Em 1986 a aldeia de Tourigo, no concelho de Tondela, foi elevada à categoria de freguesia. Em 2013 deixou de o ser e em 2025 prepara-se para voltar a ter o mesmo estatuto e nome, no âmbito do processo de separação de uniões de freguesias que vai ser votado na sexta-feira, 17, no Parlamento

Hélder Alves, presidente da União de Freguesias de Barreiro de Besteiros e Tourigo, escolhe as palavras, antes de falar. “É preciso cuidado, para não ferir suscetibilidades”, diz o autarca. "O povo tem a sua sensibilidade, reclama a autonomia e todo o processo foi votado em Assembleia de Freguesia, por unanimidade”, esclarece Hélder Alves. O autarca afasta qualquer problema: "Temos um orçamento único, há questões a acertar como a divisão de bens, mas é preciso respeitar a vontade do povo.”

Hélder Alves sublinha que “não se trata de uma vitória do povo de Tourigo, antes respeito pela sua identidade”. E lembra que “nos três atos eleitorais desde a anexação, sempre foi prometido lutar pela desagregação”.

Do Tourigo a Barreiro de Besteiros são 2,7 km, quase uma única aldeia dada a continuidade do casaria, mas na rua e nos cafés, as conversas não esquecem o tema. “Até à decisão final muita água correrá no ribeiro, o mentor desta ideia é o grande responsável desta instabilidade”, aponta Joaquim Pinheiro, na página das redes sociais que reclama a desagregação. Não são tachos, antes voltar a ter identidade”, acrescenta Mário Monteiro.

Também Carla Antunes, que hoje é presidente da Câmara Municipal de Tondela e antes esteve no Parlamento quando a Comissão do Poder Local analisou a anexação, recorda que “aquando da decisão, todos fomos contra e sempre dissemos que o sentimento popular tem de ser respeitado”. Um “compromisso político que sempre esteve presente nas campanhas eleitorais e que é coerente com a vontade do povo”, sublinha a autarca, que recusa “dificuldades no processo de desagregação, basta ser coerente e haver boa vontade”, diz ao Expresso.

O grupo de trabalho parlamentar sobre a desagregação de freguesias validou 124 propostas de desagregação, o que pode levar 270 freguesias à situação em que estavam antes da reforma de Miguel Relvas. Foram depois ainda admitidos os pedidos de mais 8 uniões de freguesia, o que soma 132 uniões de freguesia, que darão origem a 296 freguesias

Só em Tondela haverá três novas freguesias com a separação das uniões entre Barreiro de Besteiros e Tourigo, São Miguel do Outeiro e Sabugosa e Vilar de Besteiros e Mosteiro de Fráguas. O processo foi votado, e aprovado na Assembleia Municipal de Tondela e não houve ruído.

Barulho, apenas ao lado, no concelho de Viseu, onde o pedido de desagregação foi aprovado em Assembleia Municipal, mas, em dezembro de 2024, rejeitado na Assembleia da República. A desagregação de Boa Aldeia, Farminhão e Torredeita foi reprovada e o processo tornou-se polémico. Farminhão é a terra natal de Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu que também estava no Parlamento quando a lei foi votada, que preferiu não se envolver no processo. Boa Aldeia e Farminhão não cumprem o requisito dos 750 eleitores imposto pela desagregação.

Um grupo de cidadãos da União de Freguesias de Boa Aldeia, Farminhão e Torredeita acusaram mesmo o presidente da Câmara de Viseu de “inação e falta de vontade política”. Numa carta aberta, os fregueses lembram que o processo sempre teve “forte oposição popular”.

Na carta, os cidadãos insistem que a união “nunca foi esquecida pelos populares” e, em 2021, voltou à discussão, quando foi aprovada a lei que estabeleceu critérios, como o número de eleitores, que permitem a desagregação. Os cidadãos sustentam que a desagregação permitiria “acesso a maiores apoios em programas europeus e ao Plano de Recuperação e Resiliência”.

Em reunião de câmara, Ruas fez questão de lembrar que sempre foi “contra a agregação das freguesias, ainda por cima estamos a falar da minha freguesia, Farminhão”.

No distrito de Viseu, 12 uniões de freguesia pediram a desagregação nos concelhos de Nelas, Sátão, Tarouca, Viseu e Vouzela. Apenas cinco foram aprovadas.

Com apenas um projeto de lei abrangendo todas uniões de freguesias a desagregar, espera-se que no próximo dia 17 o Parlamento proceda à discussão e à votação, na especialidade e global. Se este calendário for cumprido, será possível respeitar o prazo de seis meses antes das eleições autárquicas, como exige a lei.