É possível que nos últimos dias Iga Swiatek tenha trespassado algumas das mais blindadas regras não escritas de Wimbledon. Nomeadamente quando, inocentemente, desrespeitou uma carregadinha de lactose e antiga tradição do All England Club, a profusão de morangos com chantilly nas mãos de quem vai passeando nas bancadas dos courts do complexo londrino, ao assumir que o seu prato favorito é um tal de makaron z truskawkami, ou seja, massa com morangos.

O prato típico da cozinha polaca junta massa com uma papa de morangos com natas. É uma daquelas recordações de infância, um prato nostálgico. O aspecto é esquisito. O sabor, garante Swiatek, é bom. Os britânicos ficaram, claro, chocados.

Terá sido uma espécie de premonição. Ou um aviso. Porque massa com morangos foi o que Iga Swiatek fez com Amanda Anisimova, numa das finais de Grand Slam mais desequilibradas da história da Era Open. Um 6-0, 6-0 em menos de uma hora, um duplo bagel que não se via numa final desde que Steffi Graf passou Natalia Zvereva a ferro na final de Roland-Garros em 1988, que durou pouco mais de meia-hora.

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Aos 24 anos, e depois de uma época de muitos baixos, em que não conseguiu defender o título em Roland-Garros, a sua casa espiritual, onde já ganhou quatro vezes, Iga Swiatek, 4.ª do ranking WTA, renasce na superfície em que sempre mostrou mais dificuldades, mesmo que tenha sido na relva de Wimbledon que ganhou o seu único título major em juniores, em 2018. O melhor resultado até agora em Wimbledon era uma modesta presença nos quartos de final, em 2023. Há um ano caiu na 3.ª ronda.

Mas a polaca nunca foi uma jogadora só de terra batida, onde a sua capacidade de resposta ao serviço e as bolas spinadas que lhe saem da raquete lhe dão, de facto, vantagem. Nestas duas semanas, em Wimbledon, ao seu jogo bem redondo, com poucas falhas, juntou-se uma qualquer leveza de espírito que andava há muito desaparecida. Assumiu que estava finalmente a divertir-se na relva, que a bola por uma vez a ouvia. A final foi uma explosiva demonstração de superioridade, um duro corretivo para a derrotada, difícil até de assistir.

Amanda Anisimova, que ainda há dois anos anunciava uma pausa no ténis por causa de um burnout, teve em Aryna Sabalenka uma adversária perfeita nas meias-finais, numa relação de quase parasitismo: aproveitou o poderoso ténis da bielorrussa para elevar o seu próprio jogo, potente e vigoroso. Contra Swiatek, jogadora mais fina, habilidosa taticamente, não houve como sugar o que quer que fosse.

Tim Clayton

E se é certo que a polaca esteve quase irrepreensível, como tantas vezes está quando a cabeça está no sítio certo, do outro lado não teve qualquer réplica. Anisimova sentiu muito o estatuto de primeira vez finalista, nunca entrou no jogo e a tensão na forma como se moveu ao longo dos parcos 57 minutos de encontro era duramente visível. Ganhou apenas cinco pontos no primeiro serviço, atirou 28 erros não forçados, contra apenas oito winners. Só duplas-faltas foram cinco, algumas delas em momentos decisivos. Estatisticamente, é um arraso como poucos. Em campo, não o foi menos. O domínio de Swiatek foi impositivo, por vezes brutal. A norte-americana, impotente, como que atropelada por um double-decker bus londrino, não teve sequer oportunidade de reagir.

Hoje será difícil para Anisimova dormir à noite, ainda assim sai da capital britânica vencedora: na segunda-feira será top 10, uma prova de competência depois de anos de estagnação, ela que aos 17 anos chegou às meias-finais de Roland-Garros.

Já Iga Swiatek ganhou o direito de comer o seu makaron z truskawkami sem qualquer tipo de julgamento por parte dos ingleses, sem olhar às arcaicas tradições do All England Club. Com o seu 6.º título em majors, ela própria poderá qualquer dia iniciar as suas próprias tradições. Está a ser boa a final feminina de Wimbledon, não foi?