
Quatro emblemas brasileiros no arranque do Mundial de Clubes, quatro emblemas brasileiros nos oitavos-de-final da prova! Palmeiras, Botafogo, Flamengo e Fluminense carimbaram o passaporte dourado para o mata-mata, através de exibições coesas e astutas.
No meio de alguma desconfiança - interna e externa -, os respetivos conjuntos têm superado as diferentes barreiras colocadas nos seus caminhos, vencendo, inclusive, alguns dos principais tubarões europeus. Emerge então a questão: até onde podem chegar estas equipas no prestigiante torneio?
De forma a entendermos as razões para o sucesso das formações da Terra de Vera Cruz, pedimos auxílio a Eduardo Massa, editor d'O Gol - portal irmão do zerozero -.
Navegar contra a maré das baixas expectativas
Se Botafogo e Fluminense terminaram o primeiro segmento do torneio no segundo posto dos seus grupos, Palmeiras e Flamengo lideraram os seus respetivos lotes. De acordo com Eduardo Massa, a comunidade brasileira ficou surpreendida pela positiva.
«Sem dúvida, a participação brasileira tem sido melhor do que o esperado. No que diz respeito ao Palmeiras, ao Flamengo e ao Flu já tínhamos a ideia de que haveria uma possibilidade grande de seguirem em frente, por causa dos grupos onde estavam inseridos. Por exemplo, o verdão, face ao atual momento do FC Porto, tinha já um certo favoritismo», referiu, numa primeira instância.

«No caso do Flamengo, o Chelsea era a equipa com mais argumentos, porém, o mengão conseguiu impor-se em vários momentos do jogo. Teve uma postura reativa. O Fluminense teve um comportamento idêntico diante do Borussia Dortmund, num duelo bastante duro. A superioridade da equipa do Rio ficou bem clara, com o Kobel [guardião do BVB] a ser o melhor jogador da partida», prosseguiu.
No entanto, o entrevistado assegurou que o pensamento sobre o percurso do Botafogo era bem distinto, face ao superlativo poderio dos adversários. Contudo, na primeira jornada, o fogão levou a melhor diante do Seattle Sounders, antes de se superiorizar frente ao colosso PSG. A derrota pela margem mínima contra o Atlético de Madrid não foi suficiente para perder a vaga na próxima fase.
«O Botafogo foi a grande surpresa. No contexto brasileiro, e mesmo no seio de torcedores do clube, era impossível dar a equipa de Renato Paiva como favorita, sabendo da força do Atlético e do atual campeão europeu. Contra o PSG, o fogão soube lidar com a pressão e tentou controlar da melhor maneira a iniciativa do adversário. Ao mesmo tempo, houve um pouquinho mais de risco comparativamente com o jogo contra o Atlético. Era preferível gastar tempo e deixar o cronómetro passar», realçou.
Onde estão os emblemas brasileiros na pirâmide competitiva?
Segundo Massa, a prestação dos conjuntos brasileiros no Mundial de Clubes tem servido para tirar algumas ilações: «Nós temos conseguido perceber que estamos num patamar próximo à segunda linha da Europa. Contra estas equipas, os jogos são abertos e o resultado pode cair para qualquer um dos lados.»

«Contudo, frente a emblemas da primeira linha, como o Real Madrid ou o Manchester City, os jogos são bem diferentes... mais desiguais. Posto isto, o Botafogo ter conseguido segurar o PSG, uma equipa que atravessa um excelente momento de forma, foi algo muito impressionante», frisou ainda.
Os diferentes momentos na temporada entre as formações europeias e sul-americanas tem sido um tópico colocado em cima da mesa nos debates entre adeptos. O jornalista brasileiro foi perentório no que toca à influência do respetivo fator no desfecho da Fase de Grupos.
«O calendário do Brasil é, provavelmente, o pior do mundo»
«O calendário do Brasil é, provavelmente, o pior do mundo no que diz respeito ao futebol competitivo. Como tal, isto soa-nos obviamente a desculpa. Alguns clubes do nosso contexto já estão habituados a temporadas que ultrapassam os 70 jogos. Nunca se valorizou muito essa questão», frisou.

«Para além disso, se analisarmos o mesmo intervalo de tempo no último ano, verificamos que as equipas brasileiras jogaram muito mais vezes e em condições bem mais desgastantes. No meio da temporada, as nossas formações já têm a mesma quantidade de jogos disputados que muitos dos clubes que estão presentes neste Mundial. Já para não falar das múltiplas viagens complexas, onde jogadores passam semanas sem praticamente treinar», destacou ainda.
Todavia, Eduardo Massa não esqueceu as notórias dificuldades vividas atualmente por alguns favoritos a levantar o troféu: «Sabemos que este período não é favorável para algumas equipas, como o Inter e o Real Madrid, que mudaram agora de treinador e vivem um momento de transição.»
«Surgem, ainda, outras complicações gerais para os clubes europeus. Na cabeça dos dirigentes, a problemática é esta... como é que nos vamos preparar para um torneio que ocorre no final da temporada e, ao mesmo tempo, estruturarmos o plantel para a próxima época? É um grande desafio», prosseguiu.
Os eventuais underdogs e os craques a ter no radar
Sobre os intervenientes que podem abrir o livro durante o torneio, a primeira menção de Massa foi para um menino de 18 anos: «O Estêvão é um jogador que tem momentos onde mostra todo o seu talento, mas falta ser decisivo. Tem sido muito criticado por isso. Pode fazer a diferença para o Palmeiras nos restantes embates da prova.»

«No Flamengo, também há vários atletas que podem ainda brilhar, como o Pedro. Teve uma lesão grave e ainda não voltou ao seu patamar mais alto. O Arrascaeta também pode fazer a diferença. No Fluminense, o grande destaque é o Jhon Arias, já no Botafogo, os holofotes estão apontados para o Igor Jesus. Curiosamente, são dois futebolistas que se despedem dos seus clubes após o término da participação na competição», referiu.
Massa acredita que o Flamengo é a equipa brasileira com mais recursos para chegar longe, mas referiu que o emparelhamento não foi amigo dos pupilos de Filipe Luís: «Vão apanhar pela frente o Bayern e o natural é serem eliminados.»
«Espera-se um Bayern diferente daquele que se apresentou frente ao Benfica, já classificado para a próxima fase. É obviamente favorito, mas acredito que o jogo não vai ser necessariamente desequilibrado. Os bávaros estão no lote de turmas que são muito difíceis de vencer. Está na elite da elite», realçou.
Face à difícil tarefa do mengão, o jornalista brasileiro deposita as suas fichas no Palmeiras e no Botafogo, que se vão defrontar nos oitavos de final: «Quem ganhar, vai jogar frente ao Benfica ou ao Chelsea. Independentemente dos clubes que passarem, o embate vai ser quase 50/50. A surpresa deste Mundial de Clubes pode muito bem sair deste cruzamento.»
A árdua missão de competir no futebol dos milhões
Seja qual for o desfecho da partida do próximo sábado, uma coisa é certa: o Brasil vai ter um representante nos quartos! No entanto, Eduardo Massa não acredita que esta boa amostra competitiva corresponda necessariamente a uma evolução no País do Futebol.
«O futebol brasileiro foi mais forte do que o europeu no século passado, mas foi sofrendo com a globalização do futebol. Deixou de conseguir reter talentos. Atualmente, os melhores jogadores saem muito cedo para os gigantes europeus. Infelizmente, apesar do Mundial ser bastante rentável, não vai alterar este paradigma. O dinheiro continua a fluir para poucos», ressalvou, numa primeira instância.

«Em Portugal, este fenómeno também se sente. Os jogadores querem ir disputar ligas mais competitivas, por clubes onde têm mais chances de conquistar a Liga dos Campeões. É uma cruel realidade», acrescentou.
Como tal, a conclusão é outra: «Eu acho que o Mundial de Clubes mostra realidades bem diferentes. É muito difícil bater os maiores tubarões da Europa. Por exemplo, um jogador que se destaca no Borussia Dortmund segue diretamente para o Bayern. Já o Atlético, apesar de ser um clube enorme, perde muitos atletas para o Real Madrid e o Barcelona.»
«Podemos estar inseridos num segundo patamar qualitativo, mas as diferenças orçamentais colocam os emblemas brasileiros abaixo dos clubes mais sonantes. É quase impossível reverter esta situação futuramente», concluiu, sublinhando as discrepâncias atuais.