nenhum serviço, concedeu ao norte-americano apenas dois break points, quando a sua mão tremeu um pouco, e resolveu rapidamente o encontro por 6-4, 6-3, 6-3. Tudo isto com apenas 20 anos e 12 erros não forçados na sua primeira final de um Grand Slam.
«Ele é o futuro do ténis», disse Sampras após a derrota na final, e todos tiveram de concordar depois de Safin ter conquistado mais três torneios até ao final do ano, incluindo o Masters de Paris, tendo estado em posição de alcançar o primeiro lugar no final dessa temporada.
Chegou a um encontro ao lado de três loiras atraentes
O mundo inteiro ficou (des)agradavelmente surpreendido ao ver o camarote de Safin na final contra Johansson. Enquanto o sueco tinha o seu treinador, familiares próximos e amigos no camarote, no de Safin estavam sentadas três loiras atraentes.
«Disse à minha mulher que ela não ia querer fazer parte daquele grupo. Disse-lhe que pareciam três prostitutas e ela respondeu-me que seria a quarta, se fosse preciso. Era esse o impacto que ele tinha nas mulheres.» - Darren Cahill
Safin chegou ao jogo com os atacadores desapertados, apoiado pelas suas namoradas, ou Safinetas, como foram apelidadas pela imprensa. Afinal, era o aniversário de Safin e o título em Melbourne seria o melhor presente. Começou como esperado. Safin venceu o primeiro set da final do Open da Austrália de 2002 com relativa facilidade, mas Johansson começou então a jogar muito melhor, e o russo cada vez pior.
O mundo assistiu, incrédulo, a Johansson vencer três sets consecutivos e conquistar um dos títulos mais improváveis da era moderna. Também as três loiras ficaram incrédulas, à espera de mais uma festa com Marat, que não aconteceu. Após o jogo, Safin disse que não fazia ideia de quem eram aquelas raparigas e que um amigo lhe tinha pedido para lhes arranjar bilhetes.
«Não sei como perdi aquele jogo. Mesmo. Surpreendeu-me a forma como ele jogou, mas eu fui mau. Acho que o Thomas devia convidar-me para jantar todos os dias para o resto da vida.» - Marat Safin
Descobriu a vida noturna
Quando corpo e mente estavam em equilíbrio, não havia tenista que o pudesse vencer. Quando a cabeça divagava um pouco, Safin jogava o suficiente para não conseguir vencer os maiores. Na época seguinte, Safin passou por dificuldades e venceu apenas dois torneios, mas começou a divertir-se bastante no circuito. O russo tornou-se presença assídua em festas glamorosas em clubes caros, conduzia carros velozes e as mulheres adoravam-no.
Antes do Open da Austrália de 2002, Safin entrou em contacto com Darren Cahill, o famoso treinador inglês. Cahill ponderava se devia aceitar o miúdo russo louco e ficou muito surpreendido quando a sua mulher, Victoria, lhe disse entusiasticamente que tinha de trabalhar com Safin, relatou o técnico numa entrevista.
«Quando soube que estava a negociar com ele, ficou louca de alegria. Disse-me que ele era lindo, exatamente com essas palavras, e que ela e as amigas iam a todos os jogos dele. Disse-me que simplesmente tinha de trabalhar com ele. Perguntei-lhe se estava a brincar ou a falar a sério, e ela disse que estava a falar muito a sério.» - Darren Cahill
Agassi foi claro: «Não o queres perto da tua mulher»
Após o torneio, Darren Cahill recebeu um telefonema de Andre Agassi, que queria que ele fosse o seu treinador. Cahill ainda não tinha decidido com quem iria trabalhar e a sua mulher, Victoria, torcia muito por Safin. Quando Agassi ligou, ela atendeu, passou o telefone a Darren e sugeriu-lhe que não aceitasse o trabalho.
«Esquece isso. Temos um russo alto e sexy, de 1,95m, com 25 anos. Quantos anos tem o Andre? 48? 49? É velho, careca e anda como um pato.» - Palavras de Victoria a Darren Cahill
Isso chocou Agassi completamente.
«Ouve, não podes aceitar o Safin como teu jogador. Aquele miúdo é completamente descontrolado e imprevisível. E, acredita, não o queres perto da tua mulher, ele é um íman para as mulheres.» - Andre Agassi para Darren Cahill
Até ao Open da Austrália de 2003, onde lesionou o pulso, lesão que o atormentaria para o resto da carreira e o obrigou a desistir antes da terceira ronda, Safin teve sete treinadores em dois anos e meio. As pessoas não conseguiam lidar com o russo louco, que festejava com muito mais motivação do que treinava. No final de 2002, no torneio na sua Moscovo natal, foi apanhado num clube noturno pela madrugada.
«Não vejo problema em ir à discoteca e beber uma cerveja, desde que não me embebede e não fique lá até às seis da manhã.» - Marat Safin
Tinha tudo, mas não se conseguia motivar
Safin não se importava. Apesar de saber perfeitamente, e todos lhe diziam, que era extremamente talentoso e que podia dominar o ténis durante anos, o russo vivia e experienciava a modalidade à sua maneira. Se não lhe apetecia jogar, não jogava, se não lhe apetecia treinar, não treinava. Para ele, era muito simples.
«Ele tem absolutamente tudo para ser um atleta excecional, não apenas um tenista. Tenho a certeza de que teria sucesso noutros desportos e podia dominar o ténis como Michael Schumacher, Michael Jordan ou Tiger Woods as suas modalidades. Infelizmente, não tem vontade de ser o melhor do mundo. O mundo está aos seus pés. Tem dinheiro, é bonito, todos gostam dele. Infelizmente para ele, mesmo os mais talentosos têm de trabalhar arduamente para conseguir alguma coisa. Ele não é esse tipo de pessoa e tenho a certeza de que um dia se vai arrepender. Eu já não conseguia passar tanto tempo com ele.» - Shamil Tarpischev, seu antigo treinador
Safin tinha mesmo tudo. Com 1,94m de altura, movia-se como Novak Djokovic. O seu backhand (esquerda) de duas mãos era, e continua a ser, um dos melhores do mundo, senão o melhor, e o problema para os adversários era que o seu forehand (direita) era igualmente bom. Quando estava na zona, Safin acertava onde queria e não havia jogador que lhe pudesse fazer frente. No início de 2003, Sampras já não estava lá, Agassi estava a sair e surgiram novos dominadores como Roger Federer e Andy Roddick. O ténis estava a mudar, só Safin permanecia o mesmo. Quando lhe apetecia jogar, jogava, e quando não lhe apetecia... Apeteceu-lhe em 2005 e conquistou o seu segundo Grand Slam, na Austrália, diante do australiano Leyton Hewitt.
Entrou na política e hoje é um solitário
Após a reforma do ténis, esperava-se que Safin continuasse com as festas loucas e a vida dissoluta. No entanto, o lendário russo fez exatamente o oposto. Depois de alguns anos de descanso, Safin iniciou a sua carreira política em 2011. Entrou na Duma como deputado do partido de Vladimir Putin.
«Serei o tipo mais bonito do parlamento, mas só porque todos os outros têm mais de 60 anos.» - Marat Safin
Envolveu-se na política até 2017, quando percebeu que não era para ele. Depois disso, Safin sossegou completamente. Como disse numa entrevista recente, vive sozinho com os seus gatos e não deixa ninguém entrar em casa. Converteu-se ao islamismo. Mudou completamente o estilo de vida, que agora é totalmente diferente daquele que tinha como tenista.
«Os gatos sentem como te sentes e é por isso que gosto deles. Não preciso de mais ninguém. Não tenho namorada há muito tempo e não preciso disso. Sinto-me ótimo sozinho, não estou rodeado de amigos e também não preciso de sexo. Sinto-me ótimo. Nunca gostei de ténis e nunca quis jogá-lo. Não me sentia bem sob tanta pressão e sempre preferi futebol, por isso posso dizer que a minha carreira no ténis foi um verdadeiro milagre.» - Marat Safin
E se ele tivesse gostado de jogar...