
Ano após ano surgem as comparações entre o campeonato brasileiro, carinhosamente apelidado de Brasileirão, e os campeonatos europeus, sobretudo com o português. Tal acontece não apenas pela partilha da língua, mas também pela troca constante de intervenientes, jogadores, treinadores e dirigentes, com estes dois últimos a serem cada vez mais, no sentido Portugal-Brasil.
Não é a comparação entre eles que nos traz aqui hoje, mas sim uma perspetiva sobre o sempre tão imprevisível e competitivo Brasileirão 2025.
A prova de que este campeonato é tão competitivo único é que, em 55 edições, temos um total de 17 campeões, com o Flamengo, único participante em todas as edições, e Palmeiras, como maiores titulados com oito conquistas, seguindo-se Corinthians com sete e São Paulo com seis.
A tendência parece ser a da última década, com Palmeiras e Flamengo sempre na luta pelo título e com algum clube a intrometer-se nas contas finais. Desde 2016, são quatro títulos para o Palmeiras, dois para o Flamengo, um para Corinthians, Atlético Mineiro e, mais recentemente, Botafogo.
Vamos analisar, superficialmente, alguns dos possíveis candidatos.
Flamengo

A ascensão de Filipe Luís é meteórica e promete continuar a sê-lo. Terminou, em 2023, a carreira de jogador neste mesmo Flamengo e, rapidamente, ingressou e cresceu como treinador no ano seguinte. Iniciou no escalão de juvenis, conquistando a Copa Rio sub-17 e o Carioca sub-17. Rapidamente saltou para os sub-20 para conquistar a Libertadores sub-20 e a Finalíssima Intercontinental, diante do Olympiacos, campeão da Youth League, ainda nesse mesmo ano.
Já no escalão sénior e ainda em 2024, conquistou a Copa do Brasil. 2025 também já começou bem, com dois troféus internos, o Carioca e a Supercopa do Brasil.
Taticamente, com um jogo de posição que vem fazendo furor, a equipa rubro-negra é aquela equipa que melhor futebol pratica e com maior potencial coletivo do país.
Parte na base de um 4-2-3-1 com dois centrais, Léo Ortiz e Léo Pereira, com muito conforto no jogo com bola, Erick Pulgar como referência à frente da defesa, baixando para ser o terceiro elo de construção.
A maior produção está no corredor direito, com Gerson, que renovou recentemente até 2030, como chave tática da equipa, partindo da meia direita para funcionar como um terceiro médio interior extra, oferecendo o corredor a Wesley França, que é, quanto a mim, um dos próximos talentos a saltar para o futebol europeu, como lateral muito completo, técnico e energético com pulmões para fazer toda a faixa, com muita veemência.
Mantém tradicionais como Nico de la Cruz e Arrascaeta mas também Bruno Henrique como referência móvel na frente de ataque (ou Juninho Vieira) que ainda vai resolvendo clássicos.
O ex-Sporting Gonzalo Plata também vai aparecendo, em todas as posições de ataque, com um rendimento e outra maturidade tática, face a tempos passados. Também, na defesa, Alex Sandro e Danilo vão oferecendo liderança e sobriedade defensiva.
O único entrave, para além da pouca utilização de Matheus Gonçalves, pode ser a falta de experiência de Filipe Luís nestas andanças e a dificuldade de conjugar Brasileirão, Copa do Brasil – que paga muito bem – e Libertadores.
Palmeiras

É sabido que o futebol do Palmeiras impressiona pouca gente, tendo sempre mais destaque pela qualidade individual, pelo cinismo e pela crença, do que pela tática.
Apesar das vendas recentes de Endrick, Vitor Reis e de Luis Guilherme, o Palmeiras ainda faz um investimento altíssimo em jogadores como Vitor Roque, Paulinho, Facundo Torres e Emiliano Martinez, superando os 60 milhões de euros, mas com pouco convencimento, até então. Paulinho apenas se estreou na última partida, Facundo Torres ainda não agarrou o lugar e Vítor Roque ainda não marcou em oito encontros disputados.
Abel Ferreira, nos úlimos jogos, até tem montado uma espécie de 3-4-3, face à fraca qualidade dos centrais – Murilo e Micael não me convencem minimamente – com Gustavo Gómez, o melhor deles apesar dos 31 anos, ao centro, e com Bruno Fuchs como central-lateral híbrido do lado direito.
Richard Ríos e Emiliano Martinez são a habitual dupla de médios e não há dúvidas sobre a sua qualidade. No entanto, as dúvidas recaem sobre a sua compatibilidade, tratando-se ambos de médios de perfil semelhante, muito intensos e ativos sem bola, mas que, apesar da capacidade com o esférico em posse, não juntam muita pausa e retenção.
Raphael Veiga, ao longos dos tempos, foi colocando o Palmeiras num patamar muito elevado com golos, assistências e resoluções magníficas de jogos. No entanto, vive uma fase de alguma inconsistência.
Por mais talento que o jogador tenha, algo não está bem quando uma equipa sénior depende de um garoto nascido em 2007 e, neste momento, tem vindo a ser esse o caso. Foi graças a Estevão e à sua magia no pé esquerdo que o Verdão se manteve em competição até ao fim, no ano transato. No entanto, este ano será diferente, já que, a meio do ano, o jogador que até iniciou formação no Cruzeiro, se transferirá para o Chelsea.
Estes são os dois principais candidatos, mas há, obviamente, outros times que podem surpreender.
Internacional

A turma de Roger Machado foi um dos principais destaques dos campeonatos estaduais. Conquistou o Gaúcho sem qualquer derrota – registo esse que mantém intacto – e soma apenas um empate dentro de portas, até à data.
Entre postes, tem segurança em Sergio Rochet, titular da baliza da seleção do Uruguai. Vitão, depois de uma passagem belicamente atribulada pelo Shakthar Donetsk, regressou ao Brasil para se ir assumindo como o patrão da defesa do Colorado.
Alexandro Bernabei, alvo de um investimento a rondar os cinco milhões de euros, após um ano de empréstimo, também regressou à América do Sul, oriundo do Celtic para se mostrar como uma das figuras da equipa.
O principal destaque vai mesmo para outro ex-Shakthar Donetsk, já noutra faixa etária. Falo, obviamente, de Alan Patrick, capitão de equipa, que, a caminho dos 34 anos, funciona como um 10 puro, que já pouco se vê no Brasil e que se vai evidenciado, não apenas no Brasileirão, mas também na Libertadores, contribuindo com golos e assistências.
Também há dois pontas de lança que, embora muito diferentes, impõem respeito. O equatoriano Enner Valencia, como robusto avançado de área mortífero e o colombiano Rafael Borré, como avançado mais completo que não teve a carreira que se esperava.
Botafogo

Com a gestão de multiclubística de John Textor e uma abordagem de compra de jogadores maioritariamente em idade jovem para valorização a curto/médio prazo, os mercados do Botafogo vão, naturalmente, ser agitadíssimos.
No banco e do meio campo para a frente, a equipa revolucionou-se. Perdeu as estrelas Thiago Almada e Luiz Henrique, mas também jogadores relevantes como Júnior Santos e Tiquinho Soares. A ligação que enviou Luiz Henrique para o Zenit, fez Artur retornar ao Brasil, que já se tinha evidenciado no Bragantino e no Palmeiras.
Retornou também Jeffinho e foram investidos pouco mais de 20 milhões de euros em jogadores de campeonatos mais alternativos, como Rwan Cruz (Ludogorets da Bulgária) e Santiago Rodríguez (New York City FC dos Estados Unidos).
Ainda cerca de outros 20 milhões de euros serviram para trazer dois internacionais sub-20 pela Canarinha. Nathan Fernandes, um extremo destro possante e irreverente chegou do Grémio, enquanto que Jair Cunha, defesa central moderno, tecnicamente evoluído e pretendido por meio mundo, chegou do recém-promovido Santos.
Após um ano de 2024 em que se afastaram os fantasmas da insuficiência, conquistando o Brasileirão e a Libertadores sob o comando de Artur Jorge – que se transferiu para o multimilionário Al-Rayyan do Catar -, o Fogão voltou a apostar num português para comandar este leque de jogadores.
Renato Paiva, conhecedor do futebol sul-americano com passagens pelo México e Equador, apesar de estar longe da consensualidade, foi o selecionado, embora não estivesse no topo da lista, por apenas ter chegado pós-estaduais e Recopa Sudamericana.
O tempo no Brasil voa, os treinos são praticamente inexistentes e as viagens, internas e externas, são longas e as dificuldades vêm acompanhado. Com paciência, que não se sabe se existirá, pode atingir bons feitos.
Corinthians

O Corinthians, ao contrário da tradição brasileira, manteve o cerne do plantel. Formalizou a chegada de Hugo Souza, que passou pelo Chaves em 2023/2024, trouxe Cacá do Tokushima Vortis e Angileri, a custo zero, do Getafe. Para além disso, prolongou os empréstimos de Talles Magno e Maycon.
Tem em Memphis Depay o expoente máximo de qualidade e de perfume, apesar dos 31 anos, jogando junto a Yuri Alberto na frente de ataque, que vai crescendo sob a alçada de Ramon Díaz e provando o potencial que apresentava nos primórdios da carreira.
Uma das grandes surpresas é também o rendimento e a missão de André Carrillo (ex-Sporting e ex-Benfica), libertando-se da função de extremo irreverente de faixa para jogar no meio-campo com uma influência mais abrangente e madura ao nível da construção e criação de jogadas.
Falar de Corinthians em 2025 e não falar de Breno Bidon é quase um ultraje. É um dos 6/8’s da próxima geração e que, à partida, saltará para a Europa num dos próximos dois ou três marcados. Médio canhoto, com muito boa leitura de jogo e um calibre tremendo ao nível do passe a várias distâncias.
Cruzeiro

O jejum de troféus principais da Raposa dura há já seis anos, desde a conquista do Campeonato Mineiro de 2019. Desde então, passaram pela Série B, conquistaram-na e pararam nas meias finais da Copa Sudamericana no ano passado. Contrataram Fernando Diniz, despediram-no e, na linha de muitos sucessos, trouxeram um português, de nome Leonardo Jardim, para assumir as rédeas.
A estratégia de mercado passou por um investimento muito baixo e tentando aproveitar jogadores com muito estatuto no campeonato brasileiro que iam perdendo espaço nos seus clubes. Assim sendo, chegaram Dudu do Palmeiras, Fabrício Bruno e Gabriel Barbosa do Flamengo e, num registo diferente, Marquinhos, por empréstimo do Arsenal.
Com pouquíssimo tempo de treino e com Matheus Pereira em alguns impasses negociais, o Cruzeiro ainda só venceu um jogo, tendo empatado três e perdido quatro, sob o comando do técnico luso.
O Fluminense que vai beneficiando do choque psicológico da chegada de Renato Gaúcho, a consistência recente do Fortaleza, o Santos incógnito de Neymar, o mal treinado São Paulo de Oscar e Lucas Moura e o Bahia que ainda não perdeu desde o estadual são mais algumas equipas que suscitam curiosidade.
Mais uma vez, espera-nos um belíssimo campeonato que, embora tenha o Flamengo como favorito, será, certamente, disputado até à última jornada.