Numa intervenção para encerrar uma reunião de trabalho com diversas associações, no parlamento, com o tema "Cumprir a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez no SNS", Paulo Raimundo afirmou que a legalização do aborto foi uma vitória da luta das mulheres, "muito avançada e de progresso", mas que entrou em vigor num "contraciclo de retrocesso" marcado por uma "opção de desmantelamento do SNS".

"A lei avança, mas só é possível de concretizar na sua plenitude com meios para o fazer. E do ponto de vista das condições do instrumento fundamental para concretizar, que é o Serviço Nacional de Saúde, inicia-se um processo de desmantelamento", disse.

O líder do PCP voltou a sublinhar que, perante a atual correlação de forças no parlamento, não há "grande espaço para avançar" na legislação da IVG, defendendo que este é o momento de "aguentar e resistir" e acrescentando que, apesar de um enquadramento parlamentar desfavorável, isso não justifica que "não se cumpra lei" e se limite o acesso ao aborto.

Remetendo para relatos ouvidos neste encontro com associações, Raimundo criticou a existência dos chamados "hospitais objetores de consciência", afirmando que isso é uma questão "impossível de tolerar".

Paulo Raimundo defendeu que a objeção de consciência é um direito individual, mas considerou inaceitável que hospitais inteiros se recusem a realizar IVG, criando obstáculos que, no seu entender, têm de ser resolvidos. Acrescentou que o Estado não pode permitir que instituições públicas determinem se permitem ou não o acesso ao aborto.

"Estava convencido de que a expressão de hospitais objetores de consciência tinha a ver com uma dificuldade de prática de não ter profissionais nesse sentido. Não têm? Arranjem. Não têm? Contratem", atirou.

Paulo Raimundo ironizou ainda referindo que o Estado cumpre os seus deveres com as mulheres apenas se estas forem poderosas, afirmando que não falha com Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, Cláudia Azevedo, CEO da Sonae, ou Paula Amorim, presidente da Galp.

Reconhecendo limitações na legislação portuguesa, Paulo Raimundo sublinhou ainda a importância da vitória do "sim" no referendo à IVG, em 2007, acrescentando que "não foi uma vitória contra a moral, nem contra as crenças de cada um", mas sim uma vitória dos direitos da sociedade e, em particular, da mulher.

O secretário-geral do PCP disse ainda que a lei portuguesa é "altamente progressista e de avanço significativo" num momento de recuo de mentalidades, hábitos, costumes e princípios, remetendo para intervenções de algumas participantes na sessão, que relataram casos de violência no namoro ou a diminuição do uso de métodos contracetivos nas camadas mais jovens.

O líder do PCP concluiu a intervenção garantindo que os comunistas não facilitarão a vida dos que "não querem que a lei se cumpra" e reconhecendo que a tarefa dos defensores do cumprimento da legislação também "não está fácil".

A interrupção voluntária da gravidez, legalizada em 2007, voltou a ser debatida no parlamento a 10 de janeiro, com os partidos de esquerda defenderam a extensão do limite de 10 para 12 ou 14 semanas, o fim do período de reflexão e mudanças na objeção de consciência.

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