
Não que o Paris Saint-Germain tenha só ganhado muito esta temporada. Não é que a época se conte na história falando apenas no mero ato de ganhar, ganhar a Ligue 1, a Taça de França, a Supertaça e, finalmente, de tanto qataricamente sonhar, a Liga dos Campeões. O Paris Saint-Germain ganhou tudo isso jogando um brilhante e moderno futebol, de pressão constante e processos simples no ataque, um regalo para os olhos, e isso não é, por estes dias, de somenos.
Mas para todas as empreitadas quase perfeitas há um antídoto, um remédio, santo ou não, capaz de baixar o futebol mais celestial à terra a que sempre pertencerá.
Talvez ninguém estivesse à espera era que esse antídoto fosse o Chelsea.
Saiu então desde por vezes disfuncional grupo de jogadores o segredo. A forma de parar a equipa mais imparável do ano, que falhou assim o pleno. O Chelsea é o primeiro campeão do também ele altamente disfuncional Mundial de Clubes, com Trump na bancada, ao lado do amigo Infantino, e um calor infernal porque há que agradar ao eleitorado futebolístico europeu - dá-se em horários simpáticos o que se tira em tarifas, assim gira o planeta. E é possível que a vitória assente bem à equipa de Londres, também ela um monumento ao capitalismo do futebol, na sua gigante e por vezes incompreensível política de compras, olhando de cima para baixo quem, em Lisboa ou São Paulo ou Ipswich, não consegue com isto competir.
E também não foi sobre isto este Mundial de Clubes?
Voltando ao relvado do MetLife Stadium, mais habituado aos encontrões do futebol americano do que às habilidades do soccer, o Chelsea tomou desde cedo o bem mais precioso do jogo do PSG: a bola. Estará para vir quem consiga provar que uma equipa está mais perto de marcar não tendo bola e por isso guardá-la é sempre boa política. E o Chelsea não a guardou para a colocar num qualquer carrossel, conseguindo superar a rigorosa pressão parisiense e contando, no ataque, com duas referências em dia de glória.
Se João Pedro veio trazer ao ataque dos londrinos mobilidade e envolvimento com os companheiros, Cole Palmer deu-lhe a frieza. Se foi Doué do outro lado o primeiro a criar algum perigo, obrigando Sánchez à primeira de várias defesas magníficas, Palmer atirou o seu sopro de gelo pelas veias alheias. Marcou aos 22’, depois de Malo Gusto ganhar o lance a Nuno Mendes (o português foi quase sempre manietado pelo francês) e o servir, para um dos seus já habituais passes para a baliza. Aos 30’, novo toque de classe para a bola se aninhar nas redes de Donnarumma, num ataque rápido em que o inglês trocou as voltas a Marquinhos, contando com a ajuda de João Pedro para arrumar com o resto da réplica do PSG.
Com o resultado do seu lado, a gestão seria quase tão perfeita quanto a entrada. Sem bola, o PSG não se sente confortável. Com ela, frente ao Chelsea, também não. Com muita gente no ataque, a equipa de Luis Enrique não conseguiu ser leve e simples, lutou contra as linhas baixas bem trabalhadas por Enzo Maresca, sem a mobilidade que é uma marca d’água. O espaço entre linhas que tanto adora explorar não existiu. Sem ele, o PSG é uma equipa mais vulnerável. E, balançado para o ataque, o PSG deixou espaço atrás para o Chelsea cheirar transições.
Perto do intervalo, Cole Palmer - jogador do torneio, não há frio ou calor que o aguente - avançou pela meia direita e lançou João Pedro, recém-chegado ao Chelsea e já com tanto para contar. O brasileiro, frio como o festejo do colega que o serviu, picou por cima de Donnarumma. O impensável estava a acontecer.
A 2.ª parte foi o conto de uma final já mais que decidida, da incapacidade do PSG encontrar espaços, dos muitos incaracterísticos cruzamentos que eram o carimbo de uma equipa despida dos seus principais pontos fortes. Sánchez fez o resto nas poucas vezes em que tudo o que restava entre o PSG e o golo era o guardião espanhol. O Chelsea, organizado atrás, deixava Liam Delap na frente para as eventualidades e o jovem inglês quase marcou por duas vezes - sem Pacho no eixo da defesa, Beraldo foi um problema para o PSG no apoio a Marquinhos.
Num jogo que se tornou duro, talvez porque incompreensível pareceu ao PSG, carregado de uma confiança construída e que tinha razão de existir, o que restou do jogo trouxe uma incomum expulsão de João Neves, depois de puxar o cabelo a Cucurella, e batatada no final, com Luís Enrique a não dar o melhor dos exemplos em frente a todos os seus jogadores. É certo que o PSG dos últimos dois anos não está habituado a perder, mas é sempre uma virtude saber como lidar com a derrota.
Não foi uma bela última imagem do Mundial de Clubes. Reece James a receber a bendita taça que é a menina dos olhos de Infantino das mãos de Trump também não será, mas é o mundo em que o futebol se move neste momento. E porque esse mundo não dá grandes sinais de querer mudar, daqui a quatro anos (quem sabe dois) haverá novo Mundial de Clubes, com mais centenas de jogadores sobrecarregados e, no final, clubes europeus a receberem a maior percentagem do bolo.