Pode ter sido do calor, tórrido nos Estados Unidos, pode ter sido por causa da notícia de que o Benfica anda “à procura de um patrão para o meio-campo”, pode ter sido ainda porque Florian Wirtz foi anunciado no Liverpool por uma verba recorde de 117 milhões de euros que estragou um sonho.

A avaliar pelo que foi dito pelo pai, Orkun Kokçu alimenta(va) há muito a expectativa de voltar a trabalhar com Arne Slot, o neerlandês com o qual se sagrou campeão dos Países Baixos e com quem manterá uma relação completamente diferente da que tem neste momento com Bruno Lage. É verdade que o ex-Feyenoord nunca conseguiu mostrar um sorriso natural sob a orientação dos dois treinadores que conheceu na Luz, mas o episódio de sexta-feira em Orlando ultrapassou os limites conhecidos do descontentamento.

Agastado com a ordem de substituição perante os amadores do Auckland City, o médio insultou Lage e mandou para segundo plano a goleada que pode permitir às águias prosseguir para os oitavos de final do Mundial norte-americano ou não bastasse para isso um empate no desafio desta noite com o Bayern Munique.

Michael Owens

Rompida por completo a cadeia hierárquica, como é costume a operação de lavagem e controlo dos danos correu da pior forma possível, envolvendo inclusive o jovem Prestianni, forçado a dizer o que o seu experiente colega não foi capaz de assumir. A péssima maquilhagem ao caso faz admitir que Kokçu constará do onze inicial que vai defrontar a antiga equipa de um Renato Sanches que a esta hora ainda deve estar para perceber se vale a pena suportar mudo e quedo a condição de suplente.

Se um dos reforços mais caros de sempre não sentir na pele a obrigatória punição (a exclusão do onze nem sequer esgotaria o leque de sanções internas), o drama maior para Bruno Lage passará a situar-se na perda irreparável da liderança aos olhos do restante grupo de trabalho. Aliás, face ao ocorrido na sexta-feira, a grande questão até pode colocar-se um pouco ao contrário, ou seja, não é de descartar que a indisciplina só tenha sido verbalizada pelo camisola 10 porque o mister perdeu o controlo do balneário e sobretudo a capacidade de lidar com a personalidade de alguns elementos.

A gestão de Di María na final da Taça de Portugal e a clivagem pública com Bruma revelaram dois casos em que a autoridade foi muito mal exercida, sempre sem nenhuma espécie de supervisão ou intervenção a propósito por parte da estrutura. Talvez profundamente desiludido com o abandono mediático a que tem sido votado, Lage também dá a sensação de estar disponível para normalizar tudo e mais alguma coisa, como se continuasse com o corpo no Benfica e a cabeça a centenas de milhas de distância.

Carmen Mandato - FIFA/GETTY

UM AMAR SEM RESTRIÇÕES

Ao contrário do que é habitual e sobretudo norma imposta nos clubes que enchem as manchetes, o setubalense não se tem coibido nos EUA de comentar de forma aberta os temas palpitantes da atualidade encarnada, passando em minuciosa revista os nomes sugeridos como potenciais reforços para 2025/26.

De Amar Dedic a Anis Moussa, sem esquecer João Félix, os dossiers que despertam a curiosidade dos adeptos têm contribuído para revelar um interlocutor que nas conferências de imprensa troca o fato de treino pelo de diretor desportivo. A abertura e a maneira descomplexada como se tem pronunciado sobre certos temas, desalinhado daquilo que tantas vezes tem caracterizado a postura perante os jornalistas, sugere que o treinador é o primeiro a ter consciência de que está a prazo, restando saber se a data de validade ainda resistirá durante o próximo mês.

Salvaguardando a possibilidade de voltar a Portugal com o troféu de campeão do Mundo, o homem que substituiu Roger Schmidt pode nem chegar a disputar a Supertaça marcada para o último dia de julho, esmagado pela inadmissível dificuldade de Kokçu em se desculpar publicamente e pela voracidade do ciclo eleitoral que já serviu para desenterrar um fantasma chamado Luís Filipe Vieira.

O regresso de Vieira à agenda que a 25 de outubro vai levar os benfiquistas às urnas reforça a obrigação de renúncia de Rui Costa ou, no mínimo, levará o atual presidente a uma cartada desesperada que nunca passará pela continuidade de um Bruno Lage sem conquistas de vulto para exibir à “nação”.

JOSÉ COELHO

Quem está no poder sabe que um técnico fragilizado por insultos que correram Mundo não é trunfo em lado nenhum, restando saber se o noticiado interesse de José Mourinho no temperamental Orkun é suficientemente generoso para pagar a dívida de gratidão que o Benfica de lés a lés parece ter para com o internacional turco. Prestou um serviço a Rui Costa ao destratar o comandante como destratou, facilitou a vida à oposição ao abrir caminho a uma revolução mais ampla e se calhar ao próprio Lage terá igualmente tirado um peso de cima, desobrigando-o de prosseguir num beco sem saída.

Murad Sezer

No fundo, Kokçu fez um grande favor. Sim, se calhar um favor prestado por causa daquele calor que o sufoca por dentro e que o leva a pensar que é o patrão de toda a gente.